Recentemente gravei mais duas músicas no piano.
Aproveite e veja as gravações antigas na página de repertório.
A Terra dos Esportes
Esta é a história de um país distante. Uma terra de grandes pastagens e plantações, famosa por seus campos de flores e por suas montanhas altíssimas. Uma terra de gente expansiva entre si mas tímida com estrangeiros. Um povo que não destratava ninguém mas que demorava um pouco para se dar a conhecer. Há muitos anos, diversos esportes diferentes eram praticados por sua população. De todos eles, o mais praticado era o futebol.
Nas escolas, desde as aulas pras crianças até as aulas pros jovens, era comum os alunos terem horários específicos só para jogar futebol e aprender as suas regras. Semanalmente, todos estavam em sala para aprender a teoria do impedimento e na quadra para aprender a bater um pênalti. Mesmo que algumas crianças preferissem brincar de outros esportes, a prática do futebol era parte do currículo base definido pelo governo.
Nos domingos, as famílias se reuniam para assistir aos jogos pela televisão, que eram transmitidos sempre em horário nobre. Os anunciantes pagavam fortunas para ter seu nome piscando nos comerciais e à beira dos gramados. Algumas famílias iam aos estádios pessoalmente. Muitos praticantes mais fervorosos pelo futebol ainda jogavam partidas à noite, durante a semana. Crianças eram criadas por seus pais assistindo e praticando futebol, e com isso desde cedo já passavam a tê-lo como seu favorito.
Mesmo com toda a predominância do futebol, ainda assim haviam praticantes de outros esportes, como vôlei ou tênis, e até mesmo de esportes mais exóticos, como o beisebol. Curiosamente, as pessoas que gostavam de um esporte normalmente não se interessavam por outros. As que mostrassem alguma curiosidade sobre um esporte diferente eram vistas como pessoas confusas, que não tinham muita certeza do que queriam da vida.
Os futeboleiros, especialmente, costumavam dizer que só o futebol era esporte de verdade mesmo. Com os outros esportes, você até podia fazer um exercício saudável, mas só com o futebol você poderia desenvolver um bom condicionamento e se manter com a saúde perfeita.
Com o tempo, algumas variações do futebol foram surgindo. Futebol society, futebol de salão, futebol de praia. Para alguns, não havia problema em gostar de dois tipos de futebol. Afinal de contas, no fundo a essência era a mesma. A única modalidade que era muito mal vista por uma grande parcela da população era o futevôlei. Para muitos, a mistura de dois esportes era inconcebível, prova de falta de interesse genuíno em ambos. Mas se misturar peteca e tênis de mesa era estranho mas irrelevante, por serem dois esportes vistos como marginais e pequenos, o futevôlei era visto por muitos como uma afronta por se tratar de uma mistura com o futebol. Mais do que confusão, era falta de respeito.
Mas os mais mal vistos, como você já pode imaginar, eram os que não gostavam de esporte nenhum. Se a pessoa preferisse passar as manhãs de domingo indo à igreja ou então apenas lendo um livro de história, já era vista como desligada das coisas realmente importantes da vida.
Por mais incrível que possa parecer, a maioria das pessoas não conseguia conversar sobre esportes diferentes daqueles aos quais estavam habituados. Elas ficavam sempre tentando encontrar paralelos de seu próprio esporte no dos outros. Queriam saber como era o ippon no tênis. Como escolhiam o grid de largada na maratona. E questionavam o que acontecia em um esporte com base nas regras de outro. Criticavam o basquete por não ter onze jogadores de cada lado. E queriam que o jogo de handebol só terminasse depois que um time ganhasse pelo menos dois tempos.
Alguns esportes mudavam com o passar do tempo. O vôlei mudou vários detalhes de suas regras para deixar o jogo mais rápido, a fórmula 1 mudava a contagem de pontos de tempos em tempos, o polo aquático mudou o número de jogadores. Mas não o futebol. Até questionar as regras do futebol era mal visto. Diziam que as regras já tinham sido muito bem pensadas e que não precisavam ser modificadas.
Com o tempo, alguns dirigentes e jogadores de futebol começaram a se candidatar nas eleições. O país viu serem eleitos diversos vereadores, deputados e até mesmo senadores que dedicavam boa parte de suas vidas à prática do futebol. Muitos deles conseguiam se eleger muito mais por conta de sua grande popularidade entre os torcedores de um determinado time do que exatamente por suas propostas políticas.
No início, eles começaram a aprovar leis que diziam respeito só ao futebol. Foi por aí que começaram a surgir os feriados futebolísticos. Primeiro veio o dia do futebol, depois o dia da fundação do primeiro time nacional, e então o dia da fundação da Liga Nacional de Futebol. Todos feriados nacionais. Em alguns estados, era feriado o dia da final do campeonato. Haviam também muitas datas comemorativas em homenagem a jogadores famosos, aqueles que os torcedores diziam fazer milagres com a bola nos pés. E as notas do dinheiro do país passaram a trazer imagens dos grandes atletas do passado.
