Uma outra Mensagem de Ação de Graças

Lá em abril, quando ainda pensávamos que o isolamento e a pandemia durariam pouco tempo, agradeci a um grupo de pessoas que estavam fazendo uma diferença danada na minha vida:  os artistas.

Com o ano acabando, é preciso reforçar o agradecimento.  Sem a galera da música, do cinema, da literatura, teria sido muito mais difícil enfrentar esse ano em que cada dia era uma mistura de um cruzcredo com um deusmelivre diferente.

Obrigado ao Elton John, à Clara Nunes, ao Chico Buarque, minha santíssima trindade.

Obrigado ao Sam Mendes, ao Bong Joon-ho, ao Galder Gaztelu-Urrutia, ao Hayao Miyazaki, ao Zuza Homem de Melo, ao Charles Gavin. 

Obrigado ao Douglas Germano que me lembra que quero danças sobre as ruínas dos reinos da escuridão. Obrigado ao Diante do Trono que responde dizendo que eu vou dançar sobre toda dor. E obrigado ao Dire Straits que me lembra que deve haver riso depois da dor, deve haver sol depois da chuva.

Obrigado à Legião Urbana que me faz perguntar se será que é tudo isso em vão, se será que vamos conseguir vencer, e obrigado à Beatrice Martin que responde que se o dia não chega para os que temem na noite, conte comigo para que choremos juntos. E obrigado à Clara Nunes, que lembra que não importam essas lágrimas, às vezes faz bem chorar.

Obrigado ao Milton Nascimento que reforça que é preciso ter força, é preciso ter raça. Obrigado ao Terno, que lembra que se tudo se transforma, tudo passa nesse mundo. E obrigado ao Criolo que compartilha meus medos quando diz que solidão é um veneno, convoque seu Buda, o clima tá tenso.

E mesmo em tempo de distanciamento, obrigado Chico Buarque por lembrar que quando te der saudade de mim, basta dar um suspiro que eu vou ligeiro te consolar. Obrigado Carole King por lembrar que quando nada estiver dando certo, feche os olhos e pense em mim que logo estarei aí. E obrigado Sérgio Sampaio que compartilha da vontade de querer botar meu bloco na rua.

Por conta dos que fazem pouco caso do que estamos passando, obrigado ao Cazuza por nos lembrar que é preciso pedir piedade pra essa gente careta e covarde. E obrigado ao Rival Sons por lembrar que meu amor é maior que seu ódio, minha fé é maior que sua dúvida, minha gargalhada é mais alta que sua gritaria, e que minha dança é mais bela que sua marcha.

Finalmente, obrigado à Flávia Wenceslau, por transformar em melodia meu desejo às pessoas artistas, ao dizer que te desejo vida, longa vida, te desejo a sorte de tudo que é bom, te desejo a chuva na varanda molhando a roseira pra desabrochar, e dias de sol pra fazer os teus planos nas coisas mais simples que se imaginar.

Artistas, mais do que nunca, indispensáveis.

Que em 2021...

 

Elton John ao Vivo, em cd

Ao longo de sua carreira, Elton John lançou muitos discos gravados ao vivo. A maioria deles são edições limitadas ou especiais, disponíveis apenas através de parcerias com produtoras, em relançamentos de discos clássicos ou para associados do site oficial. Entretanto, quatro deles contam como parte de sua discografia dita oficial, como discos de carreira. 

O primeiro deles foi 17-11-70, lançado no início de 1971. 

No início da carreira, Elton John fez diversas apresentações ao vivo em estações de rádio. Como era de se esperar, essas apresentações começaram a ser gravadas e vendidas como bootlegs. De olho nesse mercado, a gravadora colocou nas lojas um lançamento oficial de uma dessas apresentações, justamente a que foi feita no dia que dá título ao disco. Em 17 de novembro de 1970 Elton John se apresentou na rádio WABC-FM junto com o baterista Nigel Olsson e o baixista Dee Murray. 

Se você viu o filme Rocketman, provavelmente se lembra dos shows no Troubadour, os primeiros de Elton John nos Estados Unidos. O registro presente nesse disco retrata bem o que as pessoas viram nestas apresentações: um trio piano-baixo-bateria esmerilhando canções que originalmente tinham um peso orquestral muito grande. (Detalhe: o filme retrata a banda no Troubadour como um quarteto, o que não aconteceu, mas isso é papo pra outra hora) 

No setlist da apresentação estão músicas de três dos seus quatro primeiros discos (sendo que um deles ainda não tinha sido lançado), além de algumas músicas que Elton John tinha lançado apenas em singles antes de lançar seu primeiro disco, e alguns covers. O disco não traz todas as músicas: apenas seis de treze. 

Este disco foi lançado no Brasil com o nome de Honky Tonk Woman e tinha uma capa diferente, avermelhada. Nos anos 1990 ele teve um relançamento com uma faixa bônus, e em 2017 uma edição especial em vinil foi lançada como parte do Record Store Day, e trazia todo o setlist da apresentação. Não há notícias de planos para lançar essa edição completa em CD ou streaming. Sixty Years On é minha faixa favorita. 

Se você quer entender porque Elton John foi ovacionado pelos críticos no início de sua carreira, comece por aqui. 

 

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O segundo disco se chama Here and There, e foi lançado em 1976, como forma de cumprir o contrato de Elton John com sua gravadora, que o obrigava a lançar mais um disco nesse ano. 

Esse disco dá uma mostra de Elton John no auge do sucesso, em dois shows realizados em 1974. O lado A, o Here do nome, é o registro de um show na Inglaterra, com a presença da realeza, e por isso mesmo um pouco mais contido. Já o lado B, o There, é o registro de um show nos Estados Unidos, e mostra uma banda incendiada em cima do palco. 

O show dos Estados Unidos contou com a participação especial de John Lennon. Entretanto, as gravações das três músicas que eles cantaram juntos não estavam no LP original. Foi só na década de 1990, quando o disco foi relançado em forma de CD e recebeu um tratamento especial, transformando-se em CD duplo, que elas viram a luz do dia. Nesta edição vitaminada, cada apresentação passou a ocupar um CD, aumentando o número de faixas de dez para 25. É ela que você encontra nas plataformas de streaming. 

Essas apresentações mostram o quanto Elton John era popular e parecia ter o toque de Midas, podendo se dar ao luxo de ter um solo de apito de chamar pato em Honky Cat que ninguém reclamava. As faixas recomendadas aqui são as três que tem a participação de John Lennon: Whatever Gets You Thru the Night, Lucy in the Sky with Diamonds e I Saw Her Standing There. 

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O terceiro deles é o Live in Australia with the Melbourn Symphony Orchestra. Como o nome deixa explícito, Elton John e banda dividiram o palco com uma orquestra, e gravaram em condições dramáticas, evidenciadas pela voz rouca que se ouve no registro. Elton John tinha nódulos nas cordas vocais e foi submetido a uma cirurgia pouco tempo depois do último show. Havia a suspeita de que fosse um câncer maligno e de que a cirurgia poderia acabar com a sua capacidade de cantar. Felizmente, como a história mostra, tudo correu bem. 

