Do Voluntariado na Rio 2016

Quando anunciaram que as Olimpíadas de 2016 seriam no Rio de Janeiro eu tive certeza de que iria vivê-las da forma mais intensa que pudesse. Afinal de contas, um evento desse tamanho no quintal de casa não é todo dia que acontece. No começo, minha intenção era ver o máximo de jogos possível. Mas quando descobri que havia o programa de voluntariado, descobri meu verdadeiro destino.

Em 2015 as coisas começaram a tomar forma e o cheiro dos jogos começou a pairar no ar. Em março fiz a minha inscrição no programa de voluntários. E como eu não sabia se seria escolhido, fiz o primeiro pedido de ingressos. Em junho saiu o resultado: eu tinha conseguido comprar ingressos para oito eventos diferentes.

As bandeiras na Vila Olímpica
Em agosto veio o primeiro convite para uma entrevista presencial, que aconteceu no mês seguinte. Foi uma entrevista feita junto com outros candidatos, com diversas dinâmicas de grupo, que me pareceu mais uma peneira para que eles pudessem conhecer quem eram as pessoas interessadas e descartar os despreparados logo de cara. Aqui a organização mostrou sua face desorganizada e fui convidado para esta entrevista uma segunda vez: tinham perdido meus dados acerca da primeira.

Em outubro fui pré-alocado na área de relação com comitês olímpicos (NOC Assitants) e fui convidado para uma nova entrevista, desta vez online, que aconteceu em novembro. No final do mês, a confirmação e a alegria: eu tinha sido aprovado como voluntário. A carta-convite, oficializando a aprovação, chegou em dezembro. No trabalho, agendei as férias para coincidirem com o período dos jogos.

Já em março de 2016 começaram os treinamentos online. Estes treinamentos continham informações gerais sobre os jogos, sobre a organização deles no Rio de Janeiro e sobre o trabalho do voluntário. Em abril agendei dois treinamentos presenciais específicos para minha área de atuação.

Foi aí que veio o susto: inscrição cancelada.

Como os treinamentos já estavam marcados, fui para mostrar o quanto eu estava interessado e também para tentar obter informações de como reverter a situação. Nos treinamentos, descobri o motivo do desligamento: por conta dos ingressos que havia comprado, informei ter um período menor de disponibilidade para o trabalho. Para o pessoal do NOC Assistants, este período era insuficiente. Depois de muita conversa, me falaram que eu podia informar um período maior, que incluía os dias para os quais tinha ingressos, e que tudo poderia ser resolvido. Nestes treinamentos comecei a conhecer alguns rostos que me acompanhariam durante toda a jornada.

O prédio da delegação Brasileira
Passei junho enviando emails para a Rio 2016 e pro time dos NOC Assistants, ainda sem respostas sobre meu retorno ao time. Nesse meio tempo, recebi uma segunda carta-convite, para trabalhar na área de Serviços de Eventos, aquela turma que fica ajudando o público nas arenas. Aqui a Rio 2016 mostrou um pouco mais da sua desorganização: os atendentes não conseguiam entender o meu problema para conseguir me ajudar. Só com a ajuda providencial de alguém de dentro consegui resolver minha situação. Depois de muita luta, no finalzinho do mês fui alocado de volta.

Na semana seguinte, no início de julho, tive um treinamento para conhecer o meu local de trabalho: a Vila Olímpica, na Barra da Tijuca. Um lugar gigantesco, lindo, mas ainda com muita coisa a ser feita. Foi nesta mesma semana também que retirei o meu uniforme.

Numa história paralela, em maio foi lançada uma campanha para acolhimento de voluntários que vinham de outras cidades. Eu e a esposa concordamos em receber pessoas em nosso apartamento, fizemos o cadastro e começamos a receber as mensagens dos interessados. Depois de algumas dezenas de trocas de emails, dois deles ficaram acertados de vir pra cá: um baiano e uma acreana.

Uma semana antes de começar a trabalhar nos jogos eu comecei a ajustar meus horários de sono, para poder acordar às quatro e meia da manhã sem me transformar em zumbi. Foi por esses dias que descobri que iria trabalhar com a delegação da Venezuela, e que deveria começar a trabalhar no dia 22 de julho, data da chegada deles. No dia 20 recebi uma ligação da organização, perguntando se eu poderia começar a trabalhar um dia antes, porque havia muito trabalho a fazer e eles estavam precisando de ajuda.

