Os Textos de Paul Graham

Recentemente caí no site de Paul Graham. Já não lembro mais como, mas sei que gostei. Ele é programador, pintor e escritor. E foram seus ensaios que chamaram minha atenção, li vários. Listo aí em embaixo os que mais gostei, tanto como recomendação pra quem se interessar quanto como uma anotação pra quando eu quiser lê-los de novo.

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The Real Reason to End the Death Penalty me deu um pouco de coisa pra pensar. Apesar de com o tempo eu ter aprendido melhor sobre como nosso sistema carcerário e punitivo é falho, eu ainda hoje penso que a pena de morte é um recurso que pode ser válido em alguns casos. Daí vem o que ele escreveu e que me fez parar pra pensar. Eu tenho um pensamento de como lidar com certas coisas que eu sei que são ruins, que é eliminar a fonte de problemas sem dar margem pra que eles surjam. A ideia é que, mesmo que na maioria das vezes não dê errado, o peso do erro que pode uma hora ou outra acontecer é tão grande que não vale a pena correr o risco. Este é justamente o argumento de Paul.

"This circus of incompetence and dishonesty is the real issue with the death penalty. Whatever it means in theory, in practice capital punishment means killing innocent people."
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The Lesson to Unlearn conversa muito com tudo o que passo na faculdade de cinema na UFF. Como já escrevi antes, eu tenho uma dificuldade muito grande em lidar com as disciplinas puramente teóricas. Quase todas as pessoas que me deram aulas nessas disciplinas já passaram pelo desagradável momento em que eu parei a aula pra perguntar onde elas estavam querendo chegar com a disciplinas. Até que durante uma das aulas de estágio com o professor Valter Filé eu consegui elaborar melhor meu incômodo, e, num trabalho quase de análise, entendi que eu estava o tempo todo tentando responder à pergunta "o que vai cair na prova?", mesmo quando não havia prova pra fazer. Daí que neste artigo Paul defende justamente isso, que devemos desaprender essa gana por tirar boas notas e sermos aprovados. Ele defende que o mais importante é aprender.

"I knew of course when I was a student that studying for a test is far from identical with actual learning. At the very least, you don't retain knowledge you cram into your head the night before an exam. But the problem is worse than that. The real problem is that most tests don't come close to measuring what they're supposed to."
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Life is Short, por sua vez, trata de questões filosóficas em relação ao valor que damos à vida e da importância de reconhecer que nosso tempo está acabando.

"Cultivate a habit of impatience about the things you most want to do. Don't wait before climbing that mountain or writing that book or visiting your mother. You don't need to be constantly reminding yourself why you shouldn't wait. Just don't wait."
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Keep Your Identity Small é daqueles que falam o óbvio que de vez em quando a gente precisa ouvir pra ser lembrado dele. Paul lembra que muitas vezes a gente associa à nossa identidade coisas demais, e que ataques a essas coisas soam como ataques físicos a nós mesmos, então entramos em brigas como forma de defesa. Ele defende que devemos diminuir a quantidade de coisas que associamos às nossas identidades para então diminuir a quantidade de brigas com as quais nos envolvemos. Esse tem uma versão em português recomendada pelo próprio Paul.

"If people can't think clearly about anything that has become part of their identity, then the best plan is to let as few things into your identity as possible."
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Por fim, o que mais gostei: The Acceleration of Addictiveness. Em 2010, Paul parou pra analisar o avanço da tecnologia e de sua capacidade cada vez maior de nos deixar viciados. Ele já via que o Facebook era mais interessante que a televisão, que joguinhos nos prendiam aos eletrônicos, e que levar a internet no bolso usando um smartphone não ia dar em coisa boa. Vendo a aceleração do desenvolvimento tecnológico dos quarenta anos anteriores, e vendo o quanto isso impactou na vida das pessoas, ele chuta que os próximos quarenta seriam diferentes apenas no quesito velocidade, que iria aumentar ainda mais: mais avanços e mais vícios, cada vez mais rápido. Vendo como estamos hoje, apenas dez anos depois, não dá pra dizer que ele estava errado. Por fim, ele defende que temos que aprender com o passado e preparar nossas defesas, sabendo que as coisas serão feitas para nos viciar e sabendo como fazer para não cair em suas armadilhas.