Ao mesmo tempo, felizmente, para os amantes de outros esportes, haviam políticos que buscavam a pluralidade de ideias. O futebol deixou de ser item obrigatório no currículo das escolas. Mesmo tendo causado uma certa comoção entre os grupos de futeboleiros mais barulhentos, as aulas de educação física passaram a tratar mais de esportes variados. Durante o ano, os alunos aprendiam as regras e praticavam não apenas o futebol, mas também rugby, basquete, atletismo, entre outros.
Mas isso não veio sem reclamações. Alguns professores reclamaram de estar tendo que praticar esportes dos quais não gostavam. Já muitos pais protestaram porque os filhos estavam aprendendo na escola coisas que eram diferentes daquilo que viam em casa, o que acabava deixando-os confusos. Chamavam isso de ideologia esportiva. Aqueles que apoiavam o novo modelo diziam que o país não era atleta para forçar um único esporte sobre os alunos e a população. Enquanto isso, os que defendiam o futebol falavam que o país não era atleta mas também não era sedentário, e que nada mais justo dar mais atenção ao esporte com mais adeptos.
O problema começou quando começaram a querer aprovar leis que beneficiavam só o futebol ou que impunham a toda a população as regras que se aplicavam só ao futebol. Os times e estádios passaram a ter isenção de impostos, as bibliotecas passaram a ser obrigadas a exibir em local de destaque o livro de regras do futebol e estava quase passando uma lei que iria criminalizar o ato de não cantar o hino de um time durante uma solenidade. Um deputado propôs uma lei que obrigava todos a andarem de chuteiras. Outro queria tornar ilegal a prática de esportes individuais.
Um clima de animosidade tomou conta do país. Passaram a ser frequentes os ataques a campos e quadras de outros esportes. No primeiro dia de um campeonato nacional de ciclismo, todas as bicicletas dos atletas tiveram seus pneus furados. Na véspera da final da etapa do mundial de natação, jogaram tinta na piscina. Apesar de alguns futeboleiros se defenderem dizendo que aquilo era coisa de vândalos e que não era todo futeboleiro que era intolerante com outros esportes, era evidente a pouca movimentação entre eles e seus principais líderes para tentar impedir situações semelhantes.
Leis mais rígidas contra a intolerância esportiva não faziam efeito. A coisa só melhorou quando grandes jogadores de futebol, famosos e idolatrados por todos os futeboleiros, iniciaram uma campanha. Participavam de competições de outros esportes e traziam atletas de outros esportes para o futebol. Foi difícil, mas o objetivo foi alcançado. Anos depois, a organização dos Jogos Olímpicos na capital do país foi a prova de que seu povo havia se tornado mais tolerante, capaz de conviver com as diferenças.
Nas escolas, desde as aulas pras crianças até as aulas pros jovens, era comum os alunos terem horários específicos só para jogar futebol e aprender as suas regras. Semanalmente, todos estavam em sala para aprender a teoria do impedimento e na quadra para aprender a bater um pênalti. Mesmo que algumas crianças preferissem brincar de outros esportes, a prática do futebol era parte do currículo base definido pelo governo.
Nos domingos, as famílias se reuniam para assistir aos jogos pela televisão, que eram transmitidos sempre em horário nobre. Os anunciantes pagavam fortunas para ter seu nome piscando nos comerciais e à beira dos gramados. Algumas famílias iam aos estádios pessoalmente. Muitos praticantes mais fervorosos pelo futebol ainda jogavam partidas à noite, durante a semana. Crianças eram criadas por seus pais assistindo e praticando futebol, e com isso desde cedo já passavam a tê-lo como seu favorito.
Mesmo com toda a predominância do futebol, ainda assim haviam praticantes de outros esportes, como vôlei ou tênis, e até mesmo de esportes mais exóticos, como o beisebol. Curiosamente, as pessoas que gostavam de um esporte normalmente não se interessavam por outros. As que mostrassem alguma curiosidade sobre um esporte diferente eram vistas como pessoas confusas, que não tinham muita certeza do que queriam da vida.
Os futeboleiros, especialmente, costumavam dizer que só o futebol era esporte de verdade mesmo. Com os outros esportes, você até podia fazer um exercício saudável, mas só com o futebol você poderia desenvolver um bom condicionamento e se manter com a saúde perfeita.
Com o tempo, algumas variações do futebol foram surgindo. Futebol society, futebol de salão, futebol de praia. Para alguns, não havia problema em gostar de dois tipos de futebol. Afinal de contas, no fundo a essência era a mesma. A única modalidade que era muito mal vista por uma grande parcela da população era o futevôlei. Para muitos, a mistura de dois esportes era inconcebível, prova de falta de interesse genuíno em ambos. Mas se misturar peteca e tênis de mesa era estranho mas irrelevante, por serem dois esportes vistos como marginais e pequenos, o futevôlei era visto por muitos como uma afronta por se tratar de uma mistura com o futebol. Mais do que confusão, era falta de respeito.