Lá fui eu. 21 de julho, cinco horas da manhã saindo de casa feliz para ir trabalhar na Barra da Tijuca, pela primeira vez orgulhoso de um escudo que carregava na camisa. Entrar pela primeira vez na Vila e encontrar um monte de outros voluntários animados com o que estávamos prestes a começar foi empolgante.

Como a delegação da Venezuela atrasou alguns dias, passei meus primeiros seis dias na Vila ajudando diversas delegações. Trabalhei com gente do Canadá, da China, da Bélgica, da Holanda e da Noruega. Todos muito educados e vários deles muito bem humorados, apesar de contrariados pelos problemas encontrados na Vila.

Levando as bicicletas da Holanda pro prédio

Ah, os problemas! Se os estrangeiros ficavam putos com o que encontravam, nós ficávamos envergonhados. Nos prédios em que trabalhei, muitas coisas sem terminar e muita sujeira por todos os lados. Era banheiro sendo usado como depósito de material de construção, quartos com cama faltando, apartamentos sem água, vasos entupidos, e muita, muita sujeira. Por conta deles, uma multidão foi chamada às pressas para acabar o serviço. Depois de duas semanas, as coisas melhoraram um pouco, mesmo que estivessem longe de estarem perfeitas.

Nestes dias, fiz muito trabalho pesado: quem estava chegando eram as equipes de suporte das delegações, que estava arrumando a casa para a chegada dos atletas e técnicos. Pro Canadá, descarreguei caminhão com mobília e bebidas. Pra Holanda, carreguei equipamentos do caminhão pro depósito e instalei protetores nas janelas. Pra Noruega, ajudei a arrumar o escritório e pendurei bandeiras nas varandas dos apartamentos. Cansativo sim, mas sempre com um sorriso no rosto, satisfeito de estar fazendo parte daquilo.


Na segunda semana o pessoal da Venezuela chegou e passei a trabalhar apenas com eles. Uma turma animada e simpática, muito parecidos com nós brasileiros. Tivemos alguns problemas de comunicação às vezes, porque o espanhol deles é muito difícil de entender, mas nada que uma boa dose de boa vontade não resolvesse. Basicamente, o que fiz pra eles foi ajudá-los a resolver problemas que encontravam nos apartamentos.

Com o time da Venezuela

O prédio onde a Venezuela ficou era compartilhado com as delegações do Chile, do México e da Colômbia. Ficava entre os prédios do Brasil e da Holanda, e bem perto dos prédios onde estavam a Nova Zelândia e a Espanha.

Eu não tive a oportunidade de fazer coisas que outros voluntários puderam fazer, como acompanhar os atletas às arenas de competição nem fui liberado pelos Venezuelanos para ajudar outras delegações nos dias em que não tinha nada pra fazer por lá, mas isso não foi problema, porque simplesmente estar onde estava já estava bom demais. Só nos dois últimos dias é que saí da Vila com os Venezuelanos, quando fomos ao Barra Shopping e a um grande supermercado para que eles pudessem fazer compras.

A área central da Vila.  À esquerda, o prédio da delegação francesa. 

Mesmo enquanto trabalhava para a Venezuela, a plaquinha de I Speak English pendurada na credencial era um chamariz de pessoas precisando de ajuda. Judocas tunisianas, repórteres espanhóis, voluntários ingleses... tive oportunidade de falar com o mundo todo. Mesmo fora do trabalho, bastava andar na rua com o uniforme que as pessoas vinham pedir ajuda. Foi assim que conheci russos, italianos, mexicanos, venezuelanos e egípcios.

Fazer este trabalho foi a realização de um sonho. Andar pela Vila de manhã, dando bom dia para gente do mundo todo, entrar num ônibus com gente da Índia, da China, de Cuba, da Colômbia, da Grécia, ver atletas aqui e ali treinando, é uma experiência inigualável. É grande a quantidade de gente legal que conheci e com quem fiz amizades que quero levar pra vida toda. Um brinde especial à turma de Nikity! Todo o cansaço valeu muito a pena.



