Uma outra Mensagem de Ação de Graças

Lá em abril, quando ainda pensávamos que o isolamento e a pandemia durariam pouco tempo, agradeci a um grupo de pessoas que estavam fazendo uma diferença danada na minha vida:  os artistas.

Com o ano acabando, é preciso reforçar o agradecimento.  Sem a galera da música, do cinema, da literatura, teria sido muito mais difícil enfrentar esse ano em que cada dia era uma mistura de um cruzcredo com um deusmelivre diferente.

Obrigado ao Elton John, à Clara Nunes, ao Chico Buarque, minha santíssima trindade.

Obrigado ao Sam Mendes, ao Bong Joon-ho, ao Galder Gaztelu-Urrutia, ao Hayao Miyazaki, ao Zuza Homem de Melo, ao Charles Gavin. 

Obrigado ao Douglas Germano que me lembra que quero danças sobre as ruínas dos reinos da escuridão. Obrigado ao Diante do Trono que responde dizendo que eu vou dançar sobre toda dor. E obrigado ao Dire Straits que me lembra que deve haver riso depois da dor, deve haver sol depois da chuva.

Obrigado à Legião Urbana que me faz perguntar se será que é tudo isso em vão, se será que vamos conseguir vencer, e obrigado à Beatrice Martin que responde que se o dia não chega para os que temem na noite, conte comigo para que choremos juntos. E obrigado à Clara Nunes, que lembra que não importam essas lágrimas, às vezes faz bem chorar.

Obrigado ao Milton Nascimento que reforça que é preciso ter força, é preciso ter raça. Obrigado ao Terno, que lembra que se tudo se transforma, tudo passa nesse mundo. E obrigado ao Criolo que compartilha meus medos quando diz que solidão é um veneno, convoque seu Buda, o clima tá tenso.

E mesmo em tempo de distanciamento, obrigado Chico Buarque por lembrar que quando te der saudade de mim, basta dar um suspiro que eu vou ligeiro te consolar. Obrigado Carole King por lembrar que quando nada estiver dando certo, feche os olhos e pense em mim que logo estarei aí. E obrigado Sérgio Sampaio que compartilha da vontade de querer botar meu bloco na rua.

Por conta dos que fazem pouco caso do que estamos passando, obrigado ao Cazuza por nos lembrar que é preciso pedir piedade pra essa gente careta e covarde. E obrigado ao Rival Sons por lembrar que meu amor é maior que seu ódio, minha fé é maior que sua dúvida, minha gargalhada é mais alta que sua gritaria, e que minha dança é mais bela que sua marcha.

Finalmente, obrigado à Flávia Wenceslau, por transformar em melodia meu desejo às pessoas artistas, ao dizer que te desejo vida, longa vida, te desejo a sorte de tudo que é bom, te desejo a chuva na varanda molhando a roseira pra desabrochar, e dias de sol pra fazer os teus planos nas coisas mais simples que se imaginar.

Artistas, mais do que nunca, indispensáveis.

Que em 2021...

 

Elton John ao Vivo, em cd

Ao longo de sua carreira, Elton John lançou muitos discos gravados ao vivo. A maioria deles são edições limitadas ou especiais, disponíveis apenas através de parcerias com produtoras, em relançamentos de discos clássicos ou para associados do site oficial. Entretanto, quatro deles contam como parte de sua discografia dita oficial, como discos de carreira. 

O primeiro deles foi 17-11-70, lançado no início de 1971. 

No início da carreira, Elton John fez diversas apresentações ao vivo em estações de rádio. Como era de se esperar, essas apresentações começaram a ser gravadas e vendidas como bootlegs. De olho nesse mercado, a gravadora colocou nas lojas um lançamento oficial de uma dessas apresentações, justamente a que foi feita no dia que dá título ao disco. Em 17 de novembro de 1970 Elton John se apresentou na rádio WABC-FM junto com o baterista Nigel Olsson e o baixista Dee Murray. 

Se você viu o filme Rocketman, provavelmente se lembra dos shows no Troubadour, os primeiros de Elton John nos Estados Unidos. O registro presente nesse disco retrata bem o que as pessoas viram nestas apresentações: um trio piano-baixo-bateria esmerilhando canções que originalmente tinham um peso orquestral muito grande. (Detalhe: o filme retrata a banda no Troubadour como um quarteto, o que não aconteceu, mas isso é papo pra outra hora) 

No setlist da apresentação estão músicas de três dos seus quatro primeiros discos (sendo que um deles ainda não tinha sido lançado), além de algumas músicas que Elton John tinha lançado apenas em singles antes de lançar seu primeiro disco, e alguns covers. O disco não traz todas as músicas: apenas seis de treze. 

