Cirurgia de Miopia

Comecei a usar óculos aos cinco anos de idade, vítima de miopia, e continuei com eles pelos 25 anos seguintes, com o grau aumentando até meus 20 anos, mais ou menos. No início deste ano me livrei deles depois de passar por uma cirurgia. Escrevo para compartilhar com minhas leitoras que usam ou conheçam alguém que usa óculos mas tem medo de operar.

Minha primeira busca para a cirurgia ocorreu por volta de 2004, depois do problema já estabilizado. Vários exames depois, o cirurgião me deu a má notícia: minha córnea era muito fina e eu não poderia operar. Quer dizer, até poderia, mas não me livraria dos óculos. Felizmente, o problema não era definitivo: disse o doutor que a tecnologia estava avançando bem e que em poucos anos eu poderia operar.

O motivo disso tudo não é difícil de entender. Como o laser usado na cirurgia de correção não é aplicado diretamente na superfície do olho, é preciso levantar uma pequena tampa, fina como um fio de cabelo, para só então aplicá-lo para queimar a córnea. Aí entra o problema da minha córnea fina: na época, os recursos existentes para levantar a tal tampa realizavam um corte muito grosso, fazendo com que sobrasse pouca córnea para ser queimada, o que me deixaria ainda com alguns graus de deficiência.

Deixei passar um bom tempo e em 2011 comecei a procurar informações sobre o assunto e a fazer novos exames. Em janeiro de 2012 me submeti à cirurgia usando as tecnologias femtolaser e Lasik. Foi a primeira delas que permitiu que eu me livrasse dos óculos. O femtolaser é uma tecnologia nova que é usada para levantar a tampa no olho, e tem a capacidade de gerar uma tampa muito mais fina do que as tecnologias anteriores.

A cirurgia em si é bem simples, um procedimento que não leva mais do que vinte minutos.

O primeiro passo é pingar um colírio anestésico no olho a ser operado. Depois de quase uns dez minutos fui encaminhado à sala de cirurgia, onde estavam a cirurgiã com a qual eu vinha me consultando, o cirurgião responsável pelo femtolaser e duas enfermeiras.

Na sala, deitei em uma máquina onde o femtolaser é aplicado. Recebi mais alguns colírios lubrificantes, prenderam uma peça de silicone no meu olho para eu não piscar nem mexer a vista e uma máquina foi posicionada sobre meu rosto. Neste momento senti uma leve pressão sobre o olho, como se a máquina estivesse fazendo força, mas nada demais. Quando a aparelhagem estava toda posicionada, o cirurgião falou:

Tudo no lugar, tudo certo, vamos aplicar... perfeito, podem retirar.

Tudo muito rápido mesmo, quase instantâneo, e não dá pra sentir nada. Terminada essa etapa, eles retiraram tudo do meu olho e pediram para eu deitar em outra máquina, onde a correção seria feita. Novamente, colocaram uma peça para prender meu olho e prepararam a máquina sobre mim. Neste momento havia uma pequena luz verde logo à minha frente, que eu via levemente desfocada, conforme a minha miopia original.

Usando uma ferramenta, a cirurgiã levantou a tampa que foi cortada no meu olho e a luz verde que eu via se transformou em um borrão distante. Mais alguns procedimentos e ajustes da máquina e foi a hora de realizar a correção. Esta etapa foi um pouco menos rápida que a aplicação do femtolaser, levando coisa de dez segundos:

Tudo certo, vamos aplicar o Lasik... ótimo... 50%... mais um pouco... 90%... ótimo, perfeito, podem retirar.

Novamente, não senti nenhuma dor; apenas um leve cheiro de queimado, parecido com o cheiro de pelo sapecado. Segue-se mais um bocado de colírio lubrificante e então a cirurgiã usou algo parecido com um cotonete para colocar a tampa do olho de volta no lugar. Durante coisa de um minuto ela ficou alisando minha retina para retirar qualquer pequena bolha de ar que tivesse ficado. Quando terminou, a luz verde já aparecia nítida, quase como se eu estivesse usando óculos.

Importante lembrar: durante os dois procedimentos, o tempo todo nós ficamos conversando. Eles querendo saber o que eu estava sentindo e explicando tudo o que eu perguntava sem parar. Se você procurar no YouTube vai achar vários vídeos de cirurgias.

Estava terminada a cirurgia. Fui encaminhado para uma outra sala onde os cirurgiões examinaram minha vista para ver se estava tudo no lugar (estava!) e me despacharam com um tapa-olho transparente devidamente preso sobre o olho. Uma semana depois seria a vez do olho direito. Neste meio tempo, fiquei em casa quase o tempo todo, sempre de óculos escuros para evitar claridade e sujeira, e tendo que pingar dois colírios diferentes em intervalos bem curtos (um era um antibiótico, outro um lubrificante).

Na primeira cirurgia, fiquei na clínica por mais duas horas depois que saí da sala de operação, porque um primo foi me buscar depois de sair de seu curso. Assim que descemos eu já conseguia ler placas do outro lado da rua. Durante o trajeto até nossa casa, conseguia ler as placas dos carros que iam à frente. Em casa, depois de uns quatro dias eu arrisquei ver televisão e podia enxergar normalmente sem os óculos. No dia da segunda cirurgia, quando cheguei em casa, eu não precisava mais dos óculos. Novamente, uma semana com óculos escuros e muitos colírios. Na semana seguinte eu voltei ao trabalho.