São muitas lembranças legais prum período tão curto de tempo. A voluntária acreana que ia ficar conosco infelizmente não pode vir. O baiano veio e deixou saudades. O que dizer da oportunidade de assistir aos ensaios das cerimônias de abertura lá no Maracanã? Na Vila, cafés da manhã animados com histórias dos dias anteriores, um almoço no restaurante junto com atletas graças à generosidade da Holanda, bater papo com o medalhista de ouro da Venezuela em 2012, a farra no metrô no dia da cerimônia de abertura, ver quatro atletas com suas bicicletas espremidos dentro de um elevador, o carinho de uma colega de trabalho que comeu devagar para que eu não comesse sozinho quando eu finalmente chegasse com o meu prato depois da fila enorme. Eu andava pela Vila prestando atenção em cada detalhe, na tentativa de gravar fundo na memória. No último dia, saí de lá com lágrimas nos olhos.

Escrevo este texto no último dia de 2016, ainda de ressaca dos jogos, numa tentativa de me agarrar aos últimos fiapos deste ano que vai ter sempre um destaque especial na história da minha vida. Fica a enorme gratidão e a grande saudade da equipe da Rio 2016 que me apoiou e me deu a oportunidade de fazer este trabalho, da equipe da Venezuela que me recebeu com tanto carinho, e principalmente, dos voluntários com quem trabalhei.

Os jogos olímpicos são um dos maiores eventos do mundo, um enorme quebra-cabeças. Saber que eu botei algumas das pecinhas no lugar dá uma satisfação indescritível.

Que venham os jogos do Japão em 2020!



Mateus 19:21

Ângela casou com Marcos, que era ateu. Durante cinco anos tentou convencê-lo a aceitar Jesus. Duas semanas depois que ele se converteu, ela pediu o divórcio.

Redação do ENEM

Fiz o ENEM 2016 e o tema da redação foi Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil. Taí a minha. Não está exatamente como foi pra folha final porque ao transcrever mudei uma coisa ou outra. Além disso, não coloquei na folha de rascunho a conclusão do texto. De qualquer maneira, o recado está dado.

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Num país plural como o Brasil, é inadmissível haver tamanha intolerância religiosa, que se pode perceber pelos noticiários e que se pode confirmar com os dados expostos pelo texto IV. Reduzir a influência das bancadas religiosas e punir usando educação são duas ferramentas para uma sociedade atingir uma maturidade onde todos sejam respeitados.

O primeiro ponto, como já citado, é a redução da influência das bancadas religiosas em todas as esferas do governo. Desde câmaras de vereadores que aprovam leis que tornam obrigatória a oração em salas de aula, passando por projetos que tentam impor a inclusão de dogmas religiosos no currículo escolar, indo até projetos federais que se justificam com base em textos bíblicos, é evidente o esforço destas bancadas em impor suas crenças sobre toda a população, à revelia da laicidade do estado.

Uma segunda ferramenta para uma sociedade mais tolerante é a punição de comportamentos inadequados usando a educação e não somente a repressão. Atualmente, como exposto no texto III, a pena para a intolerância religiosa é o cerceamento da liberdade e o pagamento de multas. Entretanto, nenhum dos dois propicia uma melhor compreensão do intolerado por parte do intolerante. Dois exemplos de medidas neste sentido seriam a obrigação de participar de rodas de diálogo com praticantes da religião que foi vítima e também o comparecimento a ritos e cerimônias da mesma. Ao adotar penas educativas, que levem ao intolerante um entendimento mais claro daquele que é intolerado, é possível que ele passe a ter uma visão melhor do quanto o outro é tão humano, rico e valioso, tão digno de respeito quanto ele mesmo.

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Em maio/2017 publiquei a versão final, depois que o espelho foi liberado.

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Outros textos meus sobre religião:

Fé e Religião
Como Saber Se Sua Liberdade Religiosa Está Sendo Atacada
Da Religião
A Terra dos Esportes

Dois Aprendizados

Primeiro eu aprendi uma coisa muito importante: que a pessoa que demonstra raiva ou preconceito muitas vezes está sofrendo. Vi que cabe a mim enxergar seu sofrimento para saber como tratá-la como o ser humano falho que ela é, sem reagir de forma agressiva.

