Ela se achava madura, consciente, dona de si. Sabia o que queria da vida e, mais importante talvez, sabia o que não queria da vida. Só isso já era o suficiente para evitar que ela se aventurasse por idéias bobas ou que dariam frutos pouco doces.
Assumira as responsabilidades da casa junto com a irmã desde cedo, quando seu pai morreu. Ainda bem menina, se viu obrigada a trabalhar fora e dentro de casa para ajudar a mãe a manter a família em pé. Às vezes pensa até que teve sua adolescência roubada.
Por esse mesmo "roubo" de parte da sua vida, nunca foi uma "menininha". Não tinha roupas "bonitinhas", não ficava suspirando pelo garoto mais descolado e nunca, nunca mesmo, tivera um diário de adolescente.
Virou mulher cedo. Não digo "virar mulher" com aquela idéia de perder a virgindade e se entregar a um homem, mas sim de se tornar adulta, livre e independente. Esta transformação precoce ajudou mais ainda para distanciar dela a imagem de moça sentimental. Saía com as amigas, claro, mas se sentia mais à vontade com pessoas mais velhas. Por tudo o que já passara na vida, não tinha muito assunto para conversar com as colegas da mesma idade. Já não tinha paciência para ficar falando de moda, revistas ou do bonitão da esquina (se é que um dia teve paciência para isso).
Com os mais velhos é que se sentia bem à vontade. Falava da vida, do preço das coisas, da conta de luz que aumentou. Com eles podia filosofar e discutir sobre seus erros e aprender mais.
Nunca se apaixonara. Pensava nisso como uma coisa estranha: se vivera sua vida sem precisar de muita ajuda, como é que na porta dos 30 anos ela iria começar a sentir palpitações por um sujeito qualquer?
Por isso mesmo ela morria de medo e tremia por dentro toda vez que se dava conta de que estava parada no serviço pensando no namorado. Ele não é nenhum Tom Cruise nem tem voz de locutor. Ele não é nenhum gênio e nem sabe dançar direito. Mas mesmo assim estava apaixonada. Ela não se reconhecia e achava que estava gostando mais do que devia. Por que logo ela, tão dona de si, tão dona de sua vida, iria virar uma adolescente em um par de meses? Por que logo ela iria escrever cartas amorosas?
Tentava então achar defeito nele. Qualquer coisa que a fizesse gostar menos, que a trouxesse de volta a seu jeito adulto, maduro e controlado de antes. Mas não conseguiu. Numa noite, sentados na beira do lago, ela contou tudo a ele. Era uma tentativa de talvez fazê-lo se aborrecer, aí então ela teria uma desculpa para gostar menos, mas o tiro saiu pela culatra.
"Não tenha medo", disse ele. "Todos temos as mesmas etapas a cumprir, só que as suas aconteceram numa ordem diferente do comum. Geralmente as pessoas se apaixonam e só depois se amadurecem. Você amadureceu antes, e sabe distinguir quando está apaixonada por uma imagem ou se está apaixonada por uma pessoa de verdade. Esta maturidade vai te ensinar a deixar de ter medo de gostar demais. Ela vai mostrar que você já é grandinha o suficiente para gostar do jeito certo, seja isso gostar muito ou gostar pouco."
Só então ela se convenceu de que não dá para racionalizar ou controlar sentimentos. Gosta-se e pronto. Dá pra, talvez, controlar a entrega ao sentimento. Mas controlá-lo, jamais.
E se apaixonou de novo. De vez.
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