A Ganha-Pão


No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF.  Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme A Ganha-Pão, de Nora Twomey.

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Sobre os Círculos no filme A Ganha-Pão

Como cheguei a comentar em aula, uma coisa que chamou bastante minha atenção no filme foi a presença de imagens circulares, especialmente durante as sequências de história-dentro-da-história.  Revi o filme para poder contar quantas vezes esse tipo de imagem aparece:  são quinze vezes na narrativa normal e vinte vezes na narrativa interna.  Inclusive, a primeira imagem do filme, já na abertura, é uma imagem circular, que se repete mais tarde no decorrer do filme.  Na parte narrativa normal, além disso, mais da metade das vezes essa circularidade está relacionada à alimentação:  ou é a panela, ou é o prato, ou é o poço.

Fiquei imaginando se haveria alguma relação dessas formas com a arte afegã, islâmica ou do oriente médio, ou se haveria alguma relação de sentido com o que elas representam dentro do filme.  E por isso fui pesquisar.

No artigo Geometria - A Linguagem da Simetria na Arte Islâmica, Richard Henry afirma que "na arte islâmica, o círculo representa o símbolo primordial de unidade e a fonte de toda a diversidade da criação".  E segue descrevendo e dando exemplos de como, a partir de círculos sobrepostos, designers islâmicos são capazes de criar padronagens geométricas complexas.

Já em um artigo no site Digital Arts, onde Neil Bennett escreve sobre uma entrevista que fez com a diretora Nora Twomey, ele me entrega a resposta que eu procurava:  "certos motifs aparecem nas sequências místicas, especialmente redemoinhos. (...) Eram uma metáfora visual para as fases da lua, ciclos de guerra e paz no país, e as emoções e experiências das personagens femininas."

Apesar dela citar os redemoinhos, não vejo razão para não estender essa significação metafórica também para os círculos. Até mesmo a primeira imagem do filme, que citei no início, lembra muito a imagem de um feto no útero, o que remete claramente às experiências das personagens femininas destacadas pela diretora.


Sobre Queen Sono

Este semestre na UFF fiz uma disciplina com a professora Maira Ezequiel sobre séries com protagonistas femininas. Logo eu que não vejo séries. Mas fui lá e encarei. Pra conclusão da disciplina, tivemos que escrever um texto sobre alguma das séries que vimos. Escrevi isso aí sobre a série Queen Sono.

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Não escondi a verdade desde a primeira aula: eu não assisto séries. Mas nunca expliquei o motivo. Não é que eu pense que séries sejam ruins (apesar de algumas serem), não é que as histórias sejam desinteressantes (apesar de algumas serem), é mais uma questão de foco mesmo. Veja, nosso tempo de vida é um recurso escasso e de fornecimento incerto. Daí, considerando tudo o que tenho interesse em conhecer e apreciar e estudar, acho que assistir séries, ainda mais as que tem dúzias de episódios, são um desperdício de vida.


Longe de mim dizer que as pessoas que assistem séries estão desperdiçando suas vidas e que deveriam fazer outra coisa. Essa é só uma escolha que fiz pra minha vida. Na minha cabeça, as vinte horas que tenho pra gastar assistindo The Handmaid's Tale podem ser muito mais bem aproveitadas lendo o livro A Canção no Tempo, do Zuza Homem de Melo, ou conhecendo a discografia da cabo verdiana Mayra Andrade, ou estudando piano, ou escrevendo um texto pra faculdade. (E, devo admitir, tenho também um ranço das histórias que ficam enrolando a resolução só pra te deixar preso com vontade de assistir o próximo episódio, e o próximo, e o próximo.)

Mas com Queen Sono foi diferente. Terminado o primeiro episódio, engatei no segundo, e então no terceiro. No dia seguinte, lá se foram os três últimos. Claramente, temos uma exceção à regra. Mas o que me fez, então, assistir os seis episódios de Queen Sono em dois dias?

Um primeiro ponto foi o tipo de história sendo contada. Achei que funcionou muito bem a mistura de James Bond com Missão Impossível, seja nas cenas de ação, seja na temática de intriga internacional e luta contra a dominação e manipulação estrangeira.

Outra coisa que me agradou bastante foram os personagens. Chamou minha atenção eles não apresentarem comportamentos comuns de se ver em filmes e séries. Não há vilões estereotipados, que gostam de discursar seus planos maléficos só pra que o roteiro tenha tempo de salvar os mocinhos. Não há personagens que tomam decisões burras só pra que o roteiro tenha oportunidade de desfilar novas mirabolâncias e enrolar a história pra que ela dure mais do que o necessário.

Ainda sobre os personagens, achei muito interessante ver que as personagens mulheres não são tratadas de forma diferente, seja pelos personagens homens seja pelo roteiro. Elas estão lá como pessoas e assim são tratadas. Seus diálogos, suas ações, suas interações, não são retratadas como é comum ver em outros filmes.

