Certa vez, há muito, muito tempo atrás, Deus estava no céu, sentado em seu trono, e então chamou o seu filho mais velho para uma conversa séria.
- Sente-se aí, meu filho.
- Diga, meu pai.
- Você sabe que lá embaixo a coisa já não está andando muito bem, não é?
- Sim, senhor.
- E que já está quase na hora de as profecias se realizarem.
- Claro, pai.
- Então eu resolvi que você, como meu filho mais velho, deveria descer até lá para representar o papel de salvador da humanidade. Sabe como é, meu rapaz, desde que Eva e Adão beliscaram a maçã, o pecado tem crescido bastante por aquelas bandas, tudo obra do Lúcifer.
- E o que eu tenho que fazer como o salvador daquele povo?
- Bom, você vai passar por uns maus bocados, sabe? Primeiro de tudo, você vai nascer em uma família pobre, e pior ainda, será filho de mãe solteira. Tudo bem que vai ter um rapaz que vai assumir a paternidade, mas isso vai ser um assunto que vai gerar discussão durante pelo menos uns três mil anos.
- Ah, tudo bem, Adão e Eva aprontaram das suas há muito mais tempo e ainda estão na boca do povo.
- Mas não é só isso. Quando atingir uma certa idade, você terá que ensinar ao povo a minha verdadeira mensagem. Você levará para todos eles uma palavra de fé, esperança e redenção.
- E isso não é bom?
- A princípio parece que sim, porque as pessoas vão gostar de ouvir o que você terá para dizer, e vão gostar ainda mais das curas milagrosas que você será capaz de realizar. Mas, claro, alguns não vão ver com bons olhos os seus feitos.
- Quem são essas pessoas?
- Infelizmente serão pessoas poderosas, que vão te perseguir. Aliás, perseguir-te-ão desde o nascimento! Você vai escapar por pouco. E esta perseguição vai te trazer muito sofrimento.
- Eu não vou ter como fugir deles?
- Não, filho, não terá como fugir deles. Primeiro porque a sua grande missão não será ensinar, mas sim morrer pelos que pecam, para que eles alcancem a vida eterna. Você até tentará driblar os que desejarão te matar, mas um de seus maiores amigos irá te trair, entregando-te aos inimigos.
- Puxa, um grande amigo fará isso? Mas que Judas, hein?
- Pois é, filho. E depois que este amigo te entregar, seu sofrimento será incomparável. Você será açoitado, socado, chutado, arrastado e, por fim, crucificado.
- Que barra, hein? Tá com jeito de que eu vou sofrer mais do que o tal de Jó.
- Sim, doerá. E muito! Ou você acha que o peso dos pecados de todos os homens é leve de ser carregado? Mas não se preocupe muito com isso. Três dias depois de morrer crucificado você voltará à vida.
- Você tá dizendo que eu vou reencarnar?!
- Psss, filho, não fale essa palavra! Você não faz idéia de como ela pode gerar controvérsias entre eles lá de baixo! Basta dizer que você voltará à vida. E é aí que reside a sua verdadeira missão: só com o seu retorno à vida é que as pessoas crerão que você é meu filho, e que através de você podem chegar à salvação e à vida eterna.
- Ah, então tá bom pai. Se é pra sofrer um pouco mas para ajudar a todos eles...
- Todos eles não!! Todos eles não!!
- Como todos eles não?
- Muitos não crerão! Rios de tinta serão derramados sobre os papiros para contar a sua história, para contar a sua missão, e muitos darão testemunho de terem visto tudo o que você fizer e disser, mas ainda assim muitos deles não vão acreditar. Poderão passar dois mil anos, mas nem assim todos vão seguir as suas palavras. Muitos zombarão dos que crerem em você, e, horror dos horrores, zombarão de você! Eles vão esquecer de você e passarão a inventar outros deuses, e se curvarão diante deles!
- O senhor tá dizendo que apesar de eu me estropiar todo pra ajudá-los eles vão cagar e andar pra mim?
- Mal-falando, é isso aí.
- Ah, pai, peraí, sofrer eu até sofro, mas não agüento gente mal-agradecida.
- Mas, filho...
- Mas nada pai! Gente mal-agradecida não, eu tô fora. Pode riscar meu nome do papel de cordeiro de Deus. Vazei, ralei peito, fui.
Virou as costas e saiu. Só não bateu a porta que não havia nenhuma. Deus, sem muita opção, chamou o caçula.
- Jesus! Venha cá, meu filho...
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