Ao longo dos anos 1960, a televisão
atraía cada vez mais audiência no Brasil, com Tupi, Excelsior e Record
disputando a atenção dos telespectadores. Nessa disputa, os programas
musicais estavam entre os que mais atraíam a audiência. Entre festivais
de empebê aqui, um O Fino da Bossa ali e um Jovem Guarda acolá,
atrações internacionais tinham um grande apelo. Ray Charles, por
exemplo, desembarcou na Excelsior em setembro de 1963.
O Primeiro de Abril da Record
Sobre Mangas e Hipóteses
Imagine que você fale que vai chupar uma manga e uma pessoa comece a rir de você, questionando sua sanidade mental.
Como assim chupar uma manga?! Vai ficar lambendo a camisa, vai? Prefere algodão ou cetim? ha ha ha ha
Se fosse um estrangeiro que não tenha um vocabulário muito bom de português, vá lá, dá pra entender a confusão. Você ensina que manga tem dois significados e tudo bem. Mas e se fosse um brasileiro? Com boa vontade, dá pra entender a confusão ou a vontade de fazer piada de tiozão do pavê. Mas a partir do momento em que você explica que quando fala de manga você está falando da fruta, não tem mais sentido a pessoa ficar rindo de você.
Continuar falando que você é uma pessoa doida, que quer comer pano, e se negar a aceitar o sentido que você está usando, é, no mínimo, demonstração de má vontade e também de uma boa dose de mau-caratismo.
Concordamos com isso? Beleza.
Se a gente fosse ficar puxando exemplos de outros palavras, podíamos ficar aqui até amanhã de manhã. Pinto, verão, caixa, bala. A carteira, sentada na carteira com a carteira no bolso.
Mas o objetivo aqui é chegamos a um acordo de que é mau caratismo a pessoa forçar o uso de um significado quando é outro que está sendo empregado.
Se chegamos a um acordo, vamos falar de outra palavra, então.
Teoria.
Teoria é uma palavra que tem dois sentidos bem distintos.
O primeiro deles é sinônimo de hipótese. Acontece um acidente, um avião cai, mas ninguém sabe o motivo. Surgem diversas hipóteses: falta de combustível, falha no motor, o piloto passou mal. Várias hipóteses, várias teorias.
Mas há o segundo sentido pra palavra teoria, que é o sentido de corpo de conhecimento sobre um determinado assunto. Um exemplo fácil é quando falamos em teoria musical. Quando falamos em teoria musical, não estamos falando que música é uma hipótese, que pode ou não ser verdade, que pode ou não ser comprovada, mas sim de todo o conhecimento que temos sobre música. Escalas, notas, intervalos, partitura, contagem de tempo, formação de acordes.
Lembro muito da época da escola, quando nas aulas de educação física a gente ficou em sala de aula durante uma hora e meia estudando as regras do vôlei. No final a turma já estava indócil, perguntando ao professor quando é que a gente ia sair da teoria e ir pra prática. Ou seja, quando que a gente iria parar de estudar os conceitos e regras do vôlei e iríamos pra quadra efetivamente jogar o jogo.
Tudo certo até aqui? Ok. Pois bem, tudo isso até aqui foi uma enorme introdução pra falarmos de teoria da evolução.
Muita gente desdenha e desfaz da evolução das espécies por conta de se falar em teoria da evolução, alegando que "ah, é só uma teoria, não vou acreditar nisso", como se teoria, aqui, tivesse o sentido de hipótese.
Mas não.
Quando se fala em teoria da evolução, a acepção da palavra aqui é a de corpo de conhecimento. Ou seja, não é "hipótese da evolução", mas sim "tudo e que já sabemos, o corpo de conhecimento que temos sobre a evolução".
Portanto, se você concordou comigo lá em cima que é mau caratismo insistir num sentido de uma palavra depois de saber que o que está sendo usado é outro sentido, e se você é daqueles que fala que evolução "é só uma teoria", já sabe que precisa mudar seus argumentos.
Canção da Inspiração que Não Vem
Taí o texto da coluna, que foi publicada com o título Canção da Inspiração que Não Vem.
Como eu quase entrei nessa fria de pertencer ao júri que está selecionando as canções para o "I Festival da Música Popular Brasileira", andei me interessando pelo concurso que se iniciou em Guarujá, prosseguiu em São Paulo, continuou no Quitandinha e terminará no Teatro Excelsior (ex-Cine Astória), casa que Tia Zulmira apelidou de Universidade da Sandice.
Guerreiros, eu vi... Fiquei sentado numa poltrona cômoda, tomando refresco de maracujá para não ter um troço e fui ouvindo as músicas selecionadas para concorrer a um prêmio de 10 milhões de cabrais - o maior prêmio que se conferiu até hoje a uma canção, neste País - num concurso pomposo e cheio de lantejoulas.
Dizem que os nossos melhores compositores populares se inscreveram (anonimamente, como manda o regulamento) para apanhar essa erva e se isso é verdade, o caso é mais lamentável ainda. Faz muito tempo que eu não vejo tanta musiquinha ruim desfilando no vídeo lá de casa. E não se diga que estavam sendo mal interpretadas. De jeito nenhum. Embora a orquestra sob a direção de Sílvio Mazzuca chateie um pouco a gente pela pomposidade vã das orquestrações, os cantores eram o fino dos intérpretes nacionais. Tirante Dona Elis Regina, que imita o Lennie Dale e fica só berrando e mexendo com os braços, os outros cantores fizeram misérias para safar a onça com aquelas canções que lhes deram para cantar. Alaíde Costa, por exemplo, cantou maravilhosamente uma dessas canções de "avant garde" da bobagem, cuja letra não quer dizer nada e a melodia é uma introdução longa. Dessas que quando a gente pensa que vai entrar na melodia, a coisa acabou. Aliás, 99% das canções do concurso são assim. Mas - eu dizia - Alaíde cantou maravilhosamente. Elisete também, Marisa idem e vários outros (Altemar Dutra, Hugo Santana, Márcia, etc.) fizeram força para classificar os números sob sua interpretação, mas era muito difícil, para a maioria. O júri, coitadinho, cumpriu o seu dever e escolheu as menos ruins, mas tenho certeza de que todos os jurados que entraram nessa fria devem estar achando chatíssimo ter que aguentar a xaropada até o fim. O cantor Hugo Santana chegou a encher as bochechas e exclamar "Uf" quando acabou de cantar o que (salvo engano) é uma das menos inspiradas composições de um dos nossos melhores compositores populares: Joubert de Carvalho.
Enfim, o I Festival da Música Popular Brasileira parece ter sofrido influência do Festival da Besteira que assola o País.
P.S. - Dorival Caimi ouviu comigo e também achou o fim.
Brandi Carlile, A Rooster Says
Eis que no primeiro dia 2021 o disco chega às plataformas digitais. Imperdível.