Numa turnê que durou cerca de um mês, os shows eram divididos em duas partes. Na primeira tocavam apenas Elton e a banda, e na segunda parte a orquestra entrava em cena. O repertório dessa segunda parte contava com algumas músicas do seu segundo disco, que tinha um grande trabalho de orquestração, e cujos arranjos foram retrabalhados para as apresentações. 

Nos anos 80, foi lançado também em VHS e até hoje não recebeu lançamento oficial em outra mídia. Em 2020, durante o período da pandemia de covid, ele foi exibido no canal do Elton John no YouTube, como parte da Classic Concert Series, que exibiu seis de seus shows ao longo de seis semanas. 

Foi esse VHS, a propósito, que me fez endoidar de vez com a música do Elton John e nunca mais largar. Não à toa, dos quatro discos esse é o meu favorito com larga vantagem. O cd já foi relançado remasterizado, mas nunca contou com o repertório completo. Have Mercy on the Criminal é um dos pontos altos da apresentação. 

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Por fim, temos One Night Only, gravado e lançado no final do ano 2000. 

Aqui temos um artista maduro, terminando de surfar sua última onda de popularidade e relevância no cenário musical. Não que Elton John tenha caído no ostracismo depois disso, mas já não tinha mais a relevância que conseguia ter até meados dos anos 90. 

O objetivo do show foi de gravar uma coletânea de sucessos ao vivo, e não há dúvidas que atingiram seu objetivo. Enquanto recebe alguns convidados aqui e ali, Elton John desfila hit em cima hit, com tempo ainda de incluir um single que não fez sucesso e um cover dos Beatles. O DVD que foi lançado tem o show completo, e o CD traz quinze músicas, fazendo justiça ao nome de "greatest hits". 

Um fato importante desta gravação é o retorno de Nigel Olsson à bateria, posto do qual estava afastado havia muitos anos. Essa apresentação também fez parte da Classic Concert Series, apresentada no YouTube. 

Dos quatro, talvez seja o disco que eu menos ouça. Um destaque do disco é Rocket Man, mas não dá pra deixar de citar a rara aparição de Don't Go Breaking My Heart, num dueto com a Kiki Dee, que participou da gravação original. 

Aí embaixo vai uma playlist com faixas dos quatro discos. Pouco mais de sessenta minutos pra você entender porque Elton John também é rock'n'roll. Ouça com o volume lá em cima.

A reportagem que me apresentou Chrono Trigger

Já escrevi sobre Chrono Trigger algumas vezes aqui no blog.  Já falei de como conheci o jogo, já falei de série em quadrinhos baseada nele.  Já até gravei uma música!  

Mas nunca tinha trazido pra cá a reportagem que me apresentou o jogo.  Daí que graças ao avanço tecnológico e à existência da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, eu consegui encontrar a matéria onde vi pela primeira vez uma imagem do jogo e que plantou a semente que nos trouxe até este parágrafo.

Taí a imagem da matéria, que foi publicada em 22/10/1995 no caderno Planeta Globo.  Dei uma editada marota pra botar a imagem colorida do personagem principal no lugar a imagem em preto e branco que está nos arquivos da Biblioteca Nacional.




Fragmentos (ou... Meu Passeio Sensível)

Na disciplina de Pesquisa e Prática de Ensino III, no curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual na UFF, o professor Valter Filé nos pediu para apresentar nossos fragmentos. Dito assim mesmo, quase solto, sem muita clareza sobre o que seriam nossos fragmentos.

Nas conversas que se seguiram nas aulas, entendemos que os fragmentos eram as coisas que a gente carregava com a gente porque tinham marcado nossas vidas de uma forma ou de outra. Ou coisas que seriam de suporte para nossos pensamentos em relação à educação. Continuou solto, mas entendemos melhor. Uma colega de turma tentou batizar: apresentar nossos fragmentos era convidar os colegas de turma em nosso passeio sensível.

Escrevi um texto para a aula, para apresentar meus fragmentos, e trago o texto pra cá. 


* * * 

 

No início de 2014, estreou no Fantástico a série Educação.doc, com episódios curtos de oito minutos cada um. Pouco tempo depois, ela se transformou em uma série de cinco programas de pouco menos de meia hora cada, exibidos na tv paga. No final do ano já estava disponível oficialmente no YouTube, dado o tamanho da repercussão.

Dirigida por Luiz e Laís Bolognesi, Educação.doc busca responder uma pergunta simples, porém complexa: é possível termos uma escola pública de qualidade no Brasil? Pra isso, percorreram o Brasil pra mostrar iniciativas que tentam responder um sonoro sim a essa pergunta.

Somando os cinco episódios, a série tem a duração de pouco mais de duas horas. No início do segundo episódio, um professor dá um depoimento que dura pouco mais de quatro minutos. Falando em números exatos, a série dura sete mil, cento e quarenta e dois segundos, o depoimento dura duzentos e setenta e três. Um pequeno fragmento do todo.

O meu fragmento. 

O depoimento é do professor Tião Rocha, e ele conta sobre seu relacionamento com um de seus alunos. Ele narra como esse aluno era dedicado e interessado, lia tudo o que tinha que ler e mais, chegava na aula e fazia muitas perguntas, questionava, levava as discussões sempre além do planejado pra aula. Até que um dia Tião chega na escola e recebe a notícia de que o aluno tinha morrido.

Chegando no velório, foi conversar com os pais do aluno e descobriu que ele tinha se matado. Perguntando se eles sabiam o motivo, recebeu a pergunta de volta. Os pais contaram que imaginavam que Tião saberia a resposta, dada a adoração do garoto por ele.

Tião Rocha diz que não fazia ideia dos motivos que levaram o aluno ao suicídio, mas intui que ele provavelmente deu dicas de que estaria disposto a isso. Conclui, então, dizendo que esse acontecimento mudou os rumos de sua atuação como professor. A partir dali, passou a dar muito mais atenção à história e à vida de seus alunos.

O depoimento de Tião Rocha, por si só, já é suficiente pra dar o que pensar. Mas eu quero ir um pouco mais além com ele.

Quando observamos as coisas mais de perto, mesmo as mais pequenas, podemos ver que são feitas de fragmentos ainda menores. E observando bem de perto o meu fragmento encontro outros fragmentos que são ecos de outras coisas que já encontrei ao longo da vida. Alguns desses ecos têm a ver com o depoimento de Tião Rocha, outros não.

São esses outros fragmentos que compartilho aqui.

 

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"Eu parava tudo pra ir estudar: 'deixa eu ir ler porque amanhã ele vai me argumentar' "


 

Ainda nos primeiros parágrafos de Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire afirma que quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. O depoimento de Tião Rocha é prova concreta disso. 

 

 

 


 * * *


"Ele leu os livros que eu li, mas também leu livros que eu não pedi"

 

O segundo ponto que me chama a atenção é quando ele fala da forma com que o aluno se relacionava com a disciplina.

Desde que comecei o curso de Cinema e Audiovisual na UFF, em 2017, tenho sido levado a fazer algo que não fazia com frequência: ler textos difíceis e densos. Foucault, Jacques Aumont, Gilles Deleuze, Sergei Eisenstein, Jacques Rancière, e por aí vai. Desde o início, achei muito difícil ler a maioria deles, na maioria das vezes com uma redação diferente das quais estou acostumado, pantanosos e viscosos. Já conversei com alguns professores e colegas de curso sobre isso mas nunca consegui descobrir uma maneira de melhorar minha relação com estes textos.