Depois aprendi uma coisa ainda mais importante: que quando eu sinto raiva ou preconceito, muitas vezes sou eu que estou sofrendo. Cabe a mim olhar pra dentro e enxergar meu próprio sofrimento, para aprender a lidar com ele sem arremessá-lo contra as outras pessoas.

Micro-conto: Dúvidas Indianas

Indira às vezes pensava, será que Brama existe mesmo?, aí olhava para a lua cheia e tinha sua resposta.

Ravi às vezes pensava, será que Brama existe mesmo?, aí olhava para as crianças com câncer no hospital onde trabalhava e tinha sua resposta.

Música do Século XXI

Frase fácil de ouvir é aquela de que hoje em dia não se faz música boa. Eu sempre retruco que não é bem assim, que hoje em dia tem muita música boa sendo feita sim, só que é preciso procurar. Volta e meia publico no Facebook indicações de novos artistas, gente que começou a carreira há pouco tempo.

Aí as pessoas me perguntam como é que eu faço para conhecer essas novas bandas. As origens são várias: minha conta de dez anos no last.fm, o algoritmo de recomendações do Deezer, alguns sites que falam de música, como o Collector's Room e o Tenho Mais Discos Que Amigos, e muitas conversas com amigos que gostam de conhecer novos sons.

Colocando em prática um plano que já vínhamos cozinhando há uns dois anos, pelo menos, eu e meu amigo Kildary Klein lançamos hoje a página Música do Século XXI. Fizemos isso porque já ouvimos muito essa história e sabemos que não é verdade. Ela pode não saber, mas a pessoa que diz isso na verdade quer dizer que a música que faz sucesso hoje em dia não é a música que ela gosta de ouvir. E nesse ponto nós até concordamos: também não curtimos a maior parte do que toca nas rádios, nas festas, nos programas de televisão.

Mas dizer que hoje em dia não se faz música boa é desmerecer a multidão de artistas que estão espalhados por aí produzindo material de qualidade. Só que é preciso procurar. E é pra te ajudar na busca pela boa música, feita hoje em dia, que a nossa página surgiu.

A ideia é publicar algumas vezes por semana uma indicação de artista/banda contemporânea. Não vamos seguir um único estilo e a música pode vir de qualquer lugar. Vai ter metal brasileiro, vai ter pop indonésio e vai ter rock inglês. Só há duas regras: ser música nova e ser música boa.

Conhece alguém que diz que hoje em dia não existe música boa? Você diz isso? Conheça, curta e compartilhe nossa página.

Dos porques

Resolvi simplificar o português que eu uso. Afinal de contas, a língua é viva e é nossa, fazemos com ela o que bem entendemos.

Se por um lado eu me dou muito bem com as crases, cansei de tentar registrar as regrinhas dos porques. Já há um tempo, "porque" pra mim é sempre junto, e sem acento.

Porque? Porque nunca consegui entender a lógica por trás de quatro variantes e porque já tentaram me ensinar uma penca de vezes e eu retive a informação por no máximo uns dos dias.

O que normalmente acontecia era que eu escrevia um porque e então ficava na dúvida se tinha escrito certo, porque já não lembrava mais como era pra ser.

Para eliminar a dúvida eliminei a regra. Vai que cola.

Do Que Fazemos Com Nós Mesmos

Muitas pessoas acreditam no poder das palavras e dizem que elas conseguem transformar a realidade. Religiões têm muito disso, livros de autoajuda também, elevando algumas palavras ao pedestal de redentoras e rebaixando outras ao fundo do poço. A cultura também está cheia delas.

Mesmo sendo uma pessoa que ignora este papel místico dado às palavras, vejo que a forma de falarmos pode revelar muito sobre como a gente vive nossas vidas. E que, com a devida atenção, podemos identificar formas sutis de autossabotagem e adotar pequenas mudanças na nossa forma de pensar que podem gerar ótimos benefícios pro nosso bem estar.

É para compartilhar uma dessas minhas descobertas que escrevi o texto que foi publicado hoje lá no Papo de Homem.