Uma outra coisa que perdi, e que estranhei muito no início mas já me acostumei agora, é que, sem os óculos, eu enxergava muito bem e com uma nitidez impressionante coisas pequenas se as colocasse bem perto do olho, tipo letras miúdas ou ranhuras de folhas. Agora não tenho mais isso e há uma distância mínima que devo manter dos olhos para não desfocar os objetos.

Um mês depois fui fazer a primeira revisão, que mostrou que estava tudo ok com minha vista, apesar de um pequeno resíduo de miopia ter sobrado, mas nada que obrigasse a usar óculos. Dois meses depois da primeira revisão, fui para uma segunda, e vimos que o grau tinha aumentado um pouco, coisa que eu já tinha reparado. Ainda assim, não vi necessidade de usar óculos naquele momento.

Hoje eu sinto que minha visão deu uma nova caída desde a última revisão, e estou pensando em adiantar a próxima, que deveria ser em dezembro mas vou trazer para o mês que vem. Além disso, vou começar a anotar a distância máxima que devo estar das coisas que sou capaz de ler hoje (tipo placas, cartazes, legendas na tevê) para ver se um mês depois continuo sendo capaz de lê-las.

A situação hoje, seis meses depois da cirurgia é a seguinte: vivo sem óculos tranquilamente, leio, trabalho, vejo tevê, uso o computador, faço quase tudo sem sentir falta dos óculos (a princípio não sentia falta nenhuma, hoje há situações em que desejo um). Ainda tenho os hábitos de quem usa óculos: quando acordo de manhã ainda estendo a mão para pegá-los, quando vou deitar ainda levo a mão ao rosto para tirá-los, quando saio do banho ainda pego papel higiênico para secá-los e volta e meia tento alinhá-los na cara. Também, né, não dá pra largar de uma hora pra outra hábitos diários de 25 anos!

Entretanto, na vida prática sinto que minha visão piorou um pouco, porque antes, com os óculos, eu via tudo com bastante nitidez, inclusive coisas distantes, e hoje não tenho mais isso. À noite, e principalmente no lusco-fusco do anoitecer, a situação é bem ruim e tenho dificuldade de identificar os rostos das pessoas. No cinema eu consigo assistir filmes com tranquilidade, mas sinto uma leve distorção nas imagens, que depois de duas horas começa a cansar. A cirurgiã disse que, se minha córnea não fosse tão fina, eu poderia fazer uma segunda cirurgia para remover este resíduo, mas como a primeira já foi no limite, uma segunda não era possível.

Apesar de não precisar usar óculos para o dia-a-dia, decidi que vou fazê-los porque sem eles tive dificuldades incômodas com duas coisas específicas: primeiro, olhar o céu. Não consigo mais ver a lua e as estrelas com a clareza que via antes com os óculos. Segundo, ir às apresentações de orquestras. Na primeira apresentação que vi depois da cirurgia, não consegui ver direito os rostos dos músicos no palco, mesmo não estando tão longe. Além disso, como a visão vem piorando, mesmo que lentamente, os óculos vão, infelizmente, me ser úteis.

De resto, não me arrependo de nada e recomendo a cirurgia a todas as minhas leitoras míopes, mesmo que a minha não tenha sido um sucesso total. Não dói, é rápido e não tem sequelas.

Conheçam Mayra Andrade

De todas as artistas que conheci no último ano, uma das que mais me agradaram foi Mayra Andrade. Natural de Cuba, crescida na África e depois da Alemanha, hoje vivendo na França, ela faz uma empebê de excelente qualidade. Só que há um detalhe: é a primeira artista de empebê que eu conheço que não canta em português.

Em adição ao ritmo original da empebê brasileira, Mayra adiciona às suas canções os ritmos e a língua não-oficial de Cabo Verde, o crioulo cabo-verdiano, criando uma fusão de sons que não se encontra facilmente por aí. Dona de uma voz linda, que a princípio me lembrava um pouco a Maria Rita, e sempre acompanhada de músicos de primeira linha, Mayra já tem três discos na bagagem - Navega, Stória Stória e Studio 105 - todos excelentes.

O curioso do crioulo cabo-verdiano é que ele tem alguns elementos do português, e aí enquanto ouve as músicas parece que você está entendendo alguma coisa, mas logo cai em uma profusão de palavras estranhas, para novamente ouvir uma ou outra parecida com o que falamos, para então se perder de novo. Fica muito bom de se ouvir, principalmente se você já curte coisa tipo o Lebo M. ou o Ladysmith Black Mambazo.

Ouçam e curtam.



Bromélia



Coisas que as pessoas confundem 3: diferente e errado

Por mais que seja algo comum, sempre me surpreendo com a confusão que as pessoas fazem entre diferente e errado.