Com o passar dos anos no curso fui aprendendo a melhorar essa relação, e esse aluno do professor Tião me serve como um guia quando empaco: é preciso buscar outras referências. Se o texto é complicado, é preciso buscar outras perspectivas, outras referências, comer pelas beiradas.

Mas há uma segunda lição aqui: o aluno tem tomar as rédeas da própria educação, e deixar de ser um agente passivo que apenas aceita o que vem do professor ou da instituição.

 

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"Ele deve ter me dito inúmeras vezes: Tião, tô indo!"

Numa época em que todos estão atrás de mais e mais curtidas e likes e compartilhamentos, estamos ficando doentes. E qual seria o caminho para a salvação? O cuidado com o outro, responde o autor Alex Castro, em seu livro Atenção., que foi lançado em 2019.

Sabendo do seu narcisismo, do seu egoísmo e de todos os demais defeitos que vêm no lastro deles, Alex desenvolveu uma série de práticas para si mesmo, de formas de dar atenção aos outros. Em Atenção. ele apresenta essas práticas, junto a reflexões diversas. Ao invés de auto-ajuda, ele propõe a outro-ajuda.


Ele afirma: "no nosso dia a dia, temos poucas oportunidades práticas de ativamente não estuprar e não roubar, não torturar e não cometer genocídio. Não matar não é uma decisão consciente que tomo todo dia e da qual posso ter orgulho. (...) Mas e se o mal for a falta de atenção? (...) Talvez o mal seja um honesto pai de família que não enxerga nada à sua volta, que não vê a esposa insatisfeita e desesperada, as filhas confusas e autodestrutivas, a sócia abrindo a garrafa de uísque cada vez mais cedo."

Eu acrescento: talvez o mal seja o professor com excelente didática cujos alunos tiram nota máxima no Enem, mas que não percebe o silêncio incomum do aluno nota 10. 

 

* * *

 

"Eu tava tão entretido, tão preocupado em ser professor" 

Em um depoimento para A Casa do Saber, Clóvis de Barros Filho apresenta sua costumeira boa vontade para dar aula. Diz ele: "eu adoro o que eu digo, eu me encanto com o que eu falo, é impressionante como eu entendo quando eu mesmo explico. E aí então eu me pego em cima de mesa gritando".

Nesse depoimento, Clóvis fala da flutuação de nossa disponibilidade de energia para a vida. Ele parte de como acordamos sem ânimo ("se você compartilha o leito com alguém que acorda cantando, livre-se, porque são pessoas do mal, uma pessoa do bem não pode acordar cantando"), passa por seu amor por dar aula e chega à fragilidade dessa energia ("entra a secretária do departamento, e anuncia que os outros professores estão reclamando que eu grito muito: a minha potência de agir despenca").

Clóvis não deixa nenhuma lição, o objetivo dele não é esse. Mas eu tiro as minhas. A primeira é lembrar que a disposição pra vida não é uma questão de ser, mas de estar. 

A segunda surge justamente por este fragmento ser uma continuação direta do anterior: quando estamos entretidos com nós mesmos, não tem como prestar atenção no outro. 

 

* * *

 

"Eu não tive tempo de aprender a história dele" 

A querida youtuber e filósofa Jout Jout explanou lá em 2014: tá todo mundo mal. Ou, como ela deixou explícito: 

E olha que ela nem imaginava o mundo em que estaríamos vivendo em 2020!

Nesse vídeo com alto teor de utilidade pública, Jout Jout mostra o quanto as redes sociais são um filtro que distorce a realidade, nos fazendo acreditar que a vida é um mar de rosas, principalmente a vida dos outros.

É preciso ter a consciência de que todos nós carregamos nossos fardos e convivemos com os nossos demônios (ou, como cantou Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é). Tendo essa consciência, somos capazes de ter sempre em mente duas coisas importantes em relação às pessoas com quem convivemos.

Primeiro, seremos capazes de entender que o comportamento das pessoas sofre com a influência negativa constante desses fardos. Além disso, teremos sempre em mente que mesmo as pessoas positivas, sempre de bom humor e boa disposição, também têm seus problemas e podem estar precisando de ajuda. 

 

* * *

 

"Ele tá me acompanhando, aonde eu vou ele tá comigo" 

A morte trágica e inesperada do seu aluno leva Tião à reflexão de que é preciso dar mais valor às pessoas. Essa é uma reação comum de todos nós depois da morte de alguém. E é sobre isso que trata o livro Por Um Fio, do médico Dráuzio Varella.

Durante os anos em que trabalhou no tratamento de pacientes com câncer, Dráuzio acumulou histórias de como as pessoas reagiam com a proximidade da morte. Por Um Fio é uma coleção dessas histórias. São histórias de cura ou não, com finais felizes ou tristes. Não necessariamente respectivamente, diga-se de passagem.

Narrando essas histórias, ele chega à conclusão de que a morte ou quase-morte nos leva a um estado de espírito onde estamos motivados a aproveitar a vida, quando entendemos que temos que dar atenção às pessoas, temos que fazer o que gostamos. É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há. Não é assim que funciona?

E Dráuzio nos leva então ao questionamento: será que é possível, através de um esforço consciente, alcançarmos este estado de espírito e revisão radical de valores sem que seja preciso passar por momentos de dor e privação?

Pode parecer que sim, mas a rotina acaba por nos deixar acomodados e manter este estado de espírito torna-se um exercício hercúleo. É difícil parar para prestar atenção aos detalhes da vida quando tudo à nossa volta exige agilidade e respostas imediatas. Não é tarefa fácil fazer disso um hábito, mas cabe a nós mesmo exercitar esta atitude ao longo da vida.

Tenho uma receita pra mim. De vez em quando, me faço uma pergunta semelhante: se eu sofresse alguma experiência traumática hoje, eu me arrependeria de como estou vivendo a minha vida? Quando a resposta é sim, é hora de mudar.

 

* * *

 

Por fim, já que estou falando de morte, aquela que chega no fim, não posso deixar de encerrar citando a letra de As Horas, música de Oswaldo Montenegro. 

 


Tem horas que dói um pouco 

Tem horas que dói demais 

Tem horas que dói pra sempre 

Tem horas que dói em paz

Michael, Uma de Cada Disco

Uma música de cada disco do Michael Jackson, porque quem é rei nunca perde a majestade.


Got to Be There:  Ain't No Sunshine
Ben:  Ben

Music & Me:  Music and Me
Forever Michael:  One Day in Your Life
Off the Wall:  She's Out of My Life
Thriller:  Human Nature
Bad:  Smooth Criminal

Dangerous:  Keep the Faith
History:  Earth Song
Blood on the Dance Floor:  Is it Scary
Invincible:  Speechless

Michael:  Behind the Mask
XScape:  Love Never Felt So Good

Elton, Uma de Cada Disco

Uma música de cada disco do Elton John, porque nunca é demais falar do velho.


