Nos anos 60, quando Elton John ainda não era Elton John e lutava para conseguir trabalho como músico, um certo Leon Russell começava a fazer bastante sucesso. Leon Russell tocou em Woodstock e trabalhou nas bandas de Eric Clapton, George Harrison e Joe Cocker, só pra citar alguns dos grandes, além de ter uma sólida carreira solo.
Além de guitarrista talentoso, era pianista de mão cheia e sabia muito bem ganhar o público quando estava em cima do palco. Por conta disso, Leon Russell era o ídolo de Elton John. Eu, que já vi dezenas de entrevistas do Elton e li várias matérias e livros sobre ele, sempre o ouvi dizendo que seu grande ídolo era o Leon, influenciando seu jeito de tocar e de se apresentar.
Na segunda apresentação de Elton John nos Estados Unidos, no início dos anos 70, lá estava Leon Russell para assistir a promissora estrela. Pouco tempo depois, quando Elton John já era um grande sucesso, os dois chegaram a se apresentar juntos, com Elton abrindo os shows do Leon.
Pouco tempo depois os depois se afastaram, Elton John tornou-se o fenômeno que tomou conta da primeira metade dos anos 70 e Leon Russell afastou-se dos holofotes, sem fazer sucesso desde então, sendo esquecido pela mídia. Nunca mais se falaram.
Dando um salto no tempo, chegamos a 2008. Elton era o convidado especial de um programa de entrevistas encabeçado por Elvis Costello. Costello perguntou a Elton quem eram os seus ídolos, e o nome de Leon Russell veio à tona. Pouco tempo depois, o esposo do Elton John, David Furnish, sem conhecer nada de Leon Russell, comprou alguns de seus discos para ouvir.
Em novo salto no tempo, vamos para 2009. Elton e o esposo estão na África a passeio e um disco de Leon Russell começa a tocar no iPod de David. A saudade bateu forte e Elton John resolve ligar para Leon. Mas mesmo depois da ligação ele não se deu por satisfeito: Elton achou uma injustiça muito grande o fato de Leon ter sido esquecido, e que merecia um lugar no Rock’n’Roll Hall of Fame.
Ligou então para o produtor T Bone Burnett (que já produziu Brandi Carlile, B.B. King, Elvis Costello e Counting Crows), contou para ele toda a história que estou compartilhando aqui com vocês e perguntou se ele gostaria de produzir um disco feito por Elton e por Leon. Tendo sua resposta positiva, Leon recebeu uma nova ligação de Elton, com o convite para a gravação do disco.
Deu no que deu.
Se quiser, ouça a história como contada por Elton John em pessoa:
The Union não é um disco só de Elton John, nem só de Leon Russel, mas um disco de ambos, uma nova força musical que têm influencia dos dois e que produz algo diferente de tudo que Elton John já tenha feito. Algo como Fagner e Zeca Baleiro fizeram quando gravaram juntos.
I guess we’re not good old Yellow Brick Road anymore.
Quando minha cópia finalmente chegou, me larguei no sofá para ouvir o disco todo de cabo a rabo e, devo admitir, a primeira audição foi esquisita. Esquisita porque eu não conhecia a voz de Leon Russell, esquisita porque nunca tinha ouvido um Elton John tão gospel, esquisita porque achei que haviam poucas guitarras.
(Parêntese: tenho ouvido músicas da época em que Leon Russell fez sucesso. Lembra um pouco o rock de Raul Seixas, na voz e no estilo.)
Mas não me entendam mal. Por esquisito não quero dizer ruim. Era apenas diferente. Hoje, depois de ouvir o disco algumas dezenas de vezes, já dá pra falar sem medo que The Union pode figurar com orgulho entre os dez melhores trabalhos do Elton John, ao lado de grandes discos como Goodbye Yellow Brick Road, Songs From the West Coast e Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy.
