Naquele fim de tarde de domingo, quando o acidente aconteceu, Sueli e eu estávamos em casa, conversando sobre a vida, alheios a tudo. Só bem mais tarde, depois de levá-la ao ponto de ônibus, é que ouvi falar que Gabriel tinha morrido.
Enquanto estava no quiosque de Marcinho esperando um lanche, Marisa me contou da trágica novidade. Graças à minha incompleta falta de memória e de conhecimento de gente diferente, não consegui saber quem era o tal cara que tinha se acidentado e morrido poucas horas antes. O lanche chegou e fui-me embora, ainda intrigado, sem saber quem era o infeliz. Sabia só que era um rapaz novo, com volta de vinte anos.
No dia seguinte, segunda feira, era feriado. De manhã fui à casa de um colega e então, já de tarde, quando voltei de lá, passei em frente à capela mortuária e vi o amontoado de jovens que estava no velório. Realmente, além de ser um cara jovem, dava impressão de ser conhecido e querido por todos. Movido pela fome, contive a curiosidade e segui caminho sem parar para ver quem era.
Um par de dias depois, descobri que o enterro tinha sido esquisito, porque, a pedido do rapaz, além de um carro de som com música, muitos motoqueiros acompanharam o cortejo, acelerando suas motos para fazer barulho. Jovem, querido, conhecido e, perdoem-me, pirado.
Os dias se passaram e eu até tinha esquecido do incidente, mas tudo voltou à minha frente ao assistir televisão na hora do almoço da sexta feira. O jornal apresentou uma reportagem sobre o assunto e mostraram a foto do garoto.
A imagem me chegou como uma bomba. Puts, era o Gabriel. O Gabriel. Não um Gabriel qualquer, mas aquele que eu conhecia, o cara gente boa, o sujeito brincalhão, o meu ex-aluno de informática, com quem tenho uma foto, abraçado comigo, sorridente, feliz. Esse era o Gabriel que nos tinha deixado. Segurei as lágrimas.
A gente já não conversava tanto quanto na época do curso, cinco anos antes, mas sempre nos cumprimentávamos e eu gostava de ver como ele era um sujeito de bem com a vida. Sempre na rua, sempre na balada, sempre brincando. Passado.
A morte faz isso com a gente. A sentimento pós-morte é de que temos que aproveitar a vida, temos que dar atenção às pessoas, temos que fazer o que gostamos. É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há. Não é assim que funciona?
Sempre que perdemos alguém, acho que isso é universal, vem a sensação de que tudo o que estamos fazendo da nossa vida está sendo um desperdício de esforço e tempo, e que o importante, o realmente importante, está sendo deixado de lado: as conversas, as risadas, o conviver com as pessoas que queremos bem. E então prometemos que vamos mudar isso, que vamos dar atenção aos amigos, à família, às pessoas que não vemos há certo tempo, que vamos dar valor a cada simples bate-papo.
Mas passa. Depois que a dor diminui e a saudade começa a ceder, voltamos a comer depressa, a não visitar os amigos, a não dar valor às conversas bobas.
Poderíamos tentar, pelo menos uma vez, viver esta sensação de aproveitar a vida sem que pra isso seja necessário alguém morrer. Alguém como o Gabriel.
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