Perseguição

Ela está correndo. São ruas cheias de gente. Parece ser um festival. Ela está falando com alguém usando um aparelho de comunicação colado no rosto.

Ele está correndo. Parece estar apenas uns segundos atrás dela. Procura por ela. Ele está falando com alguém usando um aparelho de comunicação colado no rosto.

O tom dela é de urgência. Pede direções para chegar ao ponto de contato mais próximo. Pede para que atrasem os seus perseguidores.

O tom dele é de raiva. Não entendia como puderam deixá-la fugir. Um carro autômato sobe na calçada e impede sua passagem. As amigas dela trabalham rápido. Ele pede para que desliguem a energia de todo o bairro.

Ela recebe a informação de que está a dois quarteirões do ponto de contato. Ouve o barulho do drone que a persegue.

Ele está cada vez mais cansado. Os anos de trabalho estão cobrando o preço. Os agentes mais novos o acompanham. Quer saber porque ainda não descobriram para onde ela está indo.

A um quarteirão do ponto de contato, o drone muda subitamente de direção e a perde de vista. Ainda não pode parar de correr. A equipe do ponto de contato já está pronta para sua chegada.

Ele descobre que ela está indo para um prédio dois quarteirões à frente. Promete que vai mandar todos para a agência das montanhas se a luz do bairro não for cortada.

Ela vê o prédio. As portas já estão abertas. O elevador não funciona. A equipe dele também trabalha rápido. Serão onze andares de esforço. Pouco antes de entrar ela grita por socorro.

Ele quase é atingido pelo drone, arremessado contra ele pela equipe que a está ajudando. Mais um carro sobe na calçada e seu time se atrasa um pouco mais.

No quarto andar a equipe avisa que conseguiram controlar o elevador. Ele já está parado no sexto andar esperando por ela. Ofegante, chega ao corredor do sexto andar e toma o elevador.

Ele já vê o prédio. Questiona porque as luzes ainda estão acesas. Algumas pessoas estão paradas na frente do prédio. Dizem que uma mulher entrou correndo pedindo ajuda. Mais um atraso.

Ela chega ao décimo primeiro e corre para a última sala no longo corredor. Quando entra já estão com tudo pronto e ela se senta dando ordens de serem rápidas.

Ele finalmente começa a subir as escadas. Sabe que vai ser uma longa escalada.

Já plugada, leva uma dose de relaxante na veia. Sem ele a adrenalina impede que a transferência seja feita.

Ele está quarto andar.

Mesmo sem o efeito completo do relaxante ela manda que iniciem a transferência. Sua ajudante dá os comandos no computador e suas memórias começam a ser copiadas.

Pulando de três em três degraus, ele chega ao sétimo andar e dá ordens de atirar para matar.

Com alguns dados corrompidos no início da cópia, suas memórias começam a ser enviadas para um receptor anônimo.

Ele chega com sua equipe ao décimo primeiro. E já sabe qual sala invadir. Chegam a tempo de vê-la puxar a tomada do computador.

Finalmente, a energia é cortada.

***


Continua...

Do que Busco na Vida

Busco a serenidade. Ter controle do meu estado de espírito para perceber o momento presente sem remoer o passado nem ansiar pelo futuro.

Busco a contemplação. Ter o desprendimento de observar as coisas sem tentar controlá-las, explicá-las e entendê-las para apenas vivenciá-las.

Busco o silêncio. Ter menos coisas chamando e demandando minha atenção para poder utilizá-la de uma maneira mais completa.

Busco a leveza. Ter menos objetos com os quais me preocupar e um fardo menor de ressentimentos para poder caminhar pela vida sem ter que arrastá-los comigo.

Da Morte

Não tenho medo da morte. Por tudo o que já sabemos como o nosso cérebro funciona, não vejo porque acreditar que mantenhamos alguma forma de consciência depois que o corpo desliga. Meu acidente em 2014 serviu de bom exemplo para explicar como a vejo: enquanto eu estava no chão desmaiado, nada demais acontecia. Não havia dor, não havia susto. A merda começou mesmo quando acordei. Só aí que as dores doeram e a confusão começou.

Tenho medo é da forma de morrer. Torço para que, quando for pr'eu morrer, que seja de uma forma rápida e indolor. Dado o histórico familiar, espero que se for enfartar, que seja fulminante. Se sofrer um acidente, tomar um tiro, qualquer coisa que vá me matar, que seja logo pra arregaçar e acabar com minha vida de uma vez só. A possibilidade de ficar agonizando entre as ferragens de um ônibus acidentado é que me apavora. Espero não morrer afogado, queimado ou sofrendo alguns meses de alguma doença degenerativa incurável e dolorosa. (Mas se por acaso eu ficar assim, já sabe, né?)

