Quando o telefone tocou, eu imaginei que fosse a Diana, querendo falar sobre as novidades que ela tinha visto na Bienal do Livro. Achei até que ela ia me falar que tinha encontrado o livro do Mário Marinato, mas não, não era. Apesar de ter ouvido aquela voz apenas algumas vezes, eu poderia reconhecê-la facilmente porque havia pouco tempo que tínhamos nos falado. Para meu desespero, era Bianca.
Apesar dos meus esforços para que ela não me descobrisse, dando telefone e nome errados, a maldita sapata conseguiu o meu telefone. Só poderia ser a maldita suíça recepcionista do hotel. Se eu soubesse, teria dado nome errado até mesmo na recepção. Mas, agora, com Bianca ao telefone, eu teria que arranjar outra desculpa para me livrar daquela fã de última hora.
Vou te falar, não trato homossexuais mal, mas não concordo que seja uma coisa certa ou aceitável ou concordável. Acho sim que isto é uma transgressão uma afronta às leis naturais, às leis de Deus. Você já viu uma galinha no rala e rola com outra? Ou uma ursa louca de paixão para dar para outra? Então, porque haveria de haver isto entre os humanos? Realmente, inaceitável.
Mas nada das minhas convicções adiantaria neste comento, com aquela carrapata na minha linha telefônica. Ângela - ela disse - Ângela, é você? Ela sabia que era eu. Sabia mesmo. Se eu tentasse argumentar, dizendo que ela tinha ligado para um outro número, e que ali não havia nenhuma Ângela, Bianca com certeza iria reconhecer a minha voz e dizer que eu estava de brincadeira com ela. Tive que me fazer de sonsa.
Enrolei um pouco até fazer que me lembrei que a tinha conhecido num hotel em Macaé, num dia do show do Makaloba, num dia em que fugi de casa para fingir que meus problemas não existiam. E acabei arranjando mais um. Quando Diana soubesse disso, com certeza iria me dar mais um dos seus sermões que pareciam de irmã mais velha: "se você não tivesse aquela atitude infantil de sumir do mapa se debandar para outra cidade e dormir quase que clandestina num hotel com alguém que você nem conhecia... nada disso teria acontecido, mas agora güenta.
E nisso ficamos conversando no telefone por mais de vinte minutos. Bianca querendo saber como eu estava, se poderia vir até a minha cidade - ela sabia onde eu morava -, se eu estava sozinha, se eu não tinha vontade de ir a outro show do Makaloba, coisa e tal.
Como a maldita recepcionista, pelo jeito, tinha repassado a mina ficha para a doidivana, eu não poderia simplesmente dar um passa fora nela, dando um coice daqueles, porque ela poderia resolver vir bater na minha porta. É certo que ela poderia bater na minha porta mesmo sem um coice, mas um pouco de diplomacia poderia me livrar daquele estorvo.
Tive que me fazer de chada. Ela disse que adorava Makaloba, e eu disse que odiei o show. Ela falou que viagens para lugares maravilhosos, até mesmo Ilha Grande, e eu me fiz de reclusa, que não gostava de passear. Quando finalmente tocou no assunto romance, lasquei todo o meu drama com o Marcelo, e inventei até mesmo um retorno lento do nosso relacionamento, já que nosso filho andava sofrendo muito. Filho que não tenho.
Até que ela desistiu. Sei que lá por onde ela vive ainda tem o meu telefone e o meu endereço, mas parece que vai esquecer de mim.
Tenho que trocar de telefone rápido.
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