Crônica: Um Acidente Não Dá o Que Pensar

Recentemente caí de três metros de altura e tive um traumatismo craniano leve. A médica falou que eu deveria gastar o meu salário todo em velas, porque meu anjo da guarda tinha chamado até ajudante para me salvar: eu podia ter morrido.

Muita gente veio visitar e uma pessoa fez uma pergunta filosófica: não dá o que pensar, não, Mário, quase ter morrido, de ter que mudar de vida?

Não, não dá.

Eu entendo a preocupação dela, porque é isso que nos é vendido o tempo todo: as histórias de gente que rala demais e aí depois que sofre um grande acidente, um enfarte, muda de vida e dá exemplo de superação.

Mas acontece que eu já decidi, há muito tempo, que não queria esse tipo de vida pra mim. Eu decidi que não queria ser uma pessoa que precisasse de uma experiência traumática para abrir os olhos para o que verdadeiramente importa.

Não dizem por aí que é importante a gente aprender com os erros dos outros porque a vida é muito curta para cometermos todos os erros possíveis? Esse é um erro que, desde cedo, eu aprendi a evitar. Escolhi sempre ter uma vida plena e satisfatória ao invés de ter uma história bonitinha de superação depois de ter me entregue para ser surrado pelos estresses da vida.

Há alguns anos, li num livro de Ricardo Semler uma coisa que ajudou a me nortear neste assunto:

Alguém que administra bem seu tempo e produz qualidade em tempo menor é necessariamente um atrevido. Se ainda sai para o teatro e cinema à noite, passa o fim de semana só com a família, e ainda busca os filhos no colégio para almoçar com eles, aí já configura um estado de deboche. Mas se ele conseguir sofrer o enfarte no próprio escritório, então é a glória.

Preferi ser debochado a ter a glória.

Claro que nem sempre acertei. Muitas vezes demorei para perceber e corrigir meus erros, e nem tudo na minha vida hoje está do jeito que eu gostaria, mas nada tão dramático, e tudo faz parte dos planos.

Não carrego mágoas, tento manter velhos amigos por perto, tenho poucas desculpas a pedir, carrego minhas tristezas com serenidade e lido com elas como velhas amigas. Quase tudo o que faço, faço por escolha, e tenho me dado cada vez mais uma das maiores liberdades que há: poder dizer não.

Busco sempre aprender e me tornar alguém melhor. Não só pra mim, mas para quem está em volta. E a cada passo, procuro o equilíbrio entre desejar o futuro e fazer as coisas agora antes que seja tarde demais.

O que sempre fiz foi, de vez em quando, me fazer uma pergunta semelhante: se eu sofresse alguma experiência traumática hoje, eu me arrependeria de como estou vivendo a minha vida?

Quando a resposta era sim, era hora de mudar.