Fora isso, a morte é uma motivadora da minha vida. Passar a pensar na morte, tomar consciência real dela, de que (com sorte) em algumas décadas eu vou morrer, me ajuda a avaliar minhas prioridades e desencanar de problemas.

Cada vez mais, percebo o quanto a vida é um bem que não vale a pena desperdiçar. Isso me ajuda a deixar de ver muitas coisas como problemas. Saber que vou morrer é, no final das contas, um alívio. Carregar rancor, brigar lutas eternas, não se desfazer de desilusões, arrastar um saco de frustrações... tudo isso são coisas que formam um lamaçal em torno dos nossos pés em nossa caminhada pela vida. Um lamaçal que impede que a gente caminhe com leveza. Ao invés de aproveitar o que está aí agora, ficamos remoendo o que passou ou esperando que um momento melhor chegue logo.

Não é uma questão de ser conivente com coisas erradas, ou de deixar de buscar o que é bom e o que é certo. Mas de saber que, se as coisas não saírem como o esperado, tudo bem. Uma hora tudo vai ficar pra trás, mesmo.

Mini-curso sobre Evolução

Encontrei recentemente três vídeos que explicam muito bem explicadamente tudo o que você precisa saber para entender o básico de como a evolução funciona. Eles começam com uma pequena aula de semântica, explicando o que significa exatamente chamar algo de "teoria", quando estamos falando de ciência. E partem para explicações bem didáticas de como a evolução acontece.

Se você é uma pessoa interessada em ciência e gosta de saber como as coisas funcionam aqui no nosso planetinha, eles podem melhorar o seu entendimento porque explicam as coisas de forma bem clara. Talvez você ainda não tenha encontrado por aí explicações tão simples e compreensíveis.

Já se você é uma pessoa que questiona e rejeita as descobertas científicas que contradizem o que sua religião ensina, eles também podem ser úteis porque podem te dar ideias de como refutá-las. Neste caso, saiba que não importa se você acredita que uma divindade tenha criado os humanos já do jeito que são. O que não pode negar é que a evolução existe e é um fato. Humanos terem sido criados do jeito que são hoje por Brama, Gaia, Deus ou qualquer outra divindade não elimina o fato de que todos os seres vivos evoluem, inclusive nós.

Primeiro nós temos uma pequena aula de semântica, em Theory vs Hypothesis vs Law Explained. Aqui fica claro porque não é correto descartar a evolução como fato dizendo é só uma teoria. O vídeo explica outro significado para a palavra (dica: é o mesmo usado quando falamos em teoria musical). Esse vídeo explica também como funciona o processo científico. Ou seja, mostra como fazemos que tirar conclusões acerca de fatos. E também como essas conclusões nos ajudam a prever o que vai acontece depois. O vídeo está em inglês, mas fuçando nas opções do player é possível ativar as legendas automáticas em português. Além disso, este é um ótimo canal e recomendo sua assinatura.

O início do segundo vídeo repete um pouco da explicação do primeiro, porque explica a diferença entre os possíveis significados para a palavra teoria. Mas nunca é demais lembrar disso. Depois, ele começa a mostrar como a evolução funciona. Mostra que nós já a utilizamos para poder criar raças de cães mais agressivas e linhagens de cavalos mais aptas a ganhar prêmios. Com isso, explica a diferença entre seleção artificial e seleção natural. Explica também alguns mal-entendidos acerca da evolução das espécies: mostra porque não existem patos com boca de jacaré, cães dando à luz gatos e macacos virando homens. Este vídeo também está em inglês e tem legendas em português.

E O Maior Espetáculo da Terra, do canal brasileiro Minutos Psíquicos, traz mais explicações sobre a evolução, e busca mostrar o quão legal ela é. Ele também fala de alguns mal-entendidos comuns. Primeiro mostra que uma mudança não necessariamente é sempre uma coisa boa. E que, exatamente por isso, não se difunde na espécie. Outra coisa é que um indivíduo por si só não tem como individual e deliberadamente fazer a sua espécie evoluir. Este é outro canal que a casa recomenda.

Junte isso tudo com o site Entendendo a Evolução, do Instituto de Biociências da USP, e este artigo do The Week e você tem material suficiente para saber que não deve sair por aí falando nem que o homem veio do macaco nem que as pessoas deveriam acreditar na evolução.

