As primeiras exibições de filmes no Brasil datam do século dezenove, em São Paulo. Antes mesmo da chegada dos primeiros projetores, paulistanos tiveram a oportunidade de experimentar a novidade do Kinetoscópio, em 1895.[1] As primeiras empresas exibidoras eram em sua maioria itinerantes. Como motivos para isso pode-se apontar dois como determinantes: de um lado tinha-se um estoque limitado de filmes, e de outro tinha-se um número reduzido de público. Por isso, os exibidores não tinham outra opção que não itinerar entre diversas cidades em busca de novos públicos. Tem-se registro de que o exibidor paulistano Renouleau estreou seu cinematógrafo em 07/08/1896, tendo mais tarde apresentado-se também em Porto Alegre.[2]
A partir de meados da primeira década do século XX já há a produção de filmes no Brasil. Parte desses filmes eram os chamados filmes naturais, que hoje são comumente chamados documentários. Estes dividiam-se basicamente em duas linhas de produção. De um lado os filmes de exaltação da natureza. Funcionando de certa forma como uma ferramenta de afirmação de nacionalismo, a princípio esses filmes buscavam registrar imagens da então capital do país, o Rio de Janeiro. Com o tempo, foram se espalhando para paragens cada vez mais distantes: tem-se registro de filmes realizados em Niterói, Paquetá e Petrópolis.[3]
Um pouco mais tarde, no Rio Grande do Sul, pode-se destacar a produção realizada por Ítalo Manjeroni, que assinava suas produções sob o pseudônimo I. Leopoldis. Depois de passar temporadas no Rio de Janeiro trabalhando como ator até os anos 1920, em terras gaúchas Ítalo começou nos anos 1930 a sua produção de filmes.[4]
A segunda grande linha de produção dos filmes naturais era a exaltação de figuras públicas. De um lado, temos o registro da vida de presidentes, cujas atividades públicas eram registradas com frequência. De outro lado, tinha-se também o registro de artistas de renome na época. Com o desenvolvimento da cadeia cinematográfica na capital, sua vida e cultura também foram objeto do interesse das câmeras: havia o registro de práticas esportivas e de festas carnavalescas, por exemplo.[5]
Além dos filmes naturais, haviam também os filmes de ficção, chamados na época de filmes posados. Muitos desses filmes buscavam copiar fórmulas que já vinham se consolidando em produções estrangeiras. Em seu artigo Versão Brasileira?,[6] Luciana C. de Araújo destaca diversas dessas cópias: em Retribuição (1925, Gentil Roiz), um grupo de ladrões é caracterizado com figurinos e atitudes já codificados pelo cinema americano, além de haver a encenação de quedas e deslizamentos. Sobre Jurando Vingar (1925, Ary Severo), ela afirma que "não faltam elementos que caracterizam o filme de aventura: a briga de socos, o rapto e salvamento da mocinha, o 'café' como correlato do saloon dos faroestes."
Houveram também os chamados ciclos regionais, que se caracterizam pela produção de filmes fora do eixo Rio-São Paulo. Na década de 1910 há a produção de filmes em Barbacena (MG) e Pelotas (RS). Na década de 1920 tem-se, entre outros, os ciclos de Cataguases (MG), Recife (PE) e Campinas (SP).[7]
Em resposta ao desenvolvimento do cinema no Brasil, as revistas de conteúdo cultural começaram a se debruçar sobre a nova arte. Começaram a ser publicadas, inclusive, revistas dedicadas exclusivamente ao tema. A revista Paratodos, já em sua edição número dois, noticiava a construção de uma sala de cinema de 4.000 lugares em Barcelona.[8] Alguns anos depois, sua seção dedicada ao cinema, nas palavras da própria publicação, "pediu supprimento de edade, declarou sua independencia, constituiu-se maior para todos os effeitos" e passou a ser publicada em uma revista independente, a Cinearte, "exclusivamente consagrada a cousas do cinema."[9] Nesse ínterim, começa a ser publicada a revista A Scena Muda, dedicada quase inteiramente ao cinema, e dava notícias inclusive do mercado cinematográfico estadunidense, tratando de contratações e realizações de longas.[10]
Por fim, pode-se citar também o breve periódico O Fan, publicado pelo cineclube Chaplin-Club, que na capa de sua primeira edição declarava que "não é movido nem pela sombra de uma preoccupação economica, porque só visa o cinema, só se preoccupa com o seu desenvolvimento, só cuida do seu conhecimento."[11] Além disso, a publicação tinha um forte posicionamento contra o cinema falado: "o cinema 'sonoro' tem conseguido apenas isso: (...) servir em países como o Brasil, como um factor violento de desnacionalização, peior ainda, de estadunidensização."[12]
A imagem a seguir apresenta uma linha do tempo que ilustra o tempo de vida destas quatro publicações.