É muito comum ver em roteiros (e na vida real), mulheres sendo ignoradas, vistas como menos importantes e sem relevância nas decisões e ações, mas não em Queen Sono. Na série, as personagens tem ação, tem causa, tem agência, tem motivação próprias. Quando agem e falam, suas ações tem peso e são levadas em consideração, ao invés de serem diminuídas ou simplesmente desconsideradas. Não há homens que ignoram as mulheres simplesmente porque são mulheres.

E o que é interessante, tudo isso é feito de uma forma bem natural. Muitas vezes, percebo que muitas obras artísticas que tentam reproduzir isso o fazem de uma maneira bem forçada. Há em muitas obras um ar de proselitismo, uma tentativa de didatismo que chega a ser piegas e que pode acabar afastando um público que se desejava conquistar.

Queen Sono não tem diálogos expositivos que servem apenas para que os roteiristas possam discursar suas opiniões e intenções. Suas personagens falam o que tem que falar, e fica a cargo da pessoa espectadora perceber que o que se tem ali são pessoas comuns com motivações próprias. Se isso lhes causar algum estranhamento, fica a cargo delas entender que não são as personagens que estão agindo fora da expectativa, mas suas expectativas que estão fora das personagens.

E se falo das relações entre os personagens, não posso deixar de citar as tensões raciais que permeiam a história. O apartheid é uma lembrança vívida que tenho da infância, por ter sido um tema comum nos jornais da época (os anos finais do apartheid coincidem com o início da minha adolescência). Mas apesar de vívida, é apenas uma lembrança descontextualizada e sem noção do peso que carrega. Ver que a segregação e a discriminação são temas tão presentes na série serve para me lembrar que o apartheid pode ter sido abolido legalmente na África do Sul, mas o racismo continua firme e forte. A sequência que mais me chamou a atenção em relação a esse ponto é em que Queen Sono vai até a casa do assassino de sua mãe após a morte dele.


Mais um ponto que me agradou foi a série mostrar aspectos de países africanos que fogem das batidas temáticas de fome-e-pobreza e de natureza-selvagem, e que apontam sempre para o exotismo. O que se vê em tela são cidades e locações diferentes do lugar comum, fugindo de estereótipos tão bem consolidados. Cidades modernas, alta tecnologia, tudo bem distante do que se costuma ver em produções comerciais.

Com um porém importante: não é que a série seja higienizada. Há a pobreza, há a sujeita, há os guetos, mas a série não se resume a isso nem se escora nisso para alcançar a simpatia do espectador, vendendo uma imagem simplista.

Por fim, e talvez o mais importante, o que me prendeu aos episódios foi a beleza estética da série. Os trabalhos de arte e fotografia chamaram muito minha atenção desde o início. Independente da história sendo contada, o que estava sendo apresentado na tela era de encher os olhos. Cinematográfica e esteticamente falando, a série é belíssima. A estética dos países africanos está presente em toda a série, e sua beleza e diversidade chamam a atenção em diversos momentos. A trilha sonora também me agradou muito.

Acredito que, mais que tudo, foi essa beleza constante que meu prendeu à série do início ao fim. Queen Sono tenha sido, talvez, como o pôr do sol quando eu saía das barcas no centro de Niterói e ia caminhando para o campus da UFF no Gragoatá. Era impossível não parar pra admirar, e só continuar a caminhada depois que terminasse, mesmo que chegasse um pouco atrasado na aula.

Afinal, apreciar beleza não é desperdício de vida.

Como Restaurar um Programa de 16 bits

Só pelo título, dá pra desconfiar que os próximos parágrafos serão bem técnicos, não?  Se jargão de tecnologia não é sua praia, talvez você prefira ler um pouco de ficção.

A história é a seguinte:  como já contei, estou realizando um trabalho na UFF de arqueologia digital, extraindo o conteúdo de um cd-rom criado nos anos 90 para transformá-lo em um site, porque ele não roda mais nos sistemas atuais.  Por ser um programa de 16 bits, ele só roda até o Windows XP, porque a partir do Windows Vista esse suporte começou a ser removido.  A versão 64 bits do Windows 10 já não tem mais esse suporte, nem como opcional.  Então, pra realizar essa extração, precisei usar vários programas que me permitiram acessar o conteúdo desse cd.  Daí que achei que valia a pena compartilhar esse conhecimento, pois tenho certeza de que não sou o único que passa por esse problema.

A extração dividiu-se em quatro partes:  a emulação de um Windows 98 (pra poder rodar o programa), a extração dos textos, a extração das imagens e a extração dos vídeos e músicas.  Vou detalhar cada uma delas a seguir.  Ao longo do texto, há vários links pros programas, e lá no final tem uma lista de todos eles.


Parte 1. Emulando o Windows 98

Pra conseguir rodar o programa, tive que criar uma máquina virtual e instalar nela um Windows 98.  Quem me ajudou nessa tarefa foi o jDosBox.  E já fica a dica:  pra usar esse cara é preciso saber usar comandos do DOS.  Como já tem alguns anos que fiz isso, não lembro de todos os detalhes, mas lembro o suficiente pra indicar o caminho a seguir.  A primeira coisa que fiz foi configurar uma imagem de HD que eu iniciava com o jDosBox, com uma configuração que me permitia ter uma pasta do meu HD real compartilhada como uma unidade dessa máquina virtual.  Nessa pasta eu coloquei o instalador do Windows 98 e então por dentro da máquina virtual fui copiando os arquivos dessa pasta pra minha imagem. 