Mas os mais mal vistos, como você já pode imaginar, eram os que não gostavam de esporte nenhum. Se a pessoa preferisse passar as manhãs de domingo indo à igreja ou então apenas lendo um livro de história, já era vista como desligada das coisas realmente importantes da vida.
Por mais incrível que possa parecer, a maioria das pessoas não conseguia conversar sobre esportes diferentes daqueles aos quais estavam habituados. Elas ficavam sempre tentando encontrar paralelos de seu próprio esporte no dos outros. Queriam saber como era o ippon no tênis. Como escolhiam o grid de largada na maratona. E questionavam o que acontecia em um esporte com base nas regras de outro. Criticavam o basquete por não ter onze jogadores de cada lado. E queriam que o jogo de handebol só terminasse depois que um time ganhasse pelo menos dois tempos.
Alguns esportes mudavam com o passar do tempo. O vôlei mudou vários detalhes de suas regras para deixar o jogo mais rápido, a fórmula 1 mudava a contagem de pontos de tempos em tempos, o polo aquático mudou o número de jogadores. Mas não o futebol. Até questionar as regras do futebol era mal visto. Diziam que as regras já tinham sido muito bem pensadas e que não precisavam ser modificadas.
Com o tempo, alguns dirigentes e jogadores de futebol começaram a se candidatar nas eleições. O país viu serem eleitos diversos vereadores, deputados e até mesmo senadores que dedicavam boa parte de suas vidas à prática do futebol. Muitos deles conseguiam se eleger muito mais por conta de sua grande popularidade entre os torcedores de um determinado time do que exatamente por suas propostas políticas.
No início, eles começaram a aprovar leis que diziam respeito só ao futebol. Foi por aí que começaram a surgir os feriados futebolísticos. Primeiro veio o dia do futebol, depois o dia da fundação do primeiro time nacional, e então o dia da fundação da Liga Nacional de Futebol. Todos feriados nacionais. Em alguns estados, era feriado o dia da final do campeonato. Haviam também muitas datas comemorativas em homenagem a jogadores famosos, aqueles que os torcedores diziam fazer milagres com a bola nos pés. E as notas do dinheiro do país passaram a trazer imagens dos grandes atletas do passado.
Ao mesmo tempo, felizmente, para os amantes de outros esportes, haviam políticos que buscavam a pluralidade de ideias. O futebol deixou de ser item obrigatório no currículo das escolas. Mesmo tendo causado uma certa comoção entre os grupos de futeboleiros mais barulhentos, as aulas de educação física passaram a tratar mais de esportes variados. Durante o ano, os alunos aprendiam as regras e praticavam não apenas o futebol, mas também rugby, basquete, atletismo, entre outros.
Mas isso não veio sem reclamações. Alguns professores reclamaram de estar tendo que praticar esportes dos quais não gostavam. Já muitos pais protestaram porque os filhos estavam aprendendo na escola coisas que eram diferentes daquilo que viam em casa, o que acabava deixando-os confusos. Chamavam isso de ideologia esportiva. Aqueles que apoiavam o novo modelo diziam que o país não era atleta para forçar um único esporte sobre os alunos e a população. Enquanto isso, os que defendiam o futebol falavam que o país não era atleta mas também não era sedentário, e que nada mais justo dar mais atenção ao esporte com mais adeptos.
O problema começou quando começaram a querer aprovar leis que beneficiavam só o futebol ou que impunham a toda a população as regras que se aplicavam só ao futebol. Os times e estádios passaram a ter isenção de impostos, as bibliotecas passaram a ser obrigadas a exibir em local de destaque o livro de regras do futebol e estava quase passando uma lei que iria criminalizar o ato de não cantar o hino de um time durante uma solenidade. Um deputado propôs uma lei que obrigava todos a andarem de chuteiras. Outro queria tornar ilegal a prática de esportes individuais.
Um clima de animosidade tomou conta do país. Passaram a ser frequentes os ataques a campos e quadras de outros esportes. No primeiro dia de um campeonato nacional de ciclismo, todas as bicicletas dos atletas tiveram seus pneus furados. Na véspera da final da etapa do mundial de natação, jogaram tinta na piscina. Apesar de alguns futeboleiros se defenderem dizendo que aquilo era coisa de vândalos e que não era todo futeboleiro que era intolerante com outros esportes, era evidente a pouca movimentação entre eles e seus principais líderes para tentar impedir situações semelhantes.
Leis mais rígidas contra a intolerância esportiva não faziam efeito. A coisa só melhorou quando grandes jogadores de futebol, famosos e idolatrados por todos os futeboleiros, iniciaram uma campanha. Participavam de competições de outros esportes e traziam atletas de outros esportes para o futebol. Foi difícil, mas o objetivo foi alcançado. Anos depois, a organização dos Jogos Olímpicos na capital do país foi a prova de que seu povo havia se tornado mais tolerante, capaz de conviver com as diferenças.
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