Do Voluntariado na Rio 2016

Quando anunciaram que as Olimpíadas de 2016 seriam no Rio de Janeiro eu tive certeza de que iria vivê-las da forma mais intensa que pudesse. Afinal de contas, um evento desse tamanho no quintal de casa não é todo dia que acontece. No começo, minha intenção era ver o máximo de jogos possível. Mas quando descobri que havia o programa de voluntariado, descobri meu verdadeiro destino.

Em 2015 as coisas começaram a tomar forma e o cheiro dos jogos começou a pairar no ar. Em março fiz a minha inscrição no programa de voluntários. E como eu não sabia se seria escolhido, fiz o primeiro pedido de ingressos. Em junho saiu o resultado: eu tinha conseguido comprar ingressos para oito eventos diferentes.

As bandeiras na Vila Olímpica
Em agosto veio o primeiro convite para uma entrevista presencial, que aconteceu no mês seguinte. Foi uma entrevista feita junto com outros candidatos, com diversas dinâmicas de grupo, que me pareceu mais uma peneira para que eles pudessem conhecer quem eram as pessoas interessadas e descartar os despreparados logo de cara. Aqui a organização mostrou sua face desorganizada e fui convidado para esta entrevista uma segunda vez: tinham perdido meus dados acerca da primeira.

Em outubro fui pré-alocado na área de relação com comitês olímpicos (NOC Assitants) e fui convidado para uma nova entrevista, desta vez online, que aconteceu em novembro. No final do mês, a confirmação e a alegria: eu tinha sido aprovado como voluntário. A carta-convite, oficializando a aprovação, chegou em dezembro. No trabalho, agendei as férias para coincidirem com o período dos jogos.

Já em março de 2016 começaram os treinamentos online. Estes treinamentos continham informações gerais sobre os jogos, sobre a organização deles no Rio de Janeiro e sobre o trabalho do voluntário. Em abril agendei dois treinamentos presenciais específicos para minha área de atuação.

Foi aí que veio o susto: inscrição cancelada.

Como os treinamentos já estavam marcados, fui para mostrar o quanto eu estava interessado e também para tentar obter informações de como reverter a situação. Nos treinamentos, descobri o motivo do desligamento: por conta dos ingressos que havia comprado, informei ter um período menor de disponibilidade para o trabalho. Para o pessoal do NOC Assistants, este período era insuficiente. Depois de muita conversa, me falaram que eu podia informar um período maior, que incluía os dias para os quais tinha ingressos, e que tudo poderia ser resolvido. Nestes treinamentos comecei a conhecer alguns rostos que me acompanhariam durante toda a jornada.

O prédio da delegação Brasileira
Passei junho enviando emails para a Rio 2016 e pro time dos NOC Assistants, ainda sem respostas sobre meu retorno ao time. Nesse meio tempo, recebi uma segunda carta-convite, para trabalhar na área de Serviços de Eventos, aquela turma que fica ajudando o público nas arenas. Aqui a Rio 2016 mostrou um pouco mais da sua desorganização: os atendentes não conseguiam entender o meu problema para conseguir me ajudar. Só com a ajuda providencial de alguém de dentro consegui resolver minha situação. Depois de muita luta, no finalzinho do mês fui alocado de volta.

Na semana seguinte, no início de julho, tive um treinamento para conhecer o meu local de trabalho: a Vila Olímpica, na Barra da Tijuca. Um lugar gigantesco, lindo, mas ainda com muita coisa a ser feita. Foi nesta mesma semana também que retirei o meu uniforme.

Numa história paralela, em maio foi lançada uma campanha para acolhimento de voluntários que vinham de outras cidades. Eu e a esposa concordamos em receber pessoas em nosso apartamento, fizemos o cadastro e começamos a receber as mensagens dos interessados. Depois de algumas dezenas de trocas de emails, dois deles ficaram acertados de vir pra cá: um baiano e uma acreana.

Uma semana antes de começar a trabalhar nos jogos eu comecei a ajustar meus horários de sono, para poder acordar às quatro e meia da manhã sem me transformar em zumbi. Foi por esses dias que descobri que iria trabalhar com a delegação da Venezuela, e que deveria começar a trabalhar no dia 22 de julho, data da chegada deles. No dia 20 recebi uma ligação da organização, perguntando se eu poderia começar a trabalhar um dia antes, porque havia muito trabalho a fazer e eles estavam precisando de ajuda.

Lá fui eu. 21 de julho, cinco horas da manhã saindo de casa feliz para ir trabalhar na Barra da Tijuca, pela primeira vez orgulhoso de um escudo que carregava na camisa. Entrar pela primeira vez na Vila e encontrar um monte de outros voluntários animados com o que estávamos prestes a começar foi empolgante.

Como a delegação da Venezuela atrasou alguns dias, passei meus primeiros seis dias na Vila ajudando diversas delegações. Trabalhei com gente do Canadá, da China, da Bélgica, da Holanda e da Noruega. Todos muito educados e vários deles muito bem humorados, apesar de contrariados pelos problemas encontrados na Vila.