Empty Sky:  Western Ford Gateway
Elton John:  Sixty Years On
Tumbleweed Connection:  Where To Now, St. Peter?
Madman Across the Water:  Indian Sunset
Honky Chateau:  Amy
Don't Shoot Me I'm Only the Piano Player:  Have Mercy on the Criminal
Goodbye Yellow Brick Road:  I've Seen that Movie Too
Caribou:  Don't Let the Sun Go Down on Me
Captain Fantastic:  Someone Saved My Life Tonight
Rock of the Westies:  Feed Me
Blue Moves:  Tonight
A Single Man:  Song for Guy
Victim of Love:  Street Boogie
21 at 33:  Two Rooms at the End of the World
The Fox:  Heart in the Right Place
Jump Up!:  Empty Garden
Too Low for Zero:  I Guess That's Why They Call it the Blues
Breaking Hearts:  Burning Buildings
Ice on Fire:  This Town
Leather Jackets:  Heartache All Over the World
Reg Strikes Back:  I Don't Wanna Go On with You Like That
Sleeping with the Past:  I Never Knew Her Name
The One:  The One
Duets:  I'm Your Puppet
Made in England:  Believe
The Big Picture:  Live Like Horses
Songs from the West Coast:  The Wasteland
Peachtree Road:  I Can't Keep This From You
The Captain and the Kid:  The Bridge
The Union:  Hey Ahab
The Diving Board:  Mexican Vacation
Wonderful Crazy Night:  I've Got 2 Wings

Clara, Uma de Cada Disco


Uma seleção de uma música de cada disco de estúdio da Clara Nunes.  Porque sim, porque nunca é demais espalhar o canto da guerreira.

 

A Voz Adorável de Clara Nunes: De Vez em Quando
Você Passa eu Acho Graça: Sabiá
A Beleza que Canta: Casinha Pequenina
Clara Nunes (1971): Ê Baiana
Clara, Clarice, Clara: Alvorada
 
Clara Nunes (1973): É Doce Morrer no Mar
Alvorecer: Conto de Areia
Claridade: A Deusa dos Orixás
 
Canto das Três Raças: Basta um Dia
As Forças da Natureza: À Flor da Pele
Guerreira: Guerreira
Esperança: Feira de Mangaio
Brasil Mestiço: Última Morada
 
Clara: Portela na Avenida
Nação: Nação

Chico, Uma de Cada Disco

Uma seleção de uma música de cada disco de estúdio do Chico Buarque.  Porque sim, porque nunca é demais espalhar a palavra do senhor.


Chico Buarque de Hollanda:  A Rita
Chico Buarque de Hollanda, Volume 2: Quem te Viu, Que te Vê
Chico Buarque de Hollanda, Volume 3: Roda Viva
Chico Buarque de Hollanda N.º 4: Rosa dos Ventos
Construção:  Valsinha
Chico Canta - Calabar:  Fado Tropical
Sinal Fechado:  Sem Compromisso
Meus Caros Amigos:  O que Será?
Chico Buarque (1978):  Cálice
Vida:  Morena de Angola
Almanaque:  A Voz do Dono e o Dono da Voz
Chico Buarque (1984):  Vai Passar
Francisco:  Estação Derradeira
Chico Buarque (1989):  Baticum
Paratodos:  Biscate
As Cidades:  Injuriado
Carioca:  Subúrbio
Chico:  Sinhá
Caravanas:  As Caravanas

Sobre Minha Coleção de Discos

Já deve ter uns dez anos que acompanho o site Collector's Room.  O trabalho do Ricardo é pra mim uma fonte importantíssima de recomendações de boas bandas e artistas.  Foi graças a ele que conheci gente boa como Rival Sons, Joe Bonamassa, Beth Hart e The Temperance Movement.

Há uns meses, o canal dele no YouTube andou publicando algumas entrevistas com colecionadores de discos.  Algumas foram interessantes, outras nem tanto.  E aí, considerando que também tenho minha coleção, resolvi responder por aqui as perguntas que ele faz aos seus convidados.

Qual o seu primeiro disco?


Esta aqui tem duas respostas.  A primeira é em relação a um disco que considero o primeiro simplesmente porque foi o primeiro que tive na vida, que ganhei ainda criança, muito antes de começar a ganhar meu próprio dinheiro e comprar meus discos.  Curiosamente, quando pensei na resposta, estava com um disco em mente, mas ao dar uma olhada na pilha de vinis vi que não era ele o primeiro. Eu estava pensando na trilha sonora nacional da novela Que Rei Sou Eu?, que ganhei de uma prima ao ir passear com ela num shopping no Rio de Janeiro, mas vi que o primeiro na verdade foi o Karaokê da Xuxa.  Eu tinha sete anos, não me julguem. Lembro até de não gostar muito do disco porque não tinha a Xuxa cantando.  Eu não sabia o que era um Karaokê.  Tenho ambos até hoje.

A segunda resposta à pergunta é em relação ao primeiro cd que comprei com o meu dinheiro, depois que comecei a trabalhar.  E são dois discos, porque foi a primeira edição de uma daquelas coleções de discos que abarrotavam as bancas de jornal nos anos noventa.  Os Grandes da MPB era a coleção, e essa primeira edição trazia um disco do Caetano Veloso e um disco da Elis Regina.  Não os ouço com tanta frequência, claro, mas ambos são alvos de um carinho nostálgico especial.

Taí, na pergunta que era pra citar um disco, citei quatro.

 
O que você está ouvindo agora?

De discos lançados recentemente, tenho ouvido bastante Captured Spirits, do Mammal Hands, In Person From the High Desert, do Nick Waterhouse, e Holy Moly!, do Blues Pills

E tenho ouvido muito também um disco que já foi lançado há alguns anos mas que só recentemente fui saber da sua existência:  Virginia Rosa Canta Clara, gravado em homenagem a Clara Nunes.  Simplesmente magnífico, um disco que sei que vai me acompanhar por muitos meses. É o único que tenho na coleção.

E se for pra responder a pergunta de forma literal, ela foi respondida ao som da Katie Melua.



Qual item você mais curte na sua coleção?


Essa é fácil:  o vinil da trilha sonora original de The Lion King, autografado pelo Elton John.  Foi a trilha do filme que me apresentou à obra do Elton, e conseguir o autógrafo dele foi um prêmio daqueles.  Tanto que o vinil decora minha sala.


Quantos itens você tem na coleção?

Tenho cerca de 340 cds, uns 40 vinis, contando lps e compactos, uns 20 dvds e uns poucos livros relacionados a música.


De qual banda você tem mais discos?

A discografia do Elton John lidera fácil.  São cerca de 100 itens.  Depois vem o Chico Buarque, de quem eu tenho 26 discos.


Onde você guarda os seus discos?

Os vinis ficam guardados na gaveta de uma cômoda.  Já os cds ficam num rack planejado, feito sob encomenda.  Procuramos por muitas ideias na internet até encontrar o formato que adotamos.  Ele é bom porque permite ter um móvel fundo, com duas filas de discos, mas de uma forma em que não seja difícil acessar a segunda fila.  Além disso, como ele é todo fechado, não há o problema da poeira acumular com facilidade.


Mostre um item autografado


Além do vinil que já mencionei antes, autografado pelo Elton John, tenho dois cds rabiscados:  o autointitulado da Olivia Byington e o Casa da Lua Cheia, do Cláudio Nucci.


Qual foi o último disco que você comprou?