Micro-conto: Dos Problemas de Juliana

Juliana conheceu Jesus quando estava na casa dos trinta. Em pouco tempo se converteu e tornou-se uma praticante fervorosa. Como sempre foi uma mulher muito interessada por assuntos científicos, começou a duvidar de algumas coisas que aprendia na missa. Eram incompatíveis, dizia ela. Não demorou muito para que abandonasse a igreja.

Pouco tempo depois, começou a ter problemas psicológicos e passou a beber todos os dias. Era só pra relaxar, falava. O esposo a aconselhou a conversar com o padre da paróquia onde costumava ir antes de se desgarrar. Ela preferiu procurar uma psicanalista.

Durante o tratamento, conseguiu descobrir a origem dos seus problemas. Aprendeu a controlar seus sentimentos negativos e parou de beber. Viveu feliz e morreu aos 92, cercada pelas netas e pelas amigas do clube do xadrez.

Agradecimento ao Papo de Homem

Já há alguns anos acompanho o site Papo de Homem. Aprendi muito com seus textos e seus vídeos e vejo isso dando frutos na minha vida. Esta semana tive a honra de ver meu nome figurando entre aqueles que tanto admiro.

Desde meados do ano eu vinha escrevendo um longo artigo sobre como tinha superado alguns problemas e melhorado substancialmente meu mundo interno. Quando dei o artigo por acabado, achei que tinha ficado tão bom que valia a pena tentar fazê-lo chegar ao um número maior de pessoas. Enviei para o PdH.

Para minha surpresa, já no dia seguinte recebi uma resposta deles e em menos de 24 horas já estávamos com o texto editado e pronto para ser publicado. E sua recepção foi ótima. Muita gente deixou comentários agradecendo, dizendo-se inspiradas por ele. Fiquei feliz de ver minha cria ajudando outras pessoas.

Para minha surpresa, algumas pessoas próximas me procuraram com histórias semelhantes. Primeiro se diziam surpresas ao descobrir que eu tinha esses problemas, depois falavam que enfrentavam as mesmas dificuldades, que faziam terapia, que não conseguiam se acalmar. E que o texto as ajudava a ver uma luz no fim do túnel. Eu compartilhar minha história as ajudava a ver que é possível sim melhorar.

Do mesmo jeito que elas se surpreenderam ao saber dos meus problemas, assim fiquei eu quando descobri os delas. Pessoas com quem convivo, bem humoradas, brincalhonas e fanfarronas, cheias de problemas que não conseguem superar e tendo que se tratar por conta disso.

Reforcei uma lição importante daí. É algo que eu já vinha remoendo, e pensando em escrever sobre, e que ficou ainda mais claro: não sabemos conversar e precisamos aprender. Precisamos nos abrir mais. Não apenas no sentido de nos abrir para colocar as coisas pra fora, mas também para acolher. Precisamos ser mais capazes de trazer as pessoas para perto de nós e deixá-las falar, com disposição apenas para escutar. Mais uma faceta do projeto de me tornar uma pessoa melhor.

Fica aqui meu agradecimento público à equipe do Papo de Homem por terem aberto espaço para o meu texto. Ver que ele motiva e inspira outras pessoas a enfrentar seus problemas é muito gratificante. Todo o contato com as pessoas que me procuraram e as lições que tirei disso tudo vão render bons frutos. Valeu mesmo. Vocês são 10.

Das Emoções Difíceis

Nunca fui do time dos calmos. Estava sempre pronto para bater uma porta quando contrariado ou para ser agressivo com quem não estivesse de acordo minhas expectativas. E, claro, me achava coberto de razão. Achava que as injustiças às quais era submetido me davam a justificativa moral para poder explodir e agredir até quem não tinha nada a ver com o assunto.

Alguns anos atrás, quando passei por uma série de grandes mudanças quase simultâneas na minha vida, a coisa piorou. O que acabou culminando com algum tempo de terapia. Me dei alta nove meses depois, num processo duro de autoanálise e autorreconhecimento.

Saí de lá dono de uma serenidade que não conseguia ter antes, reagindo de forma tão diferente a certas situações que até me surpreendo, num processo de melhoria que venho aperfeiçoando desde então. Depois de uma longa conversa com um amigo, achei que seria uma boa ideia compartilhar como essa transformação aconteceu.

***

Este é o início de um longo texto meu que vai ser publicado segunda feira no Papo de Homem. Acho que é uma das melhores coisas que já escrevi e dá um puto orgulho ver meu nome no site que tanto me ajudou nos últimos anos. Só tenho a agradecer à equipe por tê-lo aceito.

***

O texto já está no ar.

