Minha primeira busca para a cirurgia ocorreu por volta de 2004, depois do problema já estabilizado. Vários exames depois, o cirurgião me deu a má notícia: minha córnea era muito fina e eu não poderia operar. Quer dizer, até poderia, mas não me livraria dos óculos. Felizmente, o problema não era definitivo: disse o doutor que a tecnologia estava avançando bem e que em poucos anos eu poderia operar.
O motivo disso tudo não é difícil de entender. Como o laser usado na cirurgia de correção não é aplicado diretamente na superfície do olho, é preciso levantar uma pequena tampa, fina como um fio de cabelo, para só então aplicá-lo para queimar a córnea. Aí entra o problema da minha córnea fina: na época, os recursos existentes para levantar a tal tampa realizavam um corte muito grosso, fazendo com que sobrasse pouca córnea para ser queimada, o que me deixaria ainda com alguns graus de deficiência.
Deixei passar um bom tempo e em 2011 comecei a procurar informações sobre o assunto e a fazer novos exames. Em janeiro de 2012 me submeti à cirurgia usando as tecnologias femtolaser e Lasik. Foi a primeira delas que permitiu que eu me livrasse dos óculos. O femtolaser é uma tecnologia nova que é usada para levantar a tampa no olho, e tem a capacidade de gerar uma tampa muito mais fina do que as tecnologias anteriores.
A cirurgia em si é bem simples, um procedimento que não leva mais do que vinte minutos.
O primeiro passo é pingar um colírio anestésico no olho a ser operado. Depois de quase uns dez minutos fui encaminhado à sala de cirurgia, onde estavam a cirurgiã com a qual eu vinha me consultando, o cirurgião responsável pelo femtolaser e duas enfermeiras.
Na sala, deitei em uma máquina onde o femtolaser é aplicado. Recebi mais alguns colírios lubrificantes, prenderam uma peça de silicone no meu olho para eu não piscar nem mexer a vista e uma máquina foi posicionada sobre meu rosto. Neste momento senti uma leve pressão sobre o olho, como se a máquina estivesse fazendo força, mas nada demais. Quando a aparelhagem estava toda posicionada, o cirurgião falou:
Tudo no lugar, tudo certo, vamos aplicar... perfeito, podem retirar.
Tudo muito rápido mesmo, quase instantâneo, e não dá pra sentir nada. Terminada essa etapa, eles retiraram tudo do meu olho e pediram para eu deitar em outra máquina, onde a correção seria feita. Novamente, colocaram uma peça para prender meu olho e prepararam a máquina sobre mim. Neste momento havia uma pequena luz verde logo à minha frente, que eu via levemente desfocada, conforme a minha miopia original.
Usando uma ferramenta, a cirurgiã levantou a tampa que foi cortada no meu olho e a luz verde que eu via se transformou em um borrão distante. Mais alguns procedimentos e ajustes da máquina e foi a hora de realizar a correção. Esta etapa foi um pouco menos rápida que a aplicação do femtolaser, levando coisa de dez segundos:
Tudo certo, vamos aplicar o Lasik... ótimo... 50%... mais um pouco... 90%... ótimo, perfeito, podem retirar.
Novamente, não senti nenhuma dor; apenas um leve cheiro de queimado, parecido com o cheiro de pelo sapecado. Segue-se mais um bocado de colírio lubrificante e então a cirurgiã usou algo parecido com um cotonete para colocar a tampa do olho de volta no lugar. Durante coisa de um minuto ela ficou alisando minha retina para retirar qualquer pequena bolha de ar que tivesse ficado. Quando terminou, a luz verde já aparecia nítida, quase como se eu estivesse usando óculos.
Importante lembrar: durante os dois procedimentos, o tempo todo nós ficamos conversando. Eles querendo saber o que eu estava sentindo e explicando tudo o que eu perguntava sem parar. Se você procurar no YouTube vai achar vários vídeos de cirurgias.
