Canção da Inspiração que Não Vem

Em 27 de março de 1965 estreava na TV Excelsior o I Festival da Música Popular Brasileira, iniciando a febre dos festivais que deram origem à empebê e que duraram até o início dos anos 80. Alguns dias depois, na revista Uh, do jornal Última Hora, Stanislaw Ponte Preta usou sua coluna para criticar a atração. Curioso ver que um de seus destaques negativos acabou levando o primeiro lugar no festival: Elis Regina com Arrastão.

Taí o texto da coluna, que foi publicada com o título Canção da Inspiração que Não Vem.

Como eu quase entrei nessa fria de pertencer ao júri que está selecionando as canções para o "I Festival da Música Popular Brasileira", andei me interessando pelo concurso que se iniciou em Guarujá, prosseguiu em São Paulo, continuou no Quitandinha e terminará no Teatro Excelsior (ex-Cine Astória), casa que Tia Zulmira apelidou de Universidade da Sandice.

Guerreiros, eu vi... Fiquei sentado numa poltrona cômoda, tomando refresco de maracujá para não ter um troço e fui ouvindo as músicas selecionadas para concorrer a um prêmio de 10 milhões de cabrais - o maior prêmio que se conferiu até hoje a uma canção, neste País - num concurso pomposo e cheio de lantejoulas.

Dizem que os nossos melhores compositores populares se inscreveram (anonimamente, como manda o regulamento) para apanhar essa erva e se isso é verdade, o caso é mais lamentável ainda. Faz muito tempo que eu não vejo tanta musiquinha ruim desfilando no vídeo lá de casa. E não se diga que estavam sendo mal interpretadas. De jeito nenhum. Embora a orquestra sob a direção de Sílvio Mazzuca chateie um pouco a gente pela pomposidade vã das orquestrações, os cantores eram o fino dos intérpretes nacionais. Tirante Dona Elis Regina, que imita o Lennie Dale e fica só berrando e mexendo com os braços, os outros cantores fizeram misérias para safar a onça com aquelas canções que lhes deram para cantar. Alaíde Costa, por exemplo, cantou maravilhosamente uma dessas canções de "avant garde" da bobagem, cuja letra não quer dizer nada e a melodia é uma introdução longa. Dessas que quando a gente pensa que vai entrar na melodia, a coisa acabou. Aliás, 99% das canções do concurso são assim. Mas - eu dizia - Alaíde cantou maravilhosamente. Elisete também, Marisa idem e vários outros (Altemar Dutra, Hugo Santana, Márcia, etc.) fizeram força para classificar os números sob sua interpretação, mas era muito difícil, para a maioria. O júri, coitadinho, cumpriu o seu dever e escolheu as menos ruins, mas tenho certeza de que todos os jurados que entraram nessa fria devem estar achando chatíssimo ter que aguentar a xaropada até o fim. O cantor Hugo Santana chegou a encher as bochechas e exclamar "Uf" quando acabou de cantar o que (salvo engano) é uma das menos inspiradas composições de um dos nossos melhores compositores populares: Joubert de Carvalho.

Enfim, o I Festival da Música Popular Brasileira parece ter sofrido influência do Festival da Besteira que assola o País.

P.S. - Dorival Caimi ouviu comigo e também achou o fim.

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