Aqui destaco um detalhe importante, algo que demorei para entender como funcionava, e que pode economizar muito tempo no processo.  É muito mais rápido copiar os arquivos em pequenos grupos, ao invés de copiar muitos de uma vez só.  Não se atreva a fazer um copy *.*.  É que a cada arquivo copiado, o tempo de cópia vai ficando maior, não importa o tamanho do arquivo.  Os números não são estes, mas o exemplo serve:  o primeiro arquivo leva um segundo, o quinto arquivo já leva três, o décimo arquivo já leva quinze segundos.  Nesse esquema, copiar cem arquivos é impossível.  Então é mais fácil ir copiando no máximo de dez em dez arquivos.

Tendo feito a cópia do instalador pra minha imagem, ajustei os parâmetros da máquina virtual pra deixar de ter a minha pasta compartilhada com ela e pra que ela desse boot a partir desse instalador.  Com isso, consegui instalar o Windows 98 na máquina virtual.  Em seguida, voltei as configurações para ter a pasta compartilhada e então fiz a cópia do conteúdo do cd-rom pra máquina virtual.  Assim pude, finalmente, executar o programa em um Windows 98, sem problemas de compatibilidade.

Uma outra dica pra economizar tempo:  nessa de ter que configurar a máquina virtual de duas maneiras diferentes, ao invés de ficar modificando o arquivo de configuração quando fosse necessário, eu tinha duas cópias dele, cada uma com uma configuração específica.  Daí ia renomeando os arquivos conforme a necessidade.


Parte 2. Extração dos textos

Emular o programa a partir do jDosBox traz um contratempo importante:  não é possível dar um ctrl c no Windows emulado e depois colar no Windows 10.  Se fosse assim, seria fácil extrair os textos do programa.  Quer dizer, seria fácil, se eu pudesse selecionar os textos no programa para dar um ctrl c, o que ele não permitia.

Na impossibilidade de usar ctrl c ctrl v, o primeiro caminho que pensei foi em tirar prints das telas do programa, a partir do próprio Windows 10, recortar os textos e usar algum programa de OCR neles.  Mas consegui seguir por outro caminho, bem menos trabalhoso.

Pra isso, usei o Visual Studio Code, e com ele abri os arquivos executáveis como se fossem arquivos de texto.  Sim, tem um monte de lixo ali misturado, por conta da codificação do executável, mas dei a sorte de que os textos do programa estavam todos fáceis de encontrar, sem qualquer codificação.  Foi só questão de procurar por eles, selecionar e copiar.

Claro, a cópia não estava 100% limpa.  Em alguns casos, o texto vinha com alguns caracteres de controle no meio, então eu tive que fazer uma série de substituições para limpá-los.  Além disso, como o programa é trilíngue, ele tem três executáveis, um pra cada idioma.  Na hora de revisar os textos em francês, tive que ter uma atenção especial com o caractere œ (as letras "ó" e "é" unidas em uma só, como em Cœur de Pirate), que o Visual Studio Code não interpretou corretamente e omitiu.  A mesma coisa aconteceu com os textos em inglês, onde ele omitiu alguns apóstrofos.


Parte 3. Extração das Imagens

Pra extração das imagens e fotos usei duas técnicas diferentes.  A primeira delas foi extrair as imagens que foram empacotadas diretamente nos executáveis.  Minha primeira tentativa nesse sentido foi tentar abrir o executável usando o 7Zip.  Alguns executáveis modernos podem ser abertos assim, mas não foi o caso.  O 7Zip não reconheceu a estrutura dos executáveis do meu cd.

Parti então para buscar programas que fossem capazes de fazer esse trabalho.  Encontrei vários, mas apenas o MultiExtractor foi capaz de interpretar os executáveis e listar as imagens disponíveis para extração.  E aqui tive dois revezes.

O primeiro deles é que o MultiExtractor era uma versão gratuita que permite apenas a extração de cinco imagens.  De nada adiantava desinstalar e instalar novamente, porque ele mantinha em algum canto da máquina o registro de que eu já tinha extraído as cinco imagens a que tinha direito.  Pra enganá-lo, apelei para mais um subterfúgio:  a Sandbox do Windows 10.

Eu executava a Sandbox, copiava pra ela o executável do cd-rom, instalava nela a versão gratuita do MultiExtractor, extraía cinco imagens, fechava a Sandbox e abria uma nova.  Como uma nova Sandbox é uma máquina virtual que não tem informações de execuções anteriores, eu podia instalar o MultiExtractor de novo e extrair mais cinco imagens.  Repeti o processo algumas dezenas de vezes.