Em todas as entrevistas que deu para falar do disco, Elton John sempre falou de Leon Russell com a reverência e o respeito característicos de fã, e isso também fica visível no disco: a primeira faixa - If It Wasn’t For Bad - fica por conta de Leon Russell, assim como a última - In the Hands of Angels.
A maior parte das músicas foi escrita a oito mãos por Elton John, Leon Russell, T Bone Burnett e Bernie Taupin (o parceiro musical de Elton John desde o início de sua carreira). Uma exceção especial à regra é a última música do disco, a já citada In the Hands of Angels, escrita e composta apenas por Leon Russell como um agradecimento a Elton John. Nos vocais, Elton e Leon trocam versos em várias músicas. Só em algumas faixas apenas um dos dois fica à frente o tempo todo. Como convidados do disco, aparecem Neil Young em Gone to Shiloh e Brian Wilson em When Love is Dying.
The Union traz grandes baladas, excelentes rocks e outras músicas que têm um quê de gospel, de jazz, de country. A última vez em que um disco de Elton John tinha vocalistas como as que trabalharam em The Union foi há mais de uma década, em The Big Picture.
Recentemente, em uma entrevista, Elton John falou que já não tem mais como competir no mundo da música pop, e seu principal interesse agora é fazer a música que gosta, sem se preocupar com paradas de sucesso. Se for para fazer mais discos como The Union, que assim o faça, porque o resultado foi fantástico.
Lá fora o disco foi lançado em quatro versões diferentes: cd normal com 14 músicas, box de cd com 16 músicas + dvd com making of, vinil e download. Comprei o box de cd + dvd e é aqui que tenho algo a reclamar do disco: primeiro pela nojenta e frágil embalagem de papelão. Custa botar tudo numa caixa de acrílico?!
Segundo porque o dvd é uma piada, com seus seis minutos de duração. Sim, isso mesmo, querida leitora, SEIS minutos. Tudo bem que ano que vem eles vão lançar a edição completa e que queriam dar só um gostinho para quem comprasse o disco, mas pera-lá, né? No site do Elton John eles disponibilizaram uma dúzia de entrevistas com o Elton e com o Leon sobre o disco nos últimos meses. Não poderiam ter incluído pelo menos estas entrevistas em alta qualidade no dvd?
(Um alerta: as lojas online nacionais anunciam o disco nacional com 16 músicas, mas ele tem só 14. Não se enganem.)
Um ponto interessante do cd, e acho que TODO cd devia ter isso por lei, é ele ter um longo texto de apresentação - 4 páginas - escrito pelo Elton John, contando a história do disco. Muito bacana mesmo, e que dá mais valor ao objeto em si. Além disso, colocando o cd computador é possível acessar um site exclusivo onde se pode baixar mais vídeos mostrando mais dos bastidores do disco (são os mesmos que eu falei que poderiam ser incluídos no dvd).
Depois de tantas audições, as minhas favoritas já estão aparecendo: If it Wasn’t for Bad, Hey Ahab, Gone to Shiloh, Hearts Have Turned to Stone, The Best Part of the Day, A Dream Come True e I Should have Sent Roses.
Se há algo a reclamar das músicas, eu acho que algumas se estendem demais no final sem muitas variações. Acho que em alguns momentos uns riffs de piano ou de guitarra soariam muito bem.
No fim das contas, The Union foi escolhido pela Rolling Stone como o terceiro melhor disco do ano e chegou ao terceiro lugar na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos (ficando entre os dez mais durante um mês). Nada mau para quem disse que não tinha mais chances de chegar às paradas de sucesso.
Pra colocar a cereja no bolo, Leon Russell acabou de ser indicado para entrar no Rock’n’Roll Hall of Fame. Missão cumprida.
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2 comentários:
Comentei dois post atrás ;)Feliz Ano Novo, com muitas bênçãos e "escritos" para vc e sua família ;)
Feliz 2011 pra você também, Priscila! Que o Senhor continue abençoando sua vida!
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