"One sense of "normal" is statistically normal: what everyone else does. Already someone trying to live well would seem eccentrically abstemious. You can probably take it as a rule of thumb from now on that if people don't think you're weird, you're living badly. We'll increasingly be defined by what we say no to."

Rocky & Hudson

No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF. Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme Rocky & Hudson, de Otto Guerra.

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Sobre Rocky & Hudson

Tivesse visto esse filme nos anos noventa, época de minha adolescência, provavelmente teria gostado muito e nutriria por ele um carinho nostálgico. Um carinho que só os 25 anos que nos separam poderiam perdoar. Mas hoje é um filme cansativo de acompanhar. Claro representante do zeitgeist de sua época, Rocky & Hudson preenche todos os requisitos de uma peça de humor daquele tempo. Do vocabulário aos estereótipos, da escatologia à temática, está tudo lá.

A maioria das piadas que o longa entrega é vista hoje em dia como piada de quinta série ou piada de tiozão. E faz sentido. Quem ria disso na época estava na quinta série. Quem ria disso na época hoje é tiozão.

Mas não convém martirizar o longa, ou seu diretor, colando neles qualquer rótulo. Como recentemente o escritor Alex Castro escreveu, nos cegamos para a história de um período quando decidimos apontar dedos para pessoas específicas do passado, como se elas fossem as únicas culpadas pelos erros que faziam parte do seu contexto. Ao fazer isso criamos um passado imaculado habitado por alguns poucos desviantes. Quando culpamos uma única pessoa, absolvemos sua época, seu contexto, seus contemporâneos.

Logo, é importante perceber possíveis problemas ou defeitos em Rocky & Hudson não como problemas ou defeitos do longa, mas como vislumbres da época em que ele estava inserido. Programas como Casseta & Planeta e revistas como Mad são exemplos do que era o caldo cultural da época. Piadas que hoje em dia já não tem mais graça ou que são mal vistas, à época eram lugar comum e faziam sentido. Elas faziam parte do repertório humorístico, e não fazia sentido deixá-las de fora.

Pra terminar com uma nota favorável, há pontos no filme que capturaram minha atenção de forma positiva. No segundo episódio, percebi que após a visita dos personagens a uma loja de conveniência, a estampa da camisa do cavalo mudava a cada plano. Em alguns momentos fazendo piada com o espectador ("tem um corno me olhando" / "continua me olhando"), em outros fazendo referências à cultura pop da época (o Baby da Família Dinossauro), é interessante perceber o cuidado com esse tipo de detalhe. Outro ponto foi a trilha sonora, que achei muito bem feita. A música Tira Tatu, descontando a letra bobinha, é bem acabada, o que mostra que o filme não foi feito de qualquer maneira. Havia ali o interesse de fazer um produto de qualidade.

Belladonna of Sadness

No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF. Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme Belladonna of Sadness, de Eiichi Yamamoto.

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Notas Diversas, Sortidas e Variadas sobre Belladonna of Sadness

Deixemos uma coisa clara desde o início: o filme não me agradou. O último terço me deixou tão desinteressado que perdeu minha atenção. Talvez tenham sido as legendas, que me pareceram ter sido traduzidas com o uso de um sistema computadorizado, tecnologia que ainda deixa a desejar. Ou talvez a história seja confusa mesmo. Sei que no fim, quando reparei, parecia que o início do filme estava sendo reprisado. Estava mesmo? Ou as cenas são tão parecidas que não identifiquei as diferenças?