Foi o Chico Buarque de Hollanda N.o 4, há coisa de dois, três meses.

Como eu ando comprando poucos discos, acho que vale puxar o assunto aqui, mesmo que superficialmente.  Meu ritmo de compra de discos diminuiu bastante nos últimos anos por três motivos.  O primeiro é o streaming.  Simplesmente deixou de fazer sentido comprar muitos discos depois que as plataformas facilitaram o acesso a discografias completas. O outros dois estão intimamente ligados:  o aumento violento no preço dos discos e o desaparecimento das lojas.  Já faz um ano que estou tentando comprar a trilha sonora de Rocketman, a cinebiografia do Elton John, e não consigo.  Quando consigo encontrar, o preço é absurdo.


Qual o melhor disco de todos os tempos?
 
Dane-se, vou citar dois.  De um lado, Goodbye Yellow Brick Road do Elton John, e do outro Construção do Chico Buarque.  Não vale a pena gastar nosso tempo explicando os motivos.

 
Uma dica de álbum.

Fica a dica pra ouvir My Finnish Calendar, do pianista finlandês IIro Rantala, lançado no ano passado.  Muito bom da primeira à última música, com destaque especial pra música May.

Da série "Cenas do Cotidiano"

Ou... "o diabo mora nos detalhes" 

Ou... "preconceito nas entrelinhas" 

Ou... "dos mesmos criadores de 'não sou racista, mas...'"

Rua movimentada, o pedreiro chega de carro e não consegue uma vaga pra estacionar.

Alguém que estava por perto comenta:

Também, pedreiro querendo andar de carro!  Porque não veio de bicicleta?

Elton John: 50 anos da decolagem

Troubadour / Elton, Nigel e Dee / 17-11-70

 

Se você viu o filme Rocketman, cinebiografia do Elton John, deve lembrar da cena que retrata sua estreia da casa de shows Troubadour, na Califórnia. Ao som de Crocodile Rock, ele e a plateia flutuam, numa representação visual bem literal de que sua carreira começava, ali, a decolar. 

Hoje, 25 de agosto, é o aniversário de cinquenta anos daquela primeira apresentação. 

E se a cena do filme tem algumas diferenças em relação do que aconteceu naquele dia (a banda ainda não contava com um guitarrista e Crocodile Rock só seria composta dali a dois anos), uma coisa ela acerta em cheio: realmente, foi ali que a carreira do Elton John engatou.

Uma plateia recheada de gente famosa, alguns ídolos do próprio Elton, como o Leon Russell, e críticas animadas no dia seguinte (Rejoice!) foram o suficiente pra que ele entrasse definitivamente na rota do estrelato.

Para ter uma noção do que foi aquela apresentação, fica a dica para escutar o disco 17-11-70, que é o registro de uma apresentação ao vivo, a partir do estúdio de uma rádio. Essa gravação mostra como eram os shows do Elton John até então, quando sua banda era apenas um trio piano-baixo-bateria. Tem músicas dos seus três primeiros discos e alguns covers, e mostra o quão incendiários eles eram em cima do palco. 

Se for pra escutar apenas uma música do disco, vá de Sixty Years On, que mistura rock'n'roll e virtuosismo em doses generosas.

Definitivamente, um power trio.

Relembrando o Português

Como o dia começou eu não tenho lembranças. Minhas memórias de quando eu tinha dez anos costumam ser bem nebulosas. Mas deve ter acontecido mais ou menos assim: acordei, tomei um café e logo depois papai me levou pra casa dos coleguinhas, pronde eu tava indo quase todos os dias.

Isso já vinha acontecendo há algumas semanas, quase todo dia eu ia pra casa desses coleguinhas e passava o dia inteiro lá. E papai me buscava à tardinha. Mas nesse dia ele me buscou perto da hora do almoço.

A partir daí eu lembro de tudo.

Entramos no fusca, ele pediu para eu esperar ali, voltou na casa dos meus coleguinhas, conversou com a mãe deles e voltou. Naquele trajeto de três minutos tivemos a nossa conversa. Enquanto a gente passava embaixo do viaduto ele me perguntou se eu sabia o que era morrer. Já passando sobre a antiga ponte do trem, eu respondi.

Eu sei, pai. Eu sabia que isso ia acontecer.
Chegando ao nosso destino, quando saímos do carro, papai me avisou.

Não se assuste com o jeito que sua mãe está deitada.
Era o velório dela.

Perdeu a esposa e teve que contar pro filho. Homão da porra, esse.

À tarde, voltei pra casa dos amiguinhos.

Inflação e Gibis

No início dos anos 1990 a inflação comia solta no Brasil. Mesmo sendo criança, eu conseguia perceber os problemas que ela trazia pra nossas vidas. Tempos atrás estava na casa de um amigo e começamos a revirar uma pilha de velhos gibis que ele tem por lá. E é dessa pilha, misturado com alguns quilos de nostalgia, que saiu um ótimo exemplo de como a coisa era doida.

Juntei quatro gibis dos X-Men e tirei essa foto:



O primeiro gibi, edição 24, saiu em outubro de 1990, e custava oitenta cruzeiros.

O segundo, edição 29, que saiu cinco meses depois, em março de 1991, já custava cento e oitenta cruzeiros, um aumento de 125%.

O terceiro, edição 31, é de apenas dois meses depois, maio de 1991, e já tinha pulado pra duzentos e vinte cruzeiros, mais 22%.

O absurdo vem mesmo com o quarto, edição 47, menos um ano e meio mais tarde, setembro de 1992, ao preço de seis mil e quatrocentos cruzeiros: 2.800% de inflação.

As mudanças eram tantas que já a partir do mês seguinte os gibis não tinham mais o preço impresso na capa, mas sim um código. O preço correspondente ao código estava numa tabelinha que tinha os diversos códigos. Lembro de que chegou ao ponto em que essa tabela mudava duas vezes POR DIA. De manhã chegava uma tabela nova e no fim do dia já chegava outra.

Em julho de 1994, primeiro mês de circulação do Real, as revistas ainda seguiam o esquema de preços vinculados a códigos dessa tabela. Já no mês seguinte as revistas voltaram a ter o preço estampado na capa. No caso das revistas de super-heróis, elas custavam R$ 1,55. Em seguida, um fato inédito em muitos anos: no mês seguinte o preço baixou para R$ 1,45, permanecendo assim até o início de 1995, quando subiu para R$ 1,50.

A última edição dos anos 90 custou R$ 2,50.

Enya e a Queda do Império Romano

Logo no início de Declínio e Queda do Império Romano, Edward Gibbon descreve como o Império invadiu a província da Britânia. Diz ele:

"Nem a coragem de Carátaco, nem o desespero de Boadiceia, nem o fanatismo dos druidas puderam evitar a escravização de seu país ou resistir ao firme avanço dos generais do Império."

Numa nota de rodapé falando de Boadiceia, o tradutor complementa:

"Rainha britânica dos icenos, tribo da região de Norfolk, que chefiou a revolta contra os romanos e se envenenou em 62 d.C., ao saber-se derrotada por eles."