Depois de extrair todos os arquivos, parti pra convertê-los pra png, porque o formato original era wmf.  Procurei por vários programas pra fazer a conversão em lote, mas os poucos que reconheciam o formato wmf não faziam a conversão correta, e mudavam as dimensões do arquivo, deixando-o esticado.  Terminei tendo que fazer um a um, na mão, usando o Paint.  Eu abria o arquivo wmf no Paint e usava o comando Salvar Como para salvar no formato .png.

Mas tinha o segundo revés:  o MultiExtractor não encontrou todas as imagens disponíveis no programa, então eu tive que partir de novo pra força bruta:  tirar prints.  Com o programa do cd-rom rodando no jDosBox, eu abria uma tela com uma imagem a ser extraída, tirava um print, colava no Paint, fazia os recortes necessários e salvava.


Parte 4. Extração dos vídeos e músicas

Essa foi a parte menos trabalhosa.  Como os arquivos de áudio e vídeo não foram empacotados nos executáveis, eles estavam disponíveis para acesso na estrutura de pastas do cd-rom.  Foi só uma questão de copiá-los.

No caso dos arquivos de vídeo, tive que reconverter todos eles, porque os arquivos originais estavam usando um codec que o Windows não reconhecia mais.  Pra isso, usei a versão gratuita do Any Video Converter.  Foi um trabalho bem fácil, porque a conversão foi em lote, e converti todos os quase 400 arquivos num clique só.



Rebarba Final.  Links pra quem quer links

Ao longo do texto estão espalhados os links pros programas que eu cito.  Pra facilitar a busca, reúno todos aqui no final:

jDosBox, pra criar uma máquina virtual onde instalei o Windows 98 e o programa Limite.

Visual Studio Code, pra abrir os arquivos executáveis como texto.

MultiExtractor, pra extrair imagens empacotadas nos executáveis.

Sandbox do Windows, pra criar uma máquina virtual com Windows 10 zerada.

Any Video Converter, pra converter arquivos de vídeo pra tecnologias mais novas.

Da Cinemateca Brasileira

 

Em março, durante as aulas de Preservação Audiovisual na UFF, com o professor Fabián Núñez, recebemos a visita de Ines Aisengart, pesquisadora do tema.  Ela trabalhou na Cinemateca Brasileira até 2020, quando o governo demitiu todo mundo e meio que lacrou o órgão, deixando os arquivos à própria sorte. 

O material armazenado nos arquivos da Cinemateca precisa de observação constante, para acompanhamento do seu estado e de um controle rigoroso de temperatura e umidade.  Não apenas o material é inflamável, como parte dele, os filmes antigos feitos de nitrato, pode entrar em combustão espontânea se as condições permitirem.  De acordo com Ines, não havia ninguém trabalhando nisso, e ninguém tinha muita noção do que estava acontecendo lá dentro.

O incêndio esta semana não foi surpresa.  Não era uma questão de "se", era uma questão de "quando".


Dos Links no Zap

A não ser que faça parte de uma conversa, qualquer link que chega pra você pelo zap é roubada, é enganação, é trambique. Sempre, sempre, sempre.

SEMPRE


Uma coisa é "amiga, li esse artigo aqui sobre o tema tal, e acho que você vai gostar de ler isso aqui, porque tem tudo a ver com aquilo que a gente tava conversando esses dias: www blá blá blá."

Outra coisa é um link avulso, sem qualquer comentário pessoal, dizendo que "as Lojas Americanas estão fazendo uma promoção e dando máscara de graça, é só clicar pra responder a pesquisa. www blá blá blá"

Faça um favor pra você e pra todos:

NÃO
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Sobre uma Bandeira no Piano

Quando rolou a copa do mundo de futebol em 2002, o dono da loja onde eu trabalhava resolveu enfeitar a loja de verde e amarelo.  Ele comprou umas bandeiras brasileiras tão bem feitas e tão bonitas que eu pedi para ele comprar mais uma pra mim. Essa bandeira já me acompanhou em vários shows e em casa sempre cobriu o meu teclado.  Hoje cobre o piano. 

Daí que depois de umas arrumações aqui em casa, o piano passou a ficar atrás de mim, enquanto estou no computador, ficando visível pras pessoas quando estou em reuniões online. 

Resultado:  pessoas desconfiadas da minha boa educação, achando que eu seja apoiador do presidente. Os amigos de longa data interrompiam as conversas pra perguntar.  Já escolado, nas novas turmas que começaram recentemente eu já cheguei avisando, o que em todas as vezes causou um alvoroço, com a galera aliviada, admitindo que estavam desconfiadas. 

Taí o poder dos símbolos.

Da Causa LGBT

Assim como não preciso ser árvore pra ser contra o desmatamento, assim como não preciso ser criança pra ser contra a pedofilia, assim como não preciso ser negro pra ser contra o racismo, não preciso ser gay pra ser contra a homofobia.