Mesmo assim, algumas coisas chamaram positivamente a minha atenção durante o filme. E meu objetivo aqui é comentar essas coisas.

A primeira delas foi ver simbologia cristã em um filme japonês. Pesquisei e descobri que o filme foi inspirado na obra de um francês do século dezenove, Jules Michelet, chamada La Sorcière.

O som do filme também chamou bastante minha atenção. De um lado sua sonoplastia, que em vários momentos me pareceu quase onomatopeica, bem cartunesca. Há também a trilha sonora, muito interessante, composta por Masahiko Sato, com muito de experimentalismo eletrônico, psicodélico até, típico dos anos 1970. Recentemente ouvi muita música japonesa dessa época, e consegui perceber que a trilha sonora do filme se encaixa bem na estética do período.

Achei interessante a mistura de estilos de arte usados ao longo do longa. Por vezes minimalista, por vezes grosseira e trêmula, por vezes suave e delicada. Não cheguei a estar atento o suficiente para relacionar estilo e objeto da arte com propriedade, mas reparei que na maior parte das vezes a animação da personagem principal tem traços suaves, sempre em contraste com os traços irritadiços do personagem masculino. As sequências com imagens puramente estáticas mas com diversas vozes atuando me lembraram muito das antigas fotonovelas.

Apesar desses pontos que despertaram meu interesse, no final o filme passou longe de me agradar. Me desinteressei do longa no último ato. Talvez tenha a tradução meio tosca usada nas legendas, que pareciam ter sido feitas por algum sistema automatizado e sem passar por revisão. Mas vai que seja tudo muito confuso mesmo. Quando dei por mim, parecia que estava assistindo uma reprise do começo do filme. Será que era reprise? Acho difícil, mas as cenas eram tão parecidas que sem atenção não dava pra perceber a diferença.

I Married a Strange Person

No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF. Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme I Married a Strange Person, de Bill Plympton.

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Sobre I Married a Strange Person

Durante a disciplina Cinema e Estética, há alguns semestres, numa das aulas conversamos sobre o filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni. O que mais me marcou em relação ao filme foi sua cena final, quando a personagem observa a explosão de uma casa na colina. A cena começa de forma "tradicional", mostrando a casa explodindo a partir de vários ângulos. Mas em pouco tempo entra num frenesi de mostrar explosões de móveis individualmente, uma hora a televisão, uma hora a geladeira, depois a estante de livros, a tv de novo. Tudo acompanhado pela música do Pink Floyd.

A coisa toda dura cinco minutos, com explosões cada vez mais elaboradas, até que num corte seco, de áudio e vídeo, voltamos pro silêncio de onde a mulher estava. É como se o diretor tivesse entrado em uma onda de querer explorar as possibilidades cinematográficas das explosões, até que em algum momento alguém o tivesse despertado do transe. "Antonioni, o filme! Continua o filme!". E aí a história segue em frente.

Voltei a essa memória ao assistir I Married a Strange Person. Sua linha narrativa tão tênue e tão frágil me parece servir apenas de pretexto pra que Bill Plympton tenha a oportunidade de experimentar com sua arte do grotesco. As transformações e deformações se sucedem com tanta velocidade que fica claro que seu maior interesse é ver o quanto ele consegue manipular as formas e se afastar das leis da física, muito mais do que contar uma história coerente com início, meio e fim.

Ele se empolga, explode, distorce, desfigura, deforma, transforma, desorienta, corrompe, desordena, subverte, modifica, muda, desnatura, degenera, metamorfoseia, remodela, desarranja, até que alguém diga "Bill, o filme!", e ele volta pra história, sempre sem se agarrar muito a ela. Parece que ele volta pra história apenas para procurar um novo pretexto para reiniciar, recomeçar, renovar, retomar, refazer, repetir e insistir nas suas experiências de distorção, experimentando cada vez mais.

No final, a história parece não importar. Aqui, a forma parece prescindir do conteúdo.