Do Questionar

Às vezes, quando eu comento sobre como seria bom se as pessoas pensassem de uma forma diferente sobre um tema qualquer, alguém argumenta que a vida é assim mesmo, como forma de me convencer de que não adianta questionar.

Mas poxa, só porque a vida é de um jeito ela precisa ser daquele jeito?

Sobre Falar Menos

Percebi que uma coisa muito comum que a gente faz é ficar trazendo a conversa para o nosso lado.

Não é problema compartilhar histórias. Se alguém fala de colegas de trabalho engraçados não tem problema contar histórias engraçadas também.

Mas quando uma pessoa fala de um lugar onde já fomos, porque contar nossas histórias? Porque não dar corda para pessoa e ouvir as histórias dela? Perguntar porque ela gostou do lugar. Perguntar o que ela fez. Porque foi lá. Não é preciso apropriar-se da conversa e começar a contar as suas histórias sem deixar a pessoa contar as dela.

É claro que você não vamos transformar a conversa em um interrogatório e encher a pessoa de perguntas. Isso pode ser intrometido.

Mas aprendi que é possível manter a conversa saudável sem tomar conta dela.

(Sobre Ouvir Mais)

Micro-conto: Da Paciência de Iara

Iara não tinha paciência com quem fazia trocadilhos com tempos verbais.

- Oi, boa tarde, eu queria meio quilo de quiabo, por favor.
- Queria, então não quer mais?
- É, não quero não.

Saiu sem falar mais nada e nunca mais comprou naquela quitanda.

O Livro, de novo

Em 2007 publiquei meu primeiro livro, Trabalho em Cartório mas Sou Escritor. Agora, quase uma década depois, sua versão digital está disponível na Amazon. Além dos trinta e quatro contos e crônicas da edição original em papel, o ebook tem um conto bônus, que tinha sido publicado antes em Entrelinhas, a antologia da qual fiz parte.

Ele pode ser lido em qualquer dispositivo Kindle ou em qualquer celular e tablet que tenha o aplicativo Kindle.  Pode também ser lido pela internet, direto no site da Amazon.

E, aproveitando pra fazer um bota-fora e abrir espaço na casa, a edição em papel sai pelo mesmo preço da digital: só seis Reais. Além disso, o Entrelinhas sai por quinze.

Micro-Conto: Planos na Cafeteria

Frequentavam a cafeteria da Rua Gal Buarque. Era tão barulhenta que ninguém nunca desconfiou que planejavam assassinatos.

Da Vida no Modo Easy

No meio de uma situação bem complicada, uma amiga sugeriu: bota a vida no modo easy, ninguém aqui vai te julgar.

Mas, caramba, olha só a minha vida como é:

Nasci homem: as pessoas dão atenção ao que eu falo, as pessoas não me interrompem, as pessoas assumem que faço coisas importantes, não tenho medo de ser estuprado, não tenho medo de ser encoxado num ônibus lotado, as pessoas dão ouvido às minhas reclamações, meu salário não é menor por causa disso, não preciso me maquiar para sair de casa, não preciso me preocupar com a cor do meu cabelo ou com a roupa que vou usar, se eu fizer algo errado ao dirigir ninguém vai gritar que só podia ser homem.

Nasci branco: as pessoas não fazem piada com minha cor, os guardas não dificultam minhas entradas nos bancos, corro menos risco de ser parado pela polícia, não corro o risco de ser assassinado por causa da minha cor, as pessoas não acham que vou fazer um serviço ruim por causa da minha cor, não sou confundido com bandido, porteiro, segurança ou motorista por causa da minha cor.

Nasci hetero: eu tenho o direito de casar e de adotar crianças sem que as pessoas tentem impedir isso, não há livros sagrados dizendo que eu sou imundo, eu tenho o direito de beijar minha esposa em público, eu posso andar na rua sem medo de que alguém me acerte com uma lâmpada fluorescente, nunca precisei esconder minha sexualidade da minha família e de meus amigos.

Já está no modo easy, não está?

Micro-Conto: A Plantação de Elisa

Assim que o ônibus, sempre lotado, passava do pedágio da Ponte Rio-Niterói, Elisa, sentada, tirava os fones de ouvido e guardava na bolsa. Mas não saltava no ponto do Mocanguê. Gostava de semear falsas esperanças.

Do Politicamente Correto

Até uns anos atrás, eu tinha orgulho em me dizer politicamente incorreto. Achava que zoação fazia parte da vida, então foda-se. Achava que direitos humanos eram para humanos direitos. Felizmente, graças à maturidade, às porradas da vida e às leituras budistas, fui aprendendo o quanto isso era reprovável.