Se você vive em uma região/família/comunidade onde as coisas são feitas de um jeito, isso não significa que fazer de outro jeito seja errado. Costumes e tradições são só isso, costumes e tradições, e não leis de conduta. Uma coisa ser feita de um jeito na maioria das vezes não quer dizer que ela seja a única opção possível, nem que as outras opções que existem sejam erradas. Concordo que podem ser esquisitas, mas só são esquisitas porque são incomuns. Não há problema em pensar algo do tipo

Caraca, a Sandra é muito doida! Vendeu a televisão que tinha e não quer comprar outra. Falou que não vai ter mais nenhuma em casa. Ah, eu não aguentaria ficar sem ver minha novelinha.

O problema é achar que isso é errado e tentar corrigir.

Sandra, pelamordeDeus! Vai comprar a porra de uma televisão nova, vai! Onde já se viu não ter televisão em casa? Como é que você vai se informar sobre o mundo?

A leitora quer outros exemplos? Há muitos. A sua sobrinha não gostar de usar brincos. Sua filha querer aprender a tocar oboé. Sua colega de trabalho ser vegetariana. Sua esposa só comer com colher. Sua mãe ler jornal do final para o início. Sua prima raspar a cabeça com máquina dois. Sua vizinha só comer salada no Spoleto. Sua professora de violão não querer ter um carro. Sua psicóloga gostar de trabalhar à noite e dormir de dia. Sua melhor amiga e o marido não quererem ter filhos. Sua irmã ter um ventilador de teto no banheiro. A lista tende ao infinito! Outro lugar onde já vi isso acontecer muito foi nos cursos de inglês. Tenho certeza de que minhas leitoras que já passaram por um cursinho já ouviram reclamações dizendo que o inglês é errado porque a ordem dos adjetivos é a contrário do português.

As pessoas veem estas atitudes incomuns e diferentes, rotulam como erradas e começam a tentar corrigir as outras. Como se fosse obrigatório mulher usar brinco, como se fosse obrigatório comer carne, como se fosse proibido cortar o cabelo do jeito que se quer. E, oras, se comer salada no Spoleto fosse proibido, porque haveria salada no cardápio?

Se a coisa parasse por aí, até que dava pra deixar passar, mesmo sendo chato ter gente regulando as escolhas dos outros. Só que o grande problema disso é que deste tipo de raciocínio é que surgem os preconceitos, sendo o melhor exemplo disso o modo com o que o homossexualismo é visto. Por muita gente, o homossexualismo é um desvio de conduta, uma doença, uma afronta aos bons costumes, o razão para o fim da humanidade como a conhecemos, quando, na verdade, não passa apenas de um jeito diferente de ser. Tudo bem se você não é homossexual e não goste de ver dois homens se beijando, eu também não gosto de ver. Pra mim, ver dois caras juntos dá o mesmo asco de ver minha esposa comendo bife de fígado, só que eu não vou querer proibir minha esposa de comer bife! Porque deveríamos taxar homossexualismo de doença ou perversão moral e proibir? Talvez seja mais "natural" ou mais comum ou mais "normal" que homem goste de mulher e vice-versa, mas o fato de existir gente que não é assim não os torna errados, os torna apenas diferentes.

E reparem bem nas aspas em natural e normal ali em cima, porque até o que é natural e normal é questionável. Muitas das coisas que você toma como naturais são na verdade construções sociais: coisa de homem, coisa de menina, regras de etiqueta, o norte ser pra cima nos mapas; muito disso surgiu porque uma pessoa fez de um jeito, o pessoal foi imitando e agora todo mundo faz igual. Ou também, talvez, você ache que as coisas são naturais e normais simplesmente porque só convive com aquele tipo de coisa, sem a mínima noção do que acontece no mundo. Como René Descartes escreveu no seu Discurso do Método,

É bom saber alguma coisa dos costumes de vários povos para julgarmos os nossos mais salutarmente, e para não pensarmos que tudo o que é contra nossos modos é ridículo e contra a razão, como costumam fazer os que nada viram.

Portanto, abra sua mente. Quando vir alguém fazendo uma escolha diferente da sua e pensar em corrigi-la, repare que, aos olhos dela, VOCÊ é diferente. Quem sabe você não descobre que vale a pena mudar?

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Outras coisas que as pessoas confundem:
Conclusão da História e Moral de História
Entender e Concordar

Sobre o Problema de Deixar de Ser Preconceituoso

O problema de se desfazer de um preconceito é não querer mais parar.

Quando você se despe de um preconceito, começa a perceber que a linha de raciocínio que levava a ele é a mesma ou é muito semelhante às de todos os seus outros preconceitos, então começa a se perguntar porque é que eles ainda estão lá e vê que pode mudar mais um pouco e passa a sempre querer mais uma carreira de despreconceito.

Só que como pensar de outro jeito dói, porque te tira da zona de conforto na qual sempre viveu, você começa a tentar arranjar desculpas para continuar achando que lugar de mulher é na cozinha, para continuar achando imoral duas mulheres se beijarem em público, para continuar achando que negro não tem que ter cota, mas ao mesmo tempo sabe que está errado e que tem que mudar.

Neste conflito, só resta esperar que o vício saia ganhando.