Nele, conto mais um pouco da minha saga em busca de ser uma pessoa melhor.

Mais uma vez, agradeço à equipe do Papo de Homem por terem aberto espaço para minhas histórias. Ver que elas motivam e inspiram outras pessoas a enfrentar seus problemas é muito gratificante. Valeu mesmo. Vocês são 10.

Marta e o Câncer

Sempre amei minha filhinha. Desde quando soube que ela habitava em mim. Amei ainda mais quando saiu o diagnóstico.

Naquela época, o anúncio de um câncer era ainda mais dolorido do que é hoje. Os recursos médicos eram menos desenvolvidos. Soava muito mais como sentença de morte.

Sabendo que não tínhamos muito tempo juntas, passei a apreciar ainda mais os momentos que tínhamos ao lado uma da outra.

Os pedidos para ir ao parquinho da praça eram recebidos com empolgação. Eu fazia questão de transformar todos em um evento, emendados com um piquenique no gramado da praça Jorge Passarinho. Muitas vezes tínhamos o iogurte preferido dela.

Quando o corpo começou a reclamar e ir ao parque exigia muito esforço, as tardes passaram a ser preenchidas com competições de vídeo game.

Marta não entendia muito bem o que estava acontecendo mas também nunca reclamou. Sempre muito esperta, intuía que a dor fazia parte do processo. Numa de suas brincadeiras preferidas, o teatrinho de marionetes, gostava de encenar as lutas da heroína que lutava contra o vilão Canceroso.

Dos últimos dias que passamos juntas, guardo com muito carinho a lembrança de seus olhinhos doces e de sua voz me confortando.

Vai ficar tudo bem mamãe.

Na Páscoa de 2007 eu morri.

Da Religião

Durante muito tempo, vi as religiões como caminhos que podiam ser seguidos.

Hoje vejo que elas não são o caminho. A vida é o caminho. Religiões são os veículos que nos ajudam na viagem.

Esses veículos podem trazer segurança, ajudar a seguir em frente, a superar obstáculos, facilitar em certos trechos mais difíceis.

Infelizmente há carros que poluem o meio ambiente, incomodam quem está em volta e acham que a estrada é só deles.

Há quem prefira veículos grandes e espaçosos onde cabe todo mundo, há quem prefira veículos simples que dão mais possibilidade de apreciar a paisagem, e há quem prefira ir a pé.

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Outra alegoria sobre religião.

Música: Romance

Conheci o compositor irlandês Ólafur Arnalds no final de 2012, por conta de um vídeo que me inspirou a gravar este vídeo aqui. Depois de muito tempo namorando uma de suas composições, gravei minha versão dela.

Romance é a faixa três do excelente disco Found Songs.

O Casamento de Laura

Quando Laura casou, deixou a família e os convidados em polvorosa. Recusou-se a entrar por último e ser entregue pelo pai ao futuro marido. Ela e o noivo entraram juntos na igreja.

Disse que não era propriedade do pai para ser entregue a ninguém.

Das Emoções

Até poucos anos atrás, antes d'eu aprender a lidar melhor com minhas emoções e antes d'eu aprender a meditar, eu vivenciava meus sentimentos e as situações como se fossem uma montanha russa. Mais ou menos assim:


Normalmente, as pessoas pensam que estas mudanças vão transformar a vida em um mar de rosas. Como se elas fossem virar o gráfico de humor todo pra cima em direção à felicidade extrema e constante. Assim:


Só que o que vi acontecer não foi isso. O que mudou foi a minha capacidade de estar consciente dos momentos. Ao invés de ficar sendo jogado de um lado para o outro, à mercê dos acontecimentos, passei a vivenciar com muito mais clareza as coisas pelas quais passo. O que aconteceu foi que tudo se aproximou do meio. Não no sentido de tornar tudo monótono e sem graça mas sim de tornar mais sereno porque há a visão de que tudo é passageiro. E mesmo que as coisas sejam menos exageradas, elas são vivenciadas com mais intensidade. Isso é que fez a maior diferença.