Reconheci o nome, lembrando que o primeiro disco da Enya, chamado The Celts, tem uma música com esse nome. Instrumental e contando apenas com algumas vocalizações da cantora, é descrita desta forma no encarte do disco: (tradução minha)

"Boadicea, ou Boudicea, cujo nome significa vitoriosa, foi rainha da tribo dos icenos na Ânglia Leste. Ela liderou uma rebelião em 60 d.C. contra os romanos, destruindo as cidades de Colchester, St. Albans e Londres. Acabou sendo vencida pelos romanos, e ao invés de se ver humilhada por eles, se matou com veneno."

Estranho no Ninho

Abri um saco de feijão e não tinha feijão.
Quer dizer, tinha.
Mas não era 100% feijão.

Das Regras que Você Escolhe

Quando você resolve que vai jogar futebol, você tem que se adequar às regras do jogo. Ganha quem faz mais gols, onze jogadores de cada lado e ninguém pode pôr a mão na bola. Aí pergunto: faz sentido você sair do campo de futebol, ir pruma quadra de vôlei e dizer que as jogadoras estão jogando errado porque estão colocando a mão na bola? Claramente, não é sensato. As regras do futebol valem pra quem está jogando futebol, e enquanto o futebol está sendo jogado. Não há nada intrinsecamente errado em colocar a mão na bola.

Assim deveriam funcionar as religiões. Quando você se liga a uma, as regras dela devem ser um guia para a sua vida e das pessoas que compartilham dela com você. Não faz sentido cobrar das outras pessoas que elas ajam da mesma forma se elas não estão no mesmo campo.

Houve uma época em que eu via as religiões como uma jornada a ser percorrida, mas não são. A vida é a jornada. Religiões são os veículos que podem nos ajudar a percorrer o caminho. Esses veículos podem trazer segurança, ajudar a seguir em frente, a superar obstáculos, facilitar em certos trechos mais difíceis. Há quem prefira veículos grandes e espaçosos onde cabe todo mundo. Há quem prefira veículos simples que dão mais possibilidade de apreciar a paisagem. E há quem prefira ir a pé.

Dos nomes

Varíola, Icterícia, Câncer, Rubéola, Caxumba, Difteria, Gonorreia, Leucemia, Hepatite, Sarampo, Coqueluche, Sífilis, Asma, Escorbuto, Tétano, Brucelose, Catapora, Lepra.

Tanto nome de doença interessante, porque batizaram essa merda agora de covididezenove? Já nasceu datado esse nome!

Mensagem de Ação de Graças

Já há quase quatro semanas que estou sozinho em meu apartamento, por conta das recomendações de isolamento para proteção do coronavírus. Como continuo trabalhando normalmente, no início estava sendo tranquilo passar os dias sozinho, porque estava sempre em contato com companheiros de trabalho. Mas com quatro semanas a solidão está começando a cobrar o preço.

Acho necessário então dar graças em razão de uma classe de profissionais que está se mostrando super importante nesses dias tão longos.

As pessoas que produzem arte.

Muito obrigado a todas as pessoas que fazem os filmes que preenchem as horas e me permitem esquecer um pouco o medo do que está por vir. Obrigado Steven Spielberg, obrigado M. Night Shyamalan, obrigado Kleber Mendonça Filho, obrigado Marvel Studios, obrigado Fernando Meirelles, obrigado Jorge Furtado. Obrigado Tom Hanks, obrigado Sônia Braga, obrigado Sigourney Weaver, obrigado Marco Nanini.

Muito obrigado a todas as pessoas que produzem a música que acompanha ao longo de todo o dia e que me dá inspiração para seguir em frente com serenidade. Obrigado Emílio Santiago, obrigado Gal Costa, obrigado Gilberto Gil, obrigado Maria Rita, obrigado Elton John, obrigado Temperance Movement, obrigado Celine Dion, obrigado Katie Melua. Aos que continuam compartilhando sua arte na internet, obrigado: obrigado Paola Hermosin, obrigado Kara Comparetto, obrigado Johnny May, obrigado Ibi.

Obrigado ao Douglas Germano que me lembra que quero danças sobre as ruínas dos reinos da escuridão. Obrigado ao Diante do Trono que responde dizendo que eu vou dançar sobre toda dor. E obrigado ao Dire Straits que me lembra que deve haver riso depois da dor, deve haver sol depois da chuva.

Obrigado à Legião Urbana que me faz perguntar se será que é tudo isso em vão, se será que vamos conseguir vencer, e obrigado à Beatrice Martin que responde que se o dia não chega para os que temem na noite, conte comigo para que choremos juntos. E obrigado à Clara Nunes, que lembra que não importam essas lágrimas, às vezes faz bem chorar.

Obrigado ao Milton Nascimento que reforça que é preciso ter força, é preciso ter raça. Obrigado ao Terno, que lembra que se tudo se transforma, tudo passa nesse mundo. E obrigado ao Criolo que compartilha meus medos quando diz que solidão é um veneno, convoque seu Buda, o clima tá tenso.

E mesmo em tempo de distanciamento, obrigado Chico Buarque por lembrar que quando te der saudade de mim, basta dar um suspiro que eu vou ligeiro te consolar. Obrigado Carole King por lembrar que quando nada estiver dando certo, feche os olhos e pense em mim que logo estarei aí. E obrigado Sérgio Sampaio que compartilha da vontade de querer botar meu bloco na rua.

Por conta dos que fazem pouco caso do que estamos passando, obrigado ao Cazuza por nos lembrar que é preciso pedir piedade pra essa gente careta e covarde. E obrigado ao Rival Sons por lembrar que meu amor é maior que seu ódio, minha fé é maior que sua dúvida, minha gargalhada é mais alta que sua gritaria, e que minha dança é mais bela que sua marcha.

Finalmente, obrigado à Flávia Wenceslau, por transformar em melodia meu desejo às pessoas artistas, ao dizer que te desejo vida, longa vida, te desejo a sorte de tudo que é bom, te desejo a chuva na varanda molhando a roseira pra desabrochar, e dias de sol pra fazer os teus planos nas coisas mais simples que se imaginar.

Artistas, mais do que nunca, indispensáveis.

Filme: Parte de Mim - Making of

Em 2017, foi lançado o curta Parte de Mim. Fruto do trabalho em conjunto com amigos da faculdade de cinema, foi filmado em plano sequência, e exigiu ensaio pra que tudo saísse como planejado. Por trás da câmera, rolou muito trabalho pra que as coisas acontecessem na hora certa.

Por sorte, além de trabalhar como continuista, o João Pedro inventou de filmar a gravação. E como já tinha passado da hora de tirar isso do fundo do HD, aproveitei a quarentena e editei um vídeo que mostra um trecho do filme junto com as imagens de bastidores.

Infelizmente, o take que foi usado no curta não é o que aparece neste vídeo aqui, porque justamente quando a gravação principal foi aprovada, a filmagem dos bastidores não ficou boa. Este vídeo mostra, então, um take que deu errado.

Como bem disse o João Victor quando viu uma prévia, muita nostalgia ver isso aí.



Diálogos dos anos 2080

- Vovô, como você e a vovó se conheceram?
- Ah, filho, foi logo depois que acabou a primeira pandemia mundial, em 2024.