Mas mesmo sem esse raciocínio, tenho motivos para que a luta contra a homofobia também seja minha:  as muitas pessoas artistas e profissionais que admiro e que são gays.  Lulu Santos, Miguel Falabella, Liniker, Marco Nanini, Brandi Carlile, Beatrice Martin, Elton John. A lista é grande.  E impulsionado por essa admiração, acredito que todas essas pessoas tem o direito de serem respeitadas.  Negar seu direito e sua liberdade de serem quem são seria incoerente com a admiração que tenho por elas.  Portanto, essa luta também é minha, porque se fere a existência delas, serei resistência.

Mas mesmo sem esse raciocínio, tenho motivos para que a luta contra a homofobia também seja minha:  as muitas pessoas amigas que são gays.  No meu círculo de amizades, há uma outra grande lista de pessoas que amo que são gays.  Negar seu direito e sua liberdade de serem quem são seria incoerente com o amor que tenho por elas.  Que eu viva em uma sociedade que me permite casar legalmente e demonstrar carinho pela minha esposa em público, que nosso amor seja reconhecido e respeitado ao invés de demonizado, que eu e minha esposa tenhamos diversos resguardos legais... mas na qual meus amigos não tenham, pra mim é inaceitável.  Portanto, essa luta também é minha, porque se fere a existência daqueles quem eu amo, serei resistência.

Mas mesmo sem esse raciocínio, tenho motivos pra que a luta contra a homofobia também seja minha:  porque sofro com ela.  Meus gostos musicais, minha postura, minhas opiniões, as palavras que escolho usar, as coisas que escolho estudar, tudo já foi ou é motivo para que eu sofra búlin, sendo chamado de gay.  Isso em vários ambientes sociais (uma exceção, devo destacar, é a minha turma na UFF, esse é um dos motivos para amá-los tanto).  Incontáveis foram as vezes que ouvi besteira vindo de pessoas, inclusive muito próximas, questionando minha masculinidade.  Claro, muitas dessas besteiras foram ditas com o carinho de quem quer o meu bem, sem terem a mínima sensibilidade do quanto feriam.  Portanto, esta luta também é minha, porque se fere minha existência, serei resistência.

Projeto Limite

Ainda no primeiro ano do meu curso de cinema na UFF, durante as aulas do professor Tunico Amâncio tive contato com um cd-rom chamado Estudos Sobre Limite.

Limite é um filme que foi escrito e dirigido por um xará meu, o Mário Peixoto, no início da década de 1930.  Experimental, "filme-cabeça", foi um fiasco comercial e então esquecido.  Anos mais tarde, foi redescoberto, tornou-se cult e hoje é considerado pelos críticos um dos filmes mais importantes da cinematografia brasileira.

Já na década de 1990, o departamento de cinema da UFF, através do seu Laboratório de Investigação Audiovisual, realizou um projeto de análise do filme, que culminou na produção do cd-rom. O projeto foi capitaneado pelo professor Tunico e contou com o apoio do Arquivo Mário Peixoto.  O cd traz textos críticos, fotos, biografias das pessoas envolvidas, e uma minuciosa análise plano a plano do filme inteiro. Como cereja do bolo, é trilíngue:  pode ser navegado em português, inglês e francês.

Infelizmente, por conta da obsolescência tecnológica, o programa que está no cd-rom não roda nos sistemas mais modernos.  Aquele meu primeiro contato com o projeto, que comentei lá no início, foi numa tentativa de ajudar o professor Tunico a resgatar o conteúdo do cd e apresentá-lo a nossa turma.  Foi aí que descobri que ele só pode ser executado em computadores que estejam no máximo com o Windows XP.  Consegui fazê-lo rodar em máquinas mais novas apenas através de uma gambiarra das boas, usando um emulador e instalando um Windows 95 nele.

Até que agora em 2021 vou poder levar a ajuda um passo adiante.  Com o apoio do professor Fabián Núñes, consegui uma bolsa em um projeto de extensão, e vamos realizar um trabalho de arqueologia digital, recuperando todo o conteúdo do cd para transformá-lo em um site que vai reproduzir a estrutura do cd.  Dessa forma, vamos disponibilizar de forma ampla e irrestrita um conteúdo que até agora estava perdido e esquecido.

O site já existe, mas por enquanto só conta um pouco da história do projeto original.  A previsão de lançamento é novembro de 2021.

Julinho da Adelaide

Dos anos 1960 até o começo dos anos 1980, os censores do governo militar perseguiam os artistas e barravam letras a torto e a direito. Praticamente toda a geração que fundou a empebê enfrentou problemas com isso. Pra driblar a censura, os músicos faziam malabarismos com as letras, mas nem sempre funcionava. 

Numa tentativa de se esconder da perseguição ao seu nome, Chico Buarque criou então duas personas, os irmãos Leonel Paiva e Julinho da Adelaide. Juntos, os irmãos compuseram Acorda, Amor, lançada no disco Sinal Fechado, de 1974. Julinho teve uma carreira mais prolífica, compondo outras duas músicas: Milagre Brasileiro e Jorge Maravilha (dos famosos versos "você não gosta de mim, mas sua filha gosta"). 