Estava terminada a cirurgia. Fui encaminhado para uma outra sala onde os cirurgiões examinaram minha vista para ver se estava tudo no lugar (estava!) e me despacharam com um tapa-olho transparente devidamente preso sobre o olho. Uma semana depois seria a vez do olho direito. Neste meio tempo, fiquei em casa quase o tempo todo, sempre de óculos escuros para evitar claridade e sujeira, e tendo que pingar dois colírios diferentes em intervalos bem curtos (um era um antibiótico, outro um lubrificante).
Na primeira cirurgia, fiquei na clínica por mais duas horas depois que saí da sala de operação, porque um primo foi me buscar depois de sair de seu curso. Assim que descemos eu já conseguia ler placas do outro lado da rua. Durante o trajeto até nossa casa, conseguia ler as placas dos carros que iam à frente. Em casa, depois de uns quatro dias eu arrisquei ver televisão e podia enxergar normalmente sem os óculos. No dia da segunda cirurgia, quando cheguei em casa, eu não precisava mais dos óculos. Novamente, uma semana com óculos escuros e muitos colírios. Na semana seguinte eu voltei ao trabalho.
Uma outra coisa que perdi, e que estranhei muito no início mas já me acostumei agora, é que, sem os óculos, eu enxergava muito bem e com uma nitidez impressionante coisas pequenas se as colocasse bem perto do olho, tipo letras miúdas ou ranhuras de folhas. Agora não tenho mais isso e há uma distância mínima que devo manter dos olhos para não desfocar os objetos.
Um mês depois fui fazer a primeira revisão, que mostrou que estava tudo ok com minha vista, apesar de um pequeno resíduo de miopia ter sobrado, mas nada que obrigasse a usar óculos. Dois meses depois da primeira revisão, fui para uma segunda, e vimos que o grau tinha aumentado um pouco, coisa que eu já tinha reparado. Ainda assim, não vi necessidade de usar óculos naquele momento.
Hoje eu sinto que minha visão deu uma nova caída desde a última revisão, e estou pensando em adiantar a próxima, que deveria ser em dezembro mas vou trazer para o mês que vem. Além disso, vou começar a anotar a distância máxima que devo estar das coisas que sou capaz de ler hoje (tipo placas, cartazes, legendas na tevê) para ver se um mês depois continuo sendo capaz de lê-las.
A situação hoje, seis meses depois da cirurgia é a seguinte: vivo sem óculos tranquilamente, leio, trabalho, vejo tevê, uso o computador, faço quase tudo sem sentir falta dos óculos (a princípio não sentia falta nenhuma, hoje há situações em que desejo um). Ainda tenho os hábitos de quem usa óculos: quando acordo de manhã ainda estendo a mão para pegá-los, quando vou deitar ainda levo a mão ao rosto para tirá-los, quando saio do banho ainda pego papel higiênico para secá-los e volta e meia tento alinhá-los na cara. Também, né, não dá pra largar de uma hora pra outra hábitos diários de 25 anos!
Entretanto, na vida prática sinto que minha visão piorou um pouco, porque antes, com os óculos, eu via tudo com bastante nitidez, inclusive coisas distantes, e hoje não tenho mais isso. À noite, e principalmente no lusco-fusco do anoitecer, a situação é bem ruim e tenho dificuldade de identificar os rostos das pessoas. No cinema eu consigo assistir filmes com tranquilidade, mas sinto uma leve distorção nas imagens, que depois de duas horas começa a cansar. A cirurgiã disse que, se minha córnea não fosse tão fina, eu poderia fazer uma segunda cirurgia para remover este resíduo, mas como a primeira já foi no limite, uma segunda não era possível.
Apesar de não precisar usar óculos para o dia-a-dia, decidi que vou fazê-los porque sem eles tive dificuldades incômodas com duas coisas específicas: primeiro, olhar o céu. Não consigo mais ver a lua e as estrelas com a clareza que via antes com os óculos. Segundo, ir às apresentações de orquestras. Na primeira apresentação que vi depois da cirurgia, não consegui ver direito os rostos dos músicos no palco, mesmo não estando tão longe. Além disso, como a visão vem piorando, mesmo que lentamente, os óculos vão, infelizmente, me ser úteis.
De resto, não me arrependo de nada e recomendo a cirurgia a todas as minhas leitoras míopes, mesmo que a minha não tenha sido um sucesso total. Não dói, é rápido e não tem sequelas.