Ainda existem momentos de muita excitação, de alegria desenfreada ou de raiva inflamada. O lance não é passar por momentos ruins pensando tenho que arranjar uma maneira de ser feliz no meio desta merda toda. Nada disso. O lance é pensar olha, tá dando merda, mantenha a calma e o equilíbrio e faça o que der pra fazer, sem ser conivente, porque logo logo isso acaba.

Micro-conto: O Medo de Kátia

Kátia morria de medo do escuro. Sempre que ia se deitar, apagava a luz e ia para o seu lado na cama passando por cima do marido. Um dia ele levantou assim que ela apagou a luz. Ela só parou de gritar quando assinou os documentos do divórcio.

Músicas

Recentemente gravei mais duas músicas no piano.





Aproveite e veja as gravações antigas na página de repertório.

A Terra dos Esportes

Esta é a história de um país distante. Uma terra de grandes pastagens e plantações, famosa por seus campos de flores e por suas montanhas altíssimas. Uma terra de gente expansiva entre si mas tímida com estrangeiros. Um povo que não destratava ninguém mas que demorava um pouco para se dar a conhecer. Há muitos anos, diversos esportes diferentes eram praticados por sua população. De todos eles, o mais praticado era o futebol.

Nas escolas, desde as aulas pras crianças até as aulas pros jovens, era comum os alunos terem horários específicos só para jogar futebol e aprender as suas regras. Semanalmente, todos estavam em sala para aprender a teoria do impedimento e na quadra para aprender a bater um pênalti. Mesmo que algumas crianças preferissem brincar de outros esportes, a prática do futebol era parte do currículo base definido pelo governo.

Nos domingos, as famílias se reuniam para assistir aos jogos pela televisão, que eram transmitidos sempre em horário nobre. Os anunciantes pagavam fortunas para ter seu nome piscando nos comerciais e à beira dos gramados. Algumas famílias iam aos estádios pessoalmente. Muitos praticantes mais fervorosos pelo futebol ainda jogavam partidas à noite, durante a semana. Crianças eram criadas por seus pais assistindo e praticando futebol, e com isso desde cedo já passavam a tê-lo como seu favorito.

Mesmo com toda a predominância do futebol, ainda assim haviam praticantes de outros esportes, como vôlei ou tênis, e até mesmo de esportes mais exóticos, como o beisebol. Curiosamente, as pessoas que gostavam de um esporte normalmente não se interessavam por outros. As que mostrassem alguma curiosidade sobre um esporte diferente eram vistas como pessoas confusas, que não tinham muita certeza do que queriam da vida.

Os futeboleiros, especialmente, costumavam dizer que só o futebol era esporte de verdade mesmo. Com os outros esportes, você até podia fazer um exercício saudável, mas só com o futebol você poderia desenvolver um bom condicionamento e se manter com a saúde perfeita.

Com o tempo, algumas variações do futebol foram surgindo. Futebol society, futebol de salão, futebol de praia. Para alguns, não havia problema em gostar de dois tipos de futebol. Afinal de contas, no fundo a essência era a mesma. A única modalidade que era muito mal vista por uma grande parcela da população era o futevôlei. Para muitos, a mistura de dois esportes era inconcebível, prova de falta de interesse genuíno em ambos. Mas se misturar peteca e tênis de mesa era estranho mas irrelevante, por serem dois esportes vistos como marginais e pequenos, o futevôlei era visto por muitos como uma afronta por se tratar de uma mistura com o futebol. Mais do que confusão, era falta de respeito.

Mas os mais mal vistos, como você já pode imaginar, eram os que não gostavam de esporte nenhum. Se a pessoa preferisse passar as manhãs de domingo indo à igreja ou então apenas lendo um livro de história, já era vista como desligada das coisas realmente importantes da vida.

Por mais incrível que possa parecer, a maioria das pessoas não conseguia conversar sobre esportes diferentes daqueles aos quais estavam habituados. Elas ficavam sempre tentando encontrar paralelos de seu próprio esporte no dos outros. Queriam saber como era o ippon no tênis. Como escolhiam o grid de largada na maratona. E questionavam o que acontecia em um esporte com base nas regras de outro. Criticavam o basquete por não ter onze jogadores de cada lado. E queriam que o jogo de handebol só terminasse depois que um time ganhasse pelo menos dois tempos.