Mas não apenas isso. A persona de Julinho da Adelaide cresceu e ganhou publicidade. Em show, Chico Buarque chegou a contar um pouco da história do compositor, e entrou pros anais da empebê a entrevista que Julinho deu pro jornalista Mário Prata. Algum tempo depois, os censores perceberam que tinham sido enganados e passaram a exigir a documentação dos artistas junto das obras que eram entregues para análise. Morria ali o Julinho. 

Duas décadas depois, Julinho voltou à vida discretamente. Em 1997, os grupos MPB4 e Quarteto em Cy lançaram mais um disco conjunto, Bate-Boca, cujo repertório trazia composições de Chico Buarque e Tom Jobim. Chico canta em três faixas, mas em Biscate é creditado como Julinho da Adelaide.

Conte uma Piada

Conte uma piada que só quem é da sua profissão vai entender.

A minha é essa:

Existem 10 tipos de pessoas. As que entendem números binários e as que não entendem.

Sobre Dar Trabalho e Incomodar

Verdade da vida #167

Quando uma pessoa que não-quer-dar-trabalho e que não-quer-incomodar tenta não dar trabalho nem incomodar, normalmente dá ainda mais trabalho e causa ainda mais incômodo.

Elton John Jewel Box

Em novembro de 2020, foi lançada uma caixa de cds do Elton John chamada Jewel Box, com oito discos e um livro com dezenas de páginas com fotos e comentários sobre as músicas.  Esses oito discos se dividem em três temas:  músicas de carreira selecionadas pelo próprio Elton John, numa espécie de "The Best of..." feito de músicas que não fizeram sucesso, músicas que foram lançadas como lado B dos singles lançados desde os anos 80, e versões demo gravadas pelo Elton John no início de sua carreira, algumas que acabaram entrando nos discos após serem produzidas e outras que foram abandonadas.

Este último grupo de músicas é um tesouro pros fãs, e mostram tanto a evolução da parceria Elton John e Bernie Taupin ao longo de seus primeiros anos quanto a evolução do próprio Elton John como cantor, como compositor e como pianista.  Ao longo dos anos, várias dessas versões demo foram descobertas e lançadas em coletâneas não autorizadas, fazendo a alegria dos colecionadores.  Esta é a primeira vez que elas são lançadas oficialmente e, como já comentei, muitas delas eram completamente desconhecidas.

Daí que numa comunidade online de fãs do Elton John, que junta gente de todo o mundo, o inglês Nathan se empolgou com as versões demo, que na maior parte das faixas é só voz e piano, e resolveu remixá-las, adicionando outros instrumentos para aproximá-las de músicas completas.  Ele começou a pegar as músicas, adicionar bateria, guitarra, cordas, e então disponibilizava em seu canal no YouTube.

Vendo que podia contribuir com a produção dos vídeos, entrei em contato com ele e me ofereci pra ajudar. Ele gostou da ideia, eu peguei um trecho do vídeo oficial do box, adicionei umas informações extras, e voilà!, surge uma playlist no YouTube com os fanedits que ele criou até agora.  O processo de trabalho tá assim:  ele faz uma primeira versão da música e me manda, volta e meia eu dou um pitaco aqui ou ali, ele faz os ajustes finais e eu produzo o vídeo final.  A intenção é ir incrementando a playlist de acordo com que ele for preparando novas faixas.

Ele está colocando no canal dele e eu no meu.  É tudo igual?  Não.  Algumas músicas ele fez mais de uma versão, então nós escolhemos a que mais gostamos para botar em nossos canais.  Por isso, fica a dica pra conferir o fanedit de When I Was Tealby Abbey na minha playlist, que tem uma metaleira cantando que foi sugestão minha.

A playlist do meu canal está aqui e a playlist do canal dele está neste link aqui.
E neste link aqui estão os áudios pra quem quiser baixar.
 
Ao longo das próximas semanas, vamos publicar várias outras músicas.

Um Desafio

O glorioso momento em que você descobre que a lixeirinha do banheiro é daquelas de pisar pra abrir, e que ela está do lado do vaso, mais pra trás.

Proibido Jogar Lixo

Moro numa vila onde moram muitas famílias.  Na entrada da vila sempre havia uma lixeira da prefeitura, onde colocávamos nosso lixo.  Aí o novo prefeito entrou, resolveu reorganizar a coleta de lixo e tirou a lixeira.  Toda a vila começou a colocar o lixo no lugar onde ficava a lixeira e reclamações foram encaminhadas ao órgão responsável.  Alguns botam o lixo em sacos fechados, mais ou menos organizadamente, outros colocam de qualquer maneira.  O resultado foi lixo espalhado pela rua, por conta dos cachorros.


Aí alguém foi lá e botou uma plaquinha de "Proibido Jogar Lixo".

Aí outro alguém foi lá e respondeu.




O Primeiro de Abril da Record

Ao longo dos anos 1960, a televisão atraía cada vez mais audiência no Brasil, com Tupi, Excelsior e Record disputando a atenção dos telespectadores.  Nessa disputa, os programas musicais estavam entre os que mais atraíam a audiência.  Entre festivais de empebê aqui, um O Fino da Bossa ali e um Jovem Guarda acolá, atrações internacionais tinham um grande apelo.  Ray Charles, por exemplo, desembarcou na Excelsior em setembro de 1963.

