Hoje um estranho bateu à minha porta. Não era exatamente um estranho e, pra ser honesto, não foi à porta que ele bateu. Na verdade o encontro se deu na frente do espelho. Enquanto fui fazer a barba o homem no espelho me olhou nos olhos e me avisou de algo que eu ainda não tinha me dado conta: 2003 tinha que acabar.
Como eu sou de conversar olhando fundo nos olhos, ele logo sacou que eu não me convenceria de primeira sobre uma idéia que me parecia tão absurda: porque 2003 - o melhor ano da minha vida até então - deveria ser simplesmente mandado embora, como se tivesse cometido algum ato cruel e reprovável, e não houvesse outra opção senão bani-lo para sempre da existência?
"Assim é a vida" - disse, tentando me convencer que tudo o que tinha acontecido em 2003 era passado, que aqueles momentos não poderiam ser revividos e portanto não adiantaria ficar remoendo algo que não voltaria a existir. Disse ele:
- Você já não desmontou sua árvore de natal, seu móbile de lembranças boas e ruins? Não foi você mesmo que disse que a árvore teria que ser desmontada para que outras lembranças pudessem ser colecionadas para enfeitarem a árvore do natal de 2004? Inspire-se então em seus próprios atos e em suas próprias metáforas e guarde tudo em um caixote, em um baú de sua memória, em um sarcófago enterrado em uma pirâmide e faça uma casa nova, livre para experimentar e criar uma vida diferente.
Em certo ponto chego a concordar com ele. Certas coisas têm que ser deixadas no passado, mas 2003 não pode acabar. Não pode e não vai. Muitas sementes foram plantadas neste ano, e não é qualquer primeiro de janeiro que poderá tirá-las da terra e impedi-las de brotar. Principalmente porque estas sementes estão germinando e crescendo fortes e enérgicas, já tentando criar raízes profundas.
Nada impede que 2004 comece. Aliás, 2004 já tinha começado em dezembro (ou até bem antes), quando muitos planos foram traçados, várias promessas foram feitas e algumas metas foram definidas. Mas 2003 não pode acabar. Que ele dure para o resto da minha vida, sempre gerando frutos e guardando doces lembranças.
O homem no espelho e eu então concordamos: 2003 não acabaria, deixaria apenas de receber novas sementes.
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