Cartórios

Sei que o assunto não tem muito a ver com o que costumo escrever, mas resolvi compartilhar com minhas leitoras o que tenho aprendido no meu serviço lá no cartório. Sei que isso não vai melhorar a vida da gente lá no Segundo Ofício, mas pelo menos eu vou ficar com a sensação de que as pessoas vão entender melhor sobre meu trabalho.

Antes de mais nada é preciso entender que cartório é uma palavra genérica. Existem vários tipos de cartórios, e eles nem sempre entendem os serviços que os outros fazem. É tipo loja. Existe loja de roupa, loja de comida, loja de remédio, loja de eletrônicos. Não adianta chegar numa loja de remédio e perguntar se o teclado da Yamaha modelo PSR-292 tem saída MIDI digital. Portanto, não fiquem nervosos quando o atendente de um cartório não puder lhe explicar como é que se tira uma segunda via da certidão de nascimento se você entrou num cartório de registro de pessoa jurídica. Estas são duas atividades completamente diferentes.

Por muitas e muitas vezes já atendi gente no cartório que chegou perguntando quanto custava para tirar um título de eleitor (serviço de cartório eleitoral) ou então quanto custa para registrar um filho (serviço de cartório de registro civil). Aí, quando a gente diz que tem que ir em outro cartório, as pessoas ficam nervosas, alegando que "puxa, isso aqui não é um cartório?". Pra ter noção de como isso é absurdo, seria como chegar num açougue, pedir uma aspirina, e quando o cara mandar você ir a uma farmácia, você reclamar "ué, mas aqui vocês não vendem coisas pra poder ganhar dinheiro?"

Logo, existem vários tipos de cartório: cartórios de registro civil, que tratam de nascimento, casamento, emancipações, óbitos e afins; cartórios de protesto de títulos, que fazem notificações a quem está devendo e podem mandar o nome de alguém para o SPC; cartórios de registro de imóveis, que lidam com os dados relativos a quem é dono de que imóvel; cartórios de notas, responsáveis por fazer procurações, reconhecimentos de firmas, escrituras e outros; cartórios de registro de títulos e documentos, que arquivam quaisquer documentos que as pessoas queiram ter maior segurança, como contratos particulares de aluguel, contratos de compra e venda de veículos; entre alguns outros tipos de cartórios que existem por aí.

Outra coisa que muita gente pensa é que cartório entende de tudo. Ledo engano. Muitas vezes nós sabemos menos do que quem a gente atende. Um dos maiores equívocos do povo é achar que por estar reconhecendo uma firma em um documento, a gente sabe o que tem que fazer com ele depois. Por favor, não pensem isso. O cartório entende de reconhecer firma, mas não entende de INSS, Detran, banco ou qualquer outra coisa. Se a sua faculdade pediu para você autenticar seus documentos, o cartório não tem a mínima idéia se é só a identidade, ou se é a identidade, o CPF, o título de eleitor e a certidão de nascimento.

Assim como existem lojas que vendem vários tipos de coisas diferentes, existem cartórios que possuem várias atribuições, como o que eu trabalho, por exemplo: somos um cartório de notas, um cartório de registro de imóveis, um cartório de registro de títulos e documentos, um cartório de registro de pessoas jurídicas e um cartório de protesto de títulos. Por que tanta coisa junta num lugar só? É que minha cidade - Cachoeiras de Macacu, pra quem não sabe - é um lugar pequeno, do interior do Rio de Janeiro, e que, portanto, não tem capacidade para abrigar vários cartórios. Fica mais fácil para a justiça reunir tudo num só. Existe aqui também, em um dos distritos do município, um cartório que é de notas e de registro civil. Nas cidades grandes, é mais comum haverem cartórios com apenas uma atribuição. Então, entenda uma coisa antes de entrar em um cartório: pode não ser ali que seu problema será resolvido.

Antes de reclamar preços e condições para executar um serviço num cartório com o pobre coitado do atendente, é bom saber que tudo que é feito entre as suas quatro paredes é regido por um código de normas que deve ser seguido rigidamente, sob pena de multa e afastamento do serviço. Acompanhando o Diário Oficial, já encontramos casos em que cartórios receberam muitas de mais de cinco mil Reais. Logo, quem te atende e diz que não pode fazer um serviço ou cobra muito caro, não está sendo chato ou querendo te sacanear: está apenas seguindo a lei, sob pena de, não o fazendo, correr o risco de morrer numa grana e até perder o emprego. Muitas vezes nós mesmo do cartório concordamos com as pessoas que reclamam dos preços que são cobrados, mas, infelizmente, não podemos fazer nada contra isso.

Sobre pagar, muita gente acha que cartório trabalha de graça. Nem todos. Onde eu trabalho, tudo é cobrado. Tem gente que pensa que o governo repassa para nós os valores referentes ao serviços que prestamos, mas isso não acontece. Muito pelo contrário, nós é que repassamos para o Estado uma porcentagem sobre tudo o que é feito atrás do balcão.

Por fim, o cartório muitas vezes não precisa saber os seus motivos para fazer alguma coisa lá. Se a sua faculdade pediu para você reconhecer uma firma, se quem alugou seu prédio não pagou um aluguel, o cartório não precisa saber disso quando for reconhecer a firma ou quando for protestar uma nota promissória. Gente de cartório, apesar de não parecer, tem mais o que fazer, e não pode perder muito tempo com a história de todo mundo.

Bem, de início acho que é isso. Aguardem que vou iniciar uma série de textos onde vou detalhar os serviços que são feitos nos cartórios - pelo menos, os que são feitos no cartório onde eu trabalho, que são os que entendo.

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