Eis que durante o mês de março de 1963, a Record começa a anunciar em São Paulo que receberia em seus estúdios um grande cantor internacional que há anos era esperado no Brasil.  A especulação correu solta, e próximo da data marcada três nomes eram os mais cotados:  o ítalo-francês Yves Montand e os estadunidenses Dean Martin e Frank Sinatra.  Os três eram grandes nomes do cinema e da música.

De acordo com o jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, no dia marcado pra apresentação a rede começou a veicular chamadas pro programa mostrando uma silhueta que lembrava muito Frank Sinatra. Jornalistas ficaram em polvorosa querendo conseguir mais informações.  Amigos brasileiros do Frank Sinatra foram procurados pra tentar desvendar o mistério.  O mesmo Última Hora noticiou que o cantor teria sido visto de relance na sacada da casa de Paulo Machado de Carvalho, o diretor da Record.  Algumas horas antes da apresentação, um carro saiu em fuga da casa do diretor em direção aos estúdios da emissora.  O jornal Correio da Manhã fala dessa fuga, e Zuza Homem de Melo conta em A Era dos Festivais os bastidores do corre-corre:  ele era o motorista.

Conforme conta o Correio Paulistano do dia seguinte, a transmissão começou às dez e meia da noite do dia 31 de março, mas nada do cantor aparecer.  A emissora ficou enrolando por uma hora e meia, quando finalmente o show começou.  De acordo com a revista Manchete, quando o vídeo mostrou a silhueta de um homem vestindo um chapéu tirolês, capa, trazendo numa das mãos um cigarro acesso e na outra, um copo de uísque, o auditório lotado foi sacudido por uma onda de entusiasmo:  era Frank Sinatra.  Entretanto, quando as luzes se acenderam veio o choque:  a figura esguia e elegante era Duke Hazlett, sósia de Frank Sinatra.  Já passava de meia noite, já era o dia primeiro de abril.
 

Frank e Duke. Você sabe dizer quem é quem?

 
Ao que parece, as brincadeiras de primeiro de abril eram algo comum.  O jornal Correio da Manhã, ao contar a história do Frank Sinatra falso da Record, relembra que em ano anterior houve uma transmissão falsa de um jogo do São Paulo na Itália.  De qualquer maneira, a brincadeira não foi muito bem recebida.  O que não faltou foi nota nos jornais destacando a insatisfação dos paulistas com a brincadeira.

Frank Sinatra só foi pisar em terras tupiniquins em 1980, pra apresentações no Rio de Janeiro, incluindo uma noite histórica no Maracanã pra mais de 170 mil pessoas.  Hoje, aliás, essa apresentação faz 41 anos.

Sobre Mangas e Hipóteses

Imagine que você fale que vai chupar uma manga e uma pessoa comece a rir de você, questionando sua sanidade mental. 

Como assim chupar uma manga?! Vai ficar lambendo a camisa, vai? Prefere algodão ou cetim? ha ha ha ha

Se fosse um estrangeiro que não tenha um vocabulário muito bom de português, vá lá, dá pra entender a confusão. Você ensina que manga tem dois significados e tudo bem. Mas e se fosse um brasileiro? Com boa vontade, dá pra entender a confusão ou a vontade de fazer piada de tiozão do pavê. Mas a partir do momento em que você explica que quando fala de manga você está falando da fruta, não tem mais sentido a pessoa ficar rindo de você. 

Continuar falando que você é uma pessoa doida, que quer comer pano, e se negar a aceitar o sentido que você está usando, é, no mínimo, demonstração de má vontade e também de uma boa dose de mau-caratismo. 

Concordamos com isso? Beleza. 

Se a gente fosse ficar puxando exemplos de outros palavras, podíamos ficar aqui até amanhã de manhã. Pinto, verão, caixa, bala. A carteira, sentada na carteira com a carteira no bolso. 

Mas o objetivo aqui é chegamos a um acordo de que é mau caratismo a pessoa forçar o uso de um significado quando é outro que está sendo empregado. 

Se chegamos a um acordo, vamos falar de outra palavra, então. 

Teoria. 

Teoria é uma palavra que tem dois sentidos bem distintos. 

O primeiro deles é sinônimo de hipótese. Acontece um acidente, um avião cai, mas ninguém sabe o motivo. Surgem diversas hipóteses: falta de combustível, falha no motor, o piloto passou mal. Várias hipóteses, várias teorias. 

Mas há o segundo sentido pra palavra teoria, que é o sentido de corpo de conhecimento sobre um determinado assunto. Um exemplo fácil é quando falamos em teoria musical. Quando falamos em teoria musical, não estamos falando que música é uma hipótese, que pode ou não ser verdade, que pode ou não ser comprovada, mas sim de todo o conhecimento que temos sobre música. Escalas, notas, intervalos, partitura, contagem de tempo, formação de acordes. 