Levando as bicicletas da Holanda pro prédio

Ah, os problemas! Se os estrangeiros ficavam putos com o que encontravam, nós ficávamos envergonhados. Nos prédios em que trabalhei, muitas coisas sem terminar e muita sujeira por todos os lados. Era banheiro sendo usado como depósito de material de construção, quartos com cama faltando, apartamentos sem água, vasos entupidos, e muita, muita sujeira. Por conta deles, uma multidão foi chamada às pressas para acabar o serviço. Depois de duas semanas, as coisas melhoraram um pouco, mesmo que estivessem longe de estarem perfeitas.

Nestes dias, fiz muito trabalho pesado: quem estava chegando eram as equipes de suporte das delegações, que estava arrumando a casa para a chegada dos atletas e técnicos. Pro Canadá, descarreguei caminhão com mobília e bebidas. Pra Holanda, carreguei equipamentos do caminhão pro depósito e instalei protetores nas janelas. Pra Noruega, ajudei a arrumar o escritório e pendurei bandeiras nas varandas dos apartamentos. Cansativo sim, mas sempre com um sorriso no rosto, satisfeito de estar fazendo parte daquilo.


Na segunda semana o pessoal da Venezuela chegou e passei a trabalhar apenas com eles. Uma turma animada e simpática, muito parecidos com nós brasileiros. Tivemos alguns problemas de comunicação às vezes, porque o espanhol deles é muito difícil de entender, mas nada que uma boa dose de boa vontade não resolvesse. Basicamente, o que fiz pra eles foi ajudá-los a resolver problemas que encontravam nos apartamentos.

Com o time da Venezuela

O prédio onde a Venezuela ficou era compartilhado com as delegações do Chile, do México e da Colômbia. Ficava entre os prédios do Brasil e da Holanda, e bem perto dos prédios onde estavam a Nova Zelândia e a Espanha.

Eu não tive a oportunidade de fazer coisas que outros voluntários puderam fazer, como acompanhar os atletas às arenas de competição nem fui liberado pelos Venezuelanos para ajudar outras delegações nos dias em que não tinha nada pra fazer por lá, mas isso não foi problema, porque simplesmente estar onde estava já estava bom demais. Só nos dois últimos dias é que saí da Vila com os Venezuelanos, quando fomos ao Barra Shopping e a um grande supermercado para que eles pudessem fazer compras.

A área central da Vila.  À esquerda, o prédio da delegação francesa. 

Mesmo enquanto trabalhava para a Venezuela, a plaquinha de I Speak English pendurada na credencial era um chamariz de pessoas precisando de ajuda. Judocas tunisianas, repórteres espanhóis, voluntários ingleses... tive oportunidade de falar com o mundo todo. Mesmo fora do trabalho, bastava andar na rua com o uniforme que as pessoas vinham pedir ajuda. Foi assim que conheci russos, italianos, mexicanos, venezuelanos e egípcios.

Fazer este trabalho foi a realização de um sonho. Andar pela Vila de manhã, dando bom dia para gente do mundo todo, entrar num ônibus com gente da Índia, da China, de Cuba, da Colômbia, da Grécia, ver atletas aqui e ali treinando, é uma experiência inigualável. É grande a quantidade de gente legal que conheci e com quem fiz amizades que quero levar pra vida toda. Um brinde especial à turma de Nikity! Todo o cansaço valeu muito a pena.



São muitas lembranças legais prum período tão curto de tempo. A voluntária acreana que ia ficar conosco infelizmente não pode vir. O baiano veio e deixou saudades. O que dizer da oportunidade de assistir aos ensaios das cerimônias de abertura lá no Maracanã? Na Vila, cafés da manhã animados com histórias dos dias anteriores, um almoço no restaurante junto com atletas graças à generosidade da Holanda, bater papo com o medalhista de ouro da Venezuela em 2012, a farra no metrô no dia da cerimônia de abertura, ver quatro atletas com suas bicicletas espremidos dentro de um elevador, o carinho de uma colega de trabalho que comeu devagar para que eu não comesse sozinho quando eu finalmente chegasse com o meu prato depois da fila enorme. Eu andava pela Vila prestando atenção em cada detalhe, na tentativa de gravar fundo na memória. No último dia, saí de lá com lágrimas nos olhos.

Escrevo este texto no último dia de 2016, ainda de ressaca dos jogos, numa tentativa de me agarrar aos últimos fiapos deste ano que vai ter sempre um destaque especial na história da minha vida. Fica a enorme gratidão e a grande saudade da equipe da Rio 2016 que me apoiou e me deu a oportunidade de fazer este trabalho, da equipe da Venezuela que me recebeu com tanto carinho, e principalmente, dos voluntários com quem trabalhei.

Os jogos olímpicos são um dos maiores eventos do mundo, um enorme quebra-cabeças. Saber que eu botei algumas das pecinhas no lugar dá uma satisfação indescritível.

Que venham os jogos do Japão em 2020!



Mateus 19:21

Ângela casou com Marcos, que era ateu. Durante cinco anos tentou convencê-lo a aceitar Jesus. Duas semanas depois que ele se converteu, ela pediu o divórcio.