Alguns esportes mudavam com o passar do tempo. O vôlei mudou vários detalhes de suas regras para deixar o jogo mais rápido, a fórmula 1 mudava a contagem de pontos de tempos em tempos, o polo aquático mudou o número de jogadores. Mas não o futebol. Até questionar as regras do futebol era mal visto. Diziam que as regras já tinham sido muito bem pensadas e que não precisavam ser modificadas.

Com o tempo, alguns dirigentes e jogadores de futebol começaram a se candidatar nas eleições. O país viu serem eleitos diversos vereadores, deputados e até mesmo senadores que dedicavam boa parte de suas vidas à prática do futebol. Muitos deles conseguiam se eleger muito mais por conta de sua grande popularidade entre os torcedores de um determinado time do que exatamente por suas propostas políticas.

No início, eles começaram a aprovar leis que diziam respeito só ao futebol. Foi por aí que começaram a surgir os feriados futebolísticos. Primeiro veio o dia do futebol, depois o dia da fundação do primeiro time nacional, e então o dia da fundação da Liga Nacional de Futebol. Todos feriados nacionais. Em alguns estados, era feriado o dia da final do campeonato. Haviam também muitas datas comemorativas em homenagem a jogadores famosos, aqueles que os torcedores diziam fazer milagres com a bola nos pés. E as notas do dinheiro do país passaram a trazer imagens dos grandes atletas do passado.

Ao mesmo tempo, felizmente, para os amantes de outros esportes, haviam políticos que buscavam a pluralidade de ideias. O futebol deixou de ser item obrigatório no currículo das escolas. Mesmo tendo causado uma certa comoção entre os grupos de futeboleiros mais barulhentos, as aulas de educação física passaram a tratar mais de esportes variados. Durante o ano, os alunos aprendiam as regras e praticavam não apenas o futebol, mas também rugby, basquete, atletismo, entre outros.

Mas isso não veio sem reclamações. Alguns professores reclamaram de estar tendo que praticar esportes dos quais não gostavam. Já muitos pais protestaram porque os filhos estavam aprendendo na escola coisas que eram diferentes daquilo que viam em casa, o que acabava deixando-os confusos. Chamavam isso de ideologia esportiva. Aqueles que apoiavam o novo modelo diziam que o país não era atleta para forçar um único esporte sobre os alunos e a população. Enquanto isso, os que defendiam o futebol falavam que o país não era atleta mas também não era sedentário, e que nada mais justo dar mais atenção ao esporte com mais adeptos.

O problema começou quando começaram a querer aprovar leis que beneficiavam só o futebol ou que impunham a toda a população as regras que se aplicavam só ao futebol. Os times e estádios passaram a ter isenção de impostos, as bibliotecas passaram a ser obrigadas a exibir em local de destaque o livro de regras do futebol e estava quase passando uma lei que iria criminalizar o ato de não cantar o hino de um time durante uma solenidade. Um deputado propôs uma lei que obrigava todos a andarem de chuteiras. Outro queria tornar ilegal a prática de esportes individuais.

Um clima de animosidade tomou conta do país. Passaram a ser frequentes os ataques a campos e quadras de outros esportes. No primeiro dia de um campeonato nacional de ciclismo, todas as bicicletas dos atletas tiveram seus pneus furados. Na véspera da final da etapa do mundial de natação, jogaram tinta na piscina. Apesar de alguns futeboleiros se defenderem dizendo que aquilo era coisa de vândalos e que não era todo futeboleiro que era intolerante com outros esportes, era evidente a pouca movimentação entre eles e seus principais líderes para tentar impedir situações semelhantes.

Leis mais rígidas contra a intolerância esportiva não faziam efeito. A coisa só melhorou quando grandes jogadores de futebol, famosos e idolatrados por todos os futeboleiros, iniciaram uma campanha. Participavam de competições de outros esportes e traziam atletas de outros esportes para o futebol. Foi difícil, mas o objetivo foi alcançado. Anos depois, a organização dos Jogos Olímpicos na capital do país foi a prova de que seu povo havia se tornado mais tolerante, capaz de conviver com as diferenças.