Lembro muito da época da escola, quando nas aulas de educação física a gente ficou em sala de aula durante uma hora e meia estudando as regras do vôlei. No final a turma já estava indócil, perguntando ao professor quando é que a gente ia sair da teoria e ir pra prática. Ou seja, quando que a gente iria parar de estudar os conceitos e regras do vôlei e iríamos pra quadra efetivamente jogar o jogo. 

Tudo certo até aqui? Ok. Pois bem, tudo isso até aqui foi uma enorme introdução pra falarmos de teoria da evolução. 

Muita gente desdenha e desfaz da evolução das espécies por conta de se falar em teoria da evolução, alegando que "ah, é só uma teoria, não vou acreditar nisso", como se teoria, aqui, tivesse o sentido de hipótese. 

Mas não. 

Quando se fala em teoria da evolução, a acepção da palavra aqui é a de corpo de conhecimento. Ou seja, não é "hipótese da evolução", mas sim "tudo e que já sabemos, o corpo de conhecimento que temos sobre a evolução". 

Portanto, se você concordou comigo lá em cima que é mau caratismo insistir num sentido de uma palavra depois de saber que o que está sendo usado é outro sentido, e se você é daqueles que fala que evolução "é só uma teoria", já sabe que precisa mudar seus argumentos.

Canção da Inspiração que Não Vem

Em 27 de março de 1965 estreava na TV Excelsior o I Festival da Música Popular Brasileira, iniciando a febre dos festivais que deram origem à empebê e que duraram até o início dos anos 80. Alguns dias depois, na revista Uh, do jornal Última Hora, Stanislaw Ponte Preta usou sua coluna para criticar a atração. Curioso ver que um de seus destaques negativos acabou levando o primeiro lugar no festival: Elis Regina com Arrastão.

Taí o texto da coluna, que foi publicada com o título Canção da Inspiração que Não Vem.

Como eu quase entrei nessa fria de pertencer ao júri que está selecionando as canções para o "I Festival da Música Popular Brasileira", andei me interessando pelo concurso que se iniciou em Guarujá, prosseguiu em São Paulo, continuou no Quitandinha e terminará no Teatro Excelsior (ex-Cine Astória), casa que Tia Zulmira apelidou de Universidade da Sandice.

Guerreiros, eu vi... Fiquei sentado numa poltrona cômoda, tomando refresco de maracujá para não ter um troço e fui ouvindo as músicas selecionadas para concorrer a um prêmio de 10 milhões de cabrais - o maior prêmio que se conferiu até hoje a uma canção, neste País - num concurso pomposo e cheio de lantejoulas.

Dizem que os nossos melhores compositores populares se inscreveram (anonimamente, como manda o regulamento) para apanhar essa erva e se isso é verdade, o caso é mais lamentável ainda. Faz muito tempo que eu não vejo tanta musiquinha ruim desfilando no vídeo lá de casa. E não se diga que estavam sendo mal interpretadas. De jeito nenhum. Embora a orquestra sob a direção de Sílvio Mazzuca chateie um pouco a gente pela pomposidade vã das orquestrações, os cantores eram o fino dos intérpretes nacionais. Tirante Dona Elis Regina, que imita o Lennie Dale e fica só berrando e mexendo com os braços, os outros cantores fizeram misérias para safar a onça com aquelas canções que lhes deram para cantar. Alaíde Costa, por exemplo, cantou maravilhosamente uma dessas canções de "avant garde" da bobagem, cuja letra não quer dizer nada e a melodia é uma introdução longa. Dessas que quando a gente pensa que vai entrar na melodia, a coisa acabou. Aliás, 99% das canções do concurso são assim. Mas - eu dizia - Alaíde cantou maravilhosamente. Elisete também, Marisa idem e vários outros (Altemar Dutra, Hugo Santana, Márcia, etc.) fizeram força para classificar os números sob sua interpretação, mas era muito difícil, para a maioria. O júri, coitadinho, cumpriu o seu dever e escolheu as menos ruins, mas tenho certeza de que todos os jurados que entraram nessa fria devem estar achando chatíssimo ter que aguentar a xaropada até o fim. O cantor Hugo Santana chegou a encher as bochechas e exclamar "Uf" quando acabou de cantar o que (salvo engano) é uma das menos inspiradas composições de um dos nossos melhores compositores populares: Joubert de Carvalho.

Enfim, o I Festival da Música Popular Brasileira parece ter sofrido influência do Festival da Besteira que assola o País.

P.S. - Dorival Caimi ouviu comigo e também achou o fim.

Brandi Carlile, A Rooster Says

No Record Store Day de 2020, Brandi Carlile lançou o compacto A Rooster Says, que traz as faixas Black Hole Sun e Searching with My Good Eye Closed, duas músicas do Soundgarden.  Contando com a participação de Kim Thayil, Matt Cameron e Ben Shepherd, também do Soundgarden, ela nunca soou tão pesada.

Eis que no primeiro dia 2021 o disco chega às plataformas digitais.  Imperdível.