Filme: Hong Kong à Noite

Pouco antes dessa loucura do coronavírus cair sobre nossas cabeças, eu estava de férias. Revirando o guarda roupa, encontramos um velho quebra-cabeças de mil peças, que ganhei quando tinha lá meus doze, treze anos, e que nem imaginava que ainda existisse.

Então já viu, né? Férias, chuva, quebra-cabeças… partimos pra montar o brinquedo. Depois de três dias, num total de umas, sei lá, vinte horas de trabalho, lá estava ele, perfeitamente montado em cima da mesa da cozinha.

Então já viu, né? Férias, chuva, quebra-cabeças montado… parti pra fazer um filme em stop motion. Posicionei a câmera no melhor ângulo possível e iniciei a jornada de tirar foto, tirar uma peça, tirar foto, tirar uma peça…

Duas horas e meia de um longo e cansativo trabalho depois, tinha todas as 1010 fotos prontas para a edição. Sim, 1010 porque na verdade ele tem 1008 peças (28 x 36), mais as fotos da mesa vazia e das peças misturadas.

Faltava só a edição, que acabou sendo facilitada pelo tempo de quarentena a que estamos sujeitos nestes últimos dias.

Taí o quebra-cabeças Hong Kong à Noite, surgindo do vazio e se montando sozinho.

Arte: Afirmações e Questionamentos

Durante o segundo semestre de 2019, cursei a disciplina Sociologia da Cultura I, com o professor Jorge de La Barre. O que segue abaixo é um artigo que escrevi para a disciplina.

***

Depois de termos assistido ao filme Verdades e Mentiras (Verités et Mensonges, Orson Welles, 1973), iniciamos uma discussão em sala de aula acerca da veracidade e do valor das obras de arte. A partir dessa discussão, tivemos a oportunidade de elaborar perguntas e propostas baseadas no que tinha sido conversado. Busco neste artigo elaborar minhas ideias em torno das cinco propostas e duas perguntas sugeridas. Elas aparecem aqui na ordem em que as anotei, não na ordem em que foram feitas durante a aula. Abordo primeiro quatro das cinco propostas, em seguida as duas perguntas, e por fim uma última proposta, sobre a qual me debruço com mais detalhamento.

A primeira proposta foi "a arte deve ser real." A princípio acho esse um ponto complicado de elaborar, porque depende muito de qual é o entendimento sobre "ser real." O que é "ser real?" Se partirmos de um ponto de vista de que o que é real é aquilo que pode ser tocado fisicamente, a proposta é excludente, pois deixa de fora a música. Esticando um pouco o entendimento sobre tocar fisicamente, isso pode deixar também de fora o cinema. Portanto, não acredito que o ponto de vista acerca da realidade da arte seja este.

Outra possibilidade de interpretação da realidade da arte pode dizer respeito à autenticidade da obra de arte. Levando em consideração que o filme que vimos retrata um falsificador de pinturas, acredito que esta tenha sido a intenção da pessoa que fez esta proposta. Sob este ponto de vista, sou levado a concordar com a proposta. Se um artista desenvolve uma técnica ou um estilo de trabalho, e outra pessoa busca fazer cópias de suas obras, claramente há uma irrealidade nessas cópias.

E isso me leva a um terceiro entendimento possível sobre a realidade da obra de arte, que tem a ver com a sua intencionalidade, e está intimamente associado ao segundo entendimento. Mesmo que uma obra não seja propriamente uma falsificação de outra, ela pode ser uma mera cópia da forma de fazer, e busque apenas capitalizar em cima do sucesso de outrem. Neste caso, uma obra que é apenas uma cópia que busca surfar na onda de sucesso de uma outra com certeza não pode ser chamada de arte.

A segunda proposta foi "a arte sempre foi reprodutível." Vejo duas formas de interpretar essa proposta. A primeira forma diz respeito à obra de arte como objeto físico, que sim, quase sempre pôde ser reproduzida. Uma pintura pode ser reproduzida, um livro pode ser copiado, a dança pode ser dançada por outras pessoas. Obras que não podem ser reproduzidas são exceções, como grandes esculturas, por exemplo. Em linhas gerais, entretanto, sim, a arte sempre foi reprodutível.

A segunda forma de interpretar essa proposta é em relação à sua originalidade. Quando falo aqui de originalidade, não confundir com autenticidade: estou falando de ser original em relação ao ineditismo da técnica, da forma, ou até mesmo do seu momento histórico. Ou seja, aqui estou pensando a arte não como uma obra específica, mas como forma de expressão. Sob esse ponto de vista, nem sempre a arte foi, ou é, reprodutível, como afirma a proposta.

Um exemplo brasileiro que posso citar aqui é a Tropicália. Fruto das inquietações artísticas de Caetano Veloso, Gilberto Gil e um apanhado de outros artistas, floresceu e implodiu num intervalo de meses no final da década de 1960 e marcou de forma indelével a história da música e da arte brasileira. Muito embora ainda hoje existam artistas que se inspirem e emulem de uma forma ou de outra seu estilo, pode-se dizer que a Tropicália é irreprodutível. Como forma, como movimento artístico, só poderia ter acontecido naquele momento. Tivesse acontecido uma década antes, ou uma década depois, teria causado outro impacto e teria outra estética e postura.

A terceira proposta foi "a arte causa fascínio duradouro, a cópia causa fascínio efêmero." Aqui, com base nas conversas em aula, me parece que a diferença entre arte e cópia foi entendida como a autenticidade ou não de uma obra de arte. Sob este ponto de vista, minha posição é a de concordar com a proposta.

Em seu artigo Tainted by Association, Paul Sagar examina o comportamento comum que as pessoas têm de atribuir valor a objetos de forma arbitrária, por conta de relações destes objetos com eventos do qual fizeram parte. Ele sugere, por exemplo, que uma guitarra usada por Jimi Hendrix seria muito mais valorizada do que uma outra, de mesma marca e modelo, mas que não tivesse tido um dono de renome.

Uso o mesmo raciocínio para concordar com a proposição em questão. Tendo em vista o quanto as pessoas tendem a atribuir valor ao que é original, ao que tem verdadeira associação com um artista renomado, obras de arte originais tendem a causar fascínio duradouro, enquanto que cópias têm a tendência de serem esquecidas, mesmo que apresentem as mesmas qualidades técnicas das obras originais.

Estas reflexões acerca do valor atribuído a uma obra de arte autêntica e uma cópia são extensamente discutidos no artigo Whys of Seeing, de Ellen Winner. Citando inclusive Walter Benjamin, personagem capital de nossas primeiras aulas, Ellen argumenta que "aparentemente, tratamos obras de arte como se contivessem a essência do artista, ou sua mente."

Ela destaca que, no entendimento de Benjamin, nossa resposta estética a uma obra leva em consideração a história do objeto, sua existência única, e que, portanto, uma falsificação teria uma história diferente, deixando de ter assim a "aura" possuída pela obra original. Eu acrescento duas reflexões a isso: primeiro que esse ato de levar em consideração a história do objeto para determinar nossa resposta estética pode ser, inclusive, inconsciente, fruto de uma forma internalizada de raciocinar e inteligir uma obra de arte. Segundo que não apenas a falsificação deixaria de ter a "aura" do original. Uma cópia declarada também não a teria, mesmo que não tivesse a negatividade de uma falsificação atrelada a si.