Este disco foi lançado no Brasil com o nome de Honky Tonk Woman e tinha uma capa diferente, avermelhada. Nos anos 1990 ele teve um relançamento com uma faixa bônus, e em 2017 uma edição especial em vinil foi lançada como parte do Record Store Day, e trazia todo o setlist da apresentação. Não há notícias de planos para lançar essa edição completa em CD ou streaming. Sixty Years On é minha faixa favorita. 

Se você quer entender porque Elton John foi ovacionado pelos críticos no início de sua carreira, comece por aqui. 

 

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O segundo disco se chama Here and There, e foi lançado em 1976, como forma de cumprir o contrato de Elton John com sua gravadora, que o obrigava a lançar mais um disco nesse ano. 

Esse disco dá uma mostra de Elton John no auge do sucesso, em dois shows realizados em 1974. O lado A, o Here do nome, é o registro de um show na Inglaterra, com a presença da realeza, e por isso mesmo um pouco mais contido. Já o lado B, o There, é o registro de um show nos Estados Unidos, e mostra uma banda incendiada em cima do palco. 

O show dos Estados Unidos contou com a participação especial de John Lennon. Entretanto, as gravações das três músicas que eles cantaram juntos não estavam no LP original. Foi só na década de 1990, quando o disco foi relançado em forma de CD e recebeu um tratamento especial, transformando-se em CD duplo, que elas viram a luz do dia. Nesta edição vitaminada, cada apresentação passou a ocupar um CD, aumentando o número de faixas de dez para 25. É ela que você encontra nas plataformas de streaming. 

Essas apresentações mostram o quanto Elton John era popular e parecia ter o toque de Midas, podendo se dar ao luxo de ter um solo de apito de chamar pato em Honky Cat que ninguém reclamava. As faixas recomendadas aqui são as três que tem a participação de John Lennon: Whatever Gets You Thru the Night, Lucy in the Sky with Diamonds e I Saw Her Standing There. 

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O terceiro deles é o Live in Australia with the Melbourn Symphony Orchestra. Como o nome deixa explícito, Elton John e banda dividiram o palco com uma orquestra, e gravaram em condições dramáticas, evidenciadas pela voz rouca que se ouve no registro. Elton John tinha nódulos nas cordas vocais e foi submetido a uma cirurgia pouco tempo depois do último show. Havia a suspeita de que fosse um câncer maligno e de que a cirurgia poderia acabar com a sua capacidade de cantar. Felizmente, como a história mostra, tudo correu bem. 

Numa turnê que durou cerca de um mês, os shows eram divididos em duas partes. Na primeira tocavam apenas Elton e a banda, e na segunda parte a orquestra entrava em cena. O repertório dessa segunda parte contava com algumas músicas do seu segundo disco, que tinha um grande trabalho de orquestração, e cujos arranjos foram retrabalhados para as apresentações. 

Nos anos 80, foi lançado também em VHS e até hoje não recebeu lançamento oficial em outra mídia. Em 2020, durante o período da pandemia de covid, ele foi exibido no canal do Elton John no YouTube, como parte da Classic Concert Series, que exibiu seis de seus shows ao longo de seis semanas. 

Foi esse VHS, a propósito, que me fez endoidar de vez com a música do Elton John e nunca mais largar. Não à toa, dos quatro discos esse é o meu favorito com larga vantagem. O cd já foi relançado remasterizado, mas nunca contou com o repertório completo. Have Mercy on the Criminal é um dos pontos altos da apresentação. 

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Por fim, temos One Night Only, gravado e lançado no final do ano 2000. 

Aqui temos um artista maduro, terminando de surfar sua última onda de popularidade e relevância no cenário musical. Não que Elton John tenha caído no ostracismo depois disso, mas já não tinha mais a relevância que conseguia ter até meados dos anos 90. 

O objetivo do show foi de gravar uma coletânea de sucessos ao vivo, e não há dúvidas que atingiram seu objetivo. Enquanto recebe alguns convidados aqui e ali, Elton John desfila hit em cima hit, com tempo ainda de incluir um single que não fez sucesso e um cover dos Beatles. O DVD que foi lançado tem o show completo, e o CD traz quinze músicas, fazendo justiça ao nome de "greatest hits". 

Um fato importante desta gravação é o retorno de Nigel Olsson à bateria, posto do qual estava afastado havia muitos anos. Essa apresentação também fez parte da Classic Concert Series, apresentada no YouTube. 

Dos quatro, talvez seja o disco que eu menos ouça. Um destaque do disco é Rocket Man, mas não dá pra deixar de citar a rara aparição de Don't Go Breaking My Heart, num dueto com a Kiki Dee, que participou da gravação original. 

Aí embaixo vai uma playlist com faixas dos quatro discos. Pouco mais de sessenta minutos pra você entender porque Elton John também é rock'n'roll. Ouça com o volume lá em cima.