A partir dos anos 1930, até os anos 1950, foram fundados alguns grandes estúdios, que buscavam reproduzir não apenas o conteúdo dos filmes estrangeiros, em especial o estadunidense, mas também seu modelo e processo de produção.
A primeira grande produtora foi a Cinédia, fundada em 1930 por Adhemar Gonzaga, então diretor da revista Cinearte, que no estúdio atuava principalmente como produtor dos filmes. Adhemar costumava viajar para os Estados Unidos com frequência, tendo em certa oportunidade passado lá dois meses, "estudando a vida dos studios de Hollywood e convivendo com os grandes artistas da arte silenciosa."[13] A revista A Scena Muda dedica duas páginas para exaltar a produção da Cinédia, afirmando que "o Studio da Cinédia, que ora divulgamos, (...) demonstra de maneira eloquente como são solidas as bases do cinema brazileiro."[14] Entre os filmes de sucesso lançados pela Cinédia pode-se citar Alô, Alô Carnaval (1936, Adhemar), Bonequinha de Seda (1936, Oduvaldo Vianna) e O Ébrio (1946, Gilda Abreu).
Uma década depois da fundação da Cinédia, em 1941 foi fundada a Atlântida, por Moacir Fenelon e José Carlos Burle. Em poucos anos, já tinha suas produções exaltadas pela revista A Scena Muda, que afirmava que "esta empresa relativamente nova, muito tem feito pelo progresso do nosso cinema, podendo mesmo citá-la como nossa principal produtora."[15] Muitos atores iniciaram suas longevas carreiras nos filmes da Atlântida, entre os quais pode-se citar Oscarito, Grande Otelo, Eva Todor e Zezé Macedo. Entre os filmes de sucesso lançados pela Atlântida pode-se citar Moleque Tião (1943, José Carlos Burle) e Gente Honesta (1944, Moacir Fenelon).[16]
Outro estúdio de grande importância foi o Brasil Vita Film, fundado em 1933 com o nome Brasil Vox Filmes. Seus diretores eram Carmen Santos, que já trabalhava como atriz de cinema desde o início dos anos 1920, e Humberto Mauro, que produzia e dirigia filmes também desde os anos 1920. Carmen demonstrava grande interesse no desenvolvimento do cinema nacional, tanto que sugeriu a criação de uma escola de cinema.[17] Entre os filmes de grande importância histórica produzidos pelo estúdio, pode-se citar Limite (1931, Mário Peixoto), Favela dos Meus Amores (1935, Humberto Mauro) e Inconfidência Mineira (1948, Carmen Santos). Este último merece destaque mais pelo seu tempo de produção, sete anos, do que pelo sucesso alcançado. A expectativa criada pela espera acabou gerando uma recepção fraca.
Além destes, existiam muitos outros estúdios. A revista A Scena Muda listou, em uma edição, mais de trinta estúdios, como o Carriço Filmes, localizado em Juiz de Fora, o Bonfioli, de Belo Horizonte, e J. G. de Araujo e Cia. Ltda, de Manaus.[18]
Com a fundação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), órgão público voltado à promoção do uso de filmes como processo auxiliar do ensino, muitas das pessoas envolvidas nos estúdios passaram a produzir filmes em parceria com o governo. Em especial Humberto Mauro, que produziu diversos longas e curtas, com destaque para O Descobrimento do Brasil (1936).
