"O casamento, instituição em que hoje se funda a sociedade, faz-nos sentir todo o seu peso: para o homem a liberdade, para as mulheres os deveres. Nós lhes devemos toda a nossa vida, eles devem-nos apenas raros instantes. Enfim, o homem escolhe, e nós nos submetemos cegamente."
Hoje em dia isso pode até ter mudado, mas naquela época não haveria descrição melhor. Não precisamos ir muito longe para isso, basta voltar uns poucos cinqüenta anos no tempo para depararmos com mulheres submissas, obrigadas a cumprir seus deveres e servir aos seus maridos, ao passo que estes têm todos os privilégios e desfrutam de todos os prazeres da vida.
"Uma tarde, os dois amantes se achavam sós, sentados perto um do outro e ocupados em contemplar uma das mais belas fases do firmamento, um desses céus puros em que os últimos raios do sol lançam fracas cores de ouro e púrpura. Nesta hora do dia, as lentas diminuições da luz parecem despertar doces sentimentos, as nossas paixões vibram ternamente, e saboreamos as perturbações de não sei que violência no meio da calmaria. Mostrando-nos a felicidade por meio de imagens vagas, a natureza convida-nos a gozá-la quando a temos perto de nós, ou faz com que a lastimemos quando nos foge. Nestes instantes férteis em encantamentos, sob o dossel dessa luz cujas ternas harmonias se unem a íntimas seduções, é difícil resistir aos desejos do coração, que então possuem tão poderosa magia! O pesar torna-se menos sensível, a alegria embriaga e a dor acabrunha. As pompas da noite são o sinal das confissões, que elas animam. O silêncio se torna mais perigoso que a palavra, comunicando aos olhos todo o poder do infinito dos céus, que eles refletem. Se se fala, a mais insignificante palavra possui um poder irresistível. Não há então luz na voz, púrpura no olhar? Não parece que o céu está em nós ou não parece que estamos no céu?"
Vai ser poético assim na caixa-prego! Seja honesta e me diga: quantas vezes você leu algo tão verdadeiro sobre o amor quanto este parágrafo? Quando é que o pôr do sol não instiga paixões, não atrai os amantes? A beleza deste momento nos traz paz, fazendo com que esqueçamos as dores, as saudades, e podemos nos concentrar no quanto a vida é bela, no quanto a obra de Deus é perfeita. Realmente, parece que estamos a voar no céu. Ou, mais emocionante e especial ainda, parece que o céu vive em nós. Não é nada mais que o paraíso. Simplesmente esta é uma passagem antológica, uma das melhores coisas que já li em minha vida.
Aí está A Mulher de Trinta Anos, um livro que, por ser clássico, muita gente não dá atenção, mas que é dos bons, que nos leva a reflexões e contemplações com as quais não estamos acostumados a lidar. Um livro que desembaralha em suas linhas a alma de uma mulher viva e amargurada, com um coração cheio de amor e conflitos, que foge de seus anseios para proteger sua própria família e que convive com seus segredos para preservar sua integridade moral. Enquanto nos leva a passear pelas paisagens européias, é uma obra que foge dos domínios de seu tempo, dizendo às balzaquianas de hoje em dia tudo o que elas querem ouvir.
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