A quarta proposta foi "a reprodutibilidade é acessibilidade." Esta é mais uma proposta com a qual concordo. Por acreditar na importância da arte na vida das pessoas como força e forma de expressão, creio que quanto mais acesso as pessoas tiverem à arte, melhor. Daí que, considerando a dificuldade de acesso a obras de arte originais, sua reprodutibilidade pode torná-las mais acessíveis a um número maior de pessoas. A possibilidade de reprodução das obras é peça chave para a disseminação da arte, pois, como afirma Walter Benjamin (em A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica), é essa possibilidade de reprodução que permite à arte se emancipar de uma existência única e estática.

Tem-se que levar em consideração também de que há formas de arte que se sustentam, inclusive, sobre a ideia de reprodutibilidade, pois dependem dela para que possam ser usufruídas e disseminadas. O cinema e a música são os casos mais claros, pois sua existência sensorial só se dá no instante em que são reproduzidos. A fotografia, também, por si só já é uma reprodução.

Quanto às perguntas formuladas, a primeira delas foi "como o valor de culto e o valor de exposição mudam com o mercado?" Acredito que a resposta para esta pergunta passa pelo cruzamento de duas ideias. Primeiro, pelas reflexões feitas por Paul Sagar no artigo citado anteriormente, Tainted by Association. Segundo, pela noção de como empresas (o "mercado") podem usar a propaganda para direcionar os interesses de massa, conforme vimos no primeiro episódio da série O Século do Ego (Century of the Self, Adam Curtis, 2002).

Tomando-se de um lado o apego emocional que as pessoas têm a objetos diversos, combinado com a manipulação mercadológica (dissimulada, em maior ou menor grau), é perfeitamente possível que o valor de culto e o valor de exposição de qualquer obra de arte, ou mesmo de uma forma de arte como um todo, mudem com o tempo. Na minha opinião, essa movimentação de valores é o que se chama vulgarmente de moda.

Porém, se formos nos basear na forma com que Renato Ortiz entende o pensamento de Adorno (em A Escola de Frankfurt e a Questão da Cultura), é possível afirmar que a pergunta proposta em aula parte de uma premissa inadequada. Pela maneira com que foi formulada, podemos entender que a pergunta assume que os valores de culto e de exposição se alteram em resposta à movimentação do mercado. Entretanto, segundo Ortiz, a reação já se encontraria pré-moldada no público. Ou seja, não é que os valores de culto e de exposição mudem em resposta à movimentação do mercado, mas sim que são intencionalmente manipulados pelo mercado. É perfeitamente possível acreditar, portanto, que a pergunta real seja "como o valor de culto e de exposição mudam sob a influência e interesses do mercado?"

O segundo questionamento foi "o valor da obra se perde com o tempo?" Tendo em vista o que foi discutido em relação ao questionamento anterior, acredito que sim, o valor da obra pode se perder com o tempo. Mas não apenas isso: acredito que o valor da obra flutua com o tempo, podendo ser maior ou menor de acordo com a conjuntura de cada época.

Uma primeira causa para isso é justamente a manipulação da percepção do valor da obra pela influência e interesses do mercado. Outro ponto que acredito ter influência são as mudanças na forma de determinar o valor de uma obra. Como afirma Walter Benjamin (no já citado em A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica), a percepção humana é condicionada historicamente. Portanto, o fator determinante do valor de uma obra pode mudar com o decorrer da história. Em um momento, o que dá valor a uma obra pode ser a sua originalidade. Em outro, a fonte de valor é tão somente sua autoria. E mais adiante, o fator determinante passa a ser a sua importância histórica.

Finalmente, a última proposta foi "a reprodução pode ser arte." Do meu ponto de vista, esta proposta e seus desdobramentos estão intimamente ligados às duas primeiras propostas. Se reproduzir for meramente realizar uma cópia cujo objetivo seja capitalizar em cima dos sucessos de uma outra, então não faz muito sentido chamar a reprodução de arte.

Uma outra possibilidade de elaboração em cima dessa proposta é se partirmos do entendimento de arte como simplesmente a técnica. Peguemos como exemplo as pinturas do filme que assistimos em sala de aula. Se removermos a questão da intencionalidade e originalidade da obra da equação que determina a sua "artibilidade," e partirmos do princípio de que a pintura, como forma de arte, tem a ver apenas e tão somente com a técnica, então um quadro idêntico a um outro é, sim, arte.

Vou usar um outro exemplo para defender a ideia de que a reprodução pode ser arte, desta vez a partir da música. Em 2012 foi lançado o disco Good Morning to the Night, creditado a Elton John, músico então com pouco mais de quarenta anos de carreira, e PNAU, duo australiano de música eletrônica com poucos anos de carreira. Admirado com o trabalho da dupla, Elton John deu a eles acesso às fitas master de seus trabalhos nos anos 1970, dando a eles total liberdade de retrabalhar as músicas. O disco lançado como resultado desse trabalho não tinha nada de novo, por conter apenas samples de músicas originais do Elton John. Mas ao mesmo tempo só trazia novidades, pois desmembrou as músicas e costurou os trechos em composições novas e originais que não existiam antes. Não passavam, enfim, de reprodução, mas ao mesmo tempo eram sim uma forma de arte.

Um outro trabalho que segue essa linha é o documentário Histórias que Nosso Cinema (não) Contava (Fernanda Pessoa, 2018). Nele, a diretora Fernanda Pessoa lança mão de centenas de trechos de filmes brasileiros do gênero pornochanchada, os recorta e intercala, construindo uma nova obra que revela como esses filmes retratavam o momento político do país. Como afirma Inácio Araújo em sua crítica para o caderno ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, Histórias… "traz à luz uma história que inconscientemente se acomodou nos filmes, mas, ao mesmo tempo, histórias que não conseguimos detectar nesses filmes." Novamente, obras de arte reproduzidas que são ao mesmo tempo uma nova obra artística independente.

Encerrando o desenvolvimento de ideias sobre este assunto, acho importante referenciar a série de vídeo ensaios Everything is a Remix. Nessa série de quatro vídeos, Kirby Ferguson faz uma longa análise de como a cultura popular de massa, nascida na segunda metade do século XX, é em sua grande parte feita de reaproveitamentos e reinterpretações de conceitos e ideias anteriores. Entretanto, ao mesmo tempo em que defende a tese do reaproveitamento de ideias, não desmerece o que surge como fruto desse reaproveitamento.

Em uma entrevista para o canal Konbini, o músico francês Jean-Michel Jarre mostra estar bem alinhado com o pensamento de Kirby Ferguson, quando afirma que o sampling é uma das características fundadoras da música moderna. Ele diz que todo mundo remixa todo mundo, que Picasso remixou arte africana, que todos roubam a todos. E que no caso da música eletrônica esse chega a ser um trabalho de bricolagem.

Em uma apresentação em numa conferência TED em 2012, para ilustrar seu argumento de que tudo é um remix, Kirby apresenta diversos trabalhos de artistas que são obras anteriores retrabalhadas. Entre outros exemplos, ele cita músicas de Bob Dylan e o disco The Gray Album, de Danger Mouse. Ele afirma que o processo de copiar, transformar e recombinar é o que há por trás da criatividade.

E o que surge na esteira da criatividade, senão a arte?