Com o eventual declínio e falência dos grandes estúdios, a partir dos anos 1950 ganha força no Brasil o cinema independente. Estes cineastas buscavam fugir da estética de estúdio, criam que a forma de filmar deveria apresentar as mesmas dificuldades retratadas no filme e tinham forte influência do neorrealismo italiano e da nouvelle vague francesa.
No início dos anos 1930, em resposta ao desenvolvimento do cinema sonoro, e devido às dificuldades das filmagens em locações externas, os estúdios cinematográficos passaram a privilegiar a produção em interiores. Com isso, ocorreu uma certa uniformização da estética de produção, caracterizada pela mise-en-scène de estúdio.
É então que, a partir dos anos 1950, começam a surgir produções que buscam retratar um realismo cotidiano, além do que vinha sendo feito comumente em produções de estúdio. Surgia assim uma espécie de realismo brasileiro, que buscava se distanciar tanto de tal estética de estúdio quanto do estilo cinematográfico estadunidense, neste momento dominante no gosto popular. Esses filmes levaram às telas uma temática até então pouco explorada na cinematografia nacional.
À guisa de exemplo, pode-se citar Rio, Zona Norte (1957, Nelson Pereira dos Santos), que trata da vida de um músico carioca; Alameda da Saudade, 113 (1950, Carlos Ortiz), que conta a história de um casal que se conhece durante o carnaval; e Agulha no Palheiro (1952, Alex Viany), que retrata a busca de uma jovem pelo homem que a engravidou.
Como destaca Hernani Heffner,[19] esses filmes em certos momentos flertam com o documentário (como em Amei um Bicheiro (1952, Jorge Ileli), que tem sequências filmadas na rua) e posteriormente, mais para o final da década, começam a retratar de forma politizada o quadro social.
É este desejo de apresentar na tela do cinema o povo brasileiro e seus dramas, aliado a uma estética mais simples e menos construída artificialmente, que vai ser abraçado pela nova geração de cineastas surgidos na década de 1960, dando à produção nacional um caráter mais engajado e ativo politicamente.
Referências Bibliográficas
[1] Barro, Máximo. A primeira sessão de cinema em São Paulo. in Souza, José Inácio de Melo. O Ano de 1902, www.mnemocine.com.br.
[2] Souza, José Inácio de Melo. O Ano de 1902, www.mnemocine.com.br.
[3] Gomes, Paulo Emílio Salles. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930).
[4] Póvoas, Glênio. Leopoldis - A História do cinema gaúcho é contínua.
[5] Gomes, Paulo Emílio Salles. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1898-1930).
[6] Araújo, Luciana Corrêa. Versão Brasileira? Anotações em torno da incorporação do modelo norte-americano em filmes silenciosos brasileiros.
[7] Verbete temático. Ciclos Regionais.
[8] Revista Paratodos, ed. 02, p. 22.
[9] Revista Paratodos, ed. 362, p. 32.
[10] Revista A Scena Muda, ed. 01, p. 14.
[11] Revista O Fan, ed. 01, p. 01.
[12] Revista O Fan, ed. 08, p. 40.
[13] Revista Paratodos, ed. 445, p. 28.
[14] Revista A Scena Muda, ed. 560, p. 03.
[15] Revista A Cena Muda, ano 1945, ed. 12, p. 30.
[16] Assim era a Atlântida. Site Atlântida Cinematográfica. Fora do ar, acesso a cópia de arquivo em 10/07/2019.
[17] Revista A Scena Muda, ed. 800, p. 03.
[18] Revista A Scena Muda, ed. 793, p. 27.
[19] HEFFNER, Hernani. Os realismos da década de 1950 no Brasil, in Olhares Neo-Realistas, Editora CCBB, p. 44.