Foi um processo longo e penoso. Comecei devagar, reconhecendo meus erros, me debatendo entre mudar e me manter como era. Aprendi muito com muita gente.

Hoje me afirmo politicamente correto. Se tentar não magoar ou ofender ou denegrir ou fazer pouco de alguém é ser politicamente correto, então... é isso que eu quero ser e é isso que eu quero que pensem que eu sou.

É possível escolher quem eu quero ser. Serei aquele que perde o amigo mas não perde a piada, ou serei aquele que busca o bom convívio com todos os que estão à sua volta?

As pessoas falam ah, mas o mundo é feito de zoação e não há como mudar isso. Digo que tem como mudar sim. Posso não ser capaz de mudar o mundo, mas sei como é o mundo em que eu quero viver e pelo menos mudo a mim. Já é uma grande vitória.

***

Tudo isso pra apresentar mais um dos excelentes textos do Alex Castro pro Papo de Homem: Politicamente Correto, Uma Defesa.

Se você é politicamente correta, querida leitora, este texto é pra você.

Mas se você é politicamente incorreta, então... aí sim que este texto é pra você.

Como Gerar Menos Lixo?

Há um tempo, estabeleci pra mim que quero gerar cada vez menos lixo. Aos poucos estou aprendendo maneiras de ser menos poluidor. Aqui estão as coisas que tenho conseguido fazer.

Para trazermos menos sacolinhas plásticas pra casa, encomendamos duas boas bolsas de pano, resistentes, que estão conosco firmes e fortes há anos. Além disso, fomos colecionando outras bolsas de tecido, que sempre carregamos quando vamos fazer compras.

Com a ajuda deste vídeo reduzi o número de toalhas de papel que eu uso. Parece que é bobagem, mas deixar de gastar três ou quatro folhas de papel depois de lavar as mãos é uma baita diferença.

Ao fazer compras de legumes e verduras, eu não os coloco naquelas sacolas plásticas brancas transparentes dos mercados. Afinal de contas, pra que levar essas sacolas se a primeira coisa que eu faço quando chego em casa é jogá-las fora? Ponho tudo solto no carrinho de compras. O pessoal do caixa acha diferente, mas e daí?

Quando compro uma coisa só no mercado, se esta coisa já vem ensacada (como pão de forma) eu não pego a sacolinha. Pra que guardar na sacola o que já está em uma sacola?

Deixei de comprar bebidas engarrafadas para levar em minhas caminhadas. Comprei garrafas térmicas e ponho água ou sucos naturais nelas.

Plantei uma horta, que é adubada com as cascas dos legumes e frutas que consumimos.

Parei de comprar jornal e raramente compro revistas.

Evito usar material descartável. Quando uso, evito descartar.

Meus próximos objetivos são descobrir lugares onde comprar produtos a granel perto de casa e destinar meu lixo para centros de reciclagem.

Alguma leitora tem outras sugestões?

As Fotos de Elisa

Como tudo começou? Ah, foi numa manhã de segunda feira, eu tava sentada bem aqui, mesmo, e Elisa chegou com um sorriso desse tamanho assim. Ela estava começando a curtir a vida de solteira, depois de uma separação traumática que se arrastou durante alguns meses. Tinha passado o feriadão em Jericoacoara, com suas amigas do curso de canto. Contou que conheceu um carinha por lá e pegou o celular pra me mostrar as fotos. Quase o deixou cair no chão quando encontrou uma foto dela mesma, dormindo em sua cama, na noite anterior.

Depois que o susto passou, chegamos à conclusão de que ela deveria ter chegado tão cansada e cheia de bagagem no domingo à noite que acabou esquecendo a porta aberta. Daí algum maluco do prédio entrou, tirou a foto e saiu. De manhã, talvez não tenha nem reparado que a porta ainda estava aberta. No fim do dia fui com ela até a delegacia para fazer um boletim de ocorrência, onde tivemos que aturar o risinho debochado do escrevente, que achou que ela tava de brincadeira.

Chegou no trabalho no dia seguinte com os olhos saltados. Garantiu que tinha trancado a porta e dormido à base de calmante, mas quando foi olhar o celular de manhã lá estava outra foto sua, tirada naquela madrugada. Mal conseguiu trabalhar, a coitada. Eu tentei convencê-la de todas as maneiras a ir dormir na minha casa, mas nada deu jeito. Insensível aos meus protestos, decidiu ir pra casa, dizendo que iria virar a noite à base de café e energéticos.

E assim fez. Saiu da oficina, passou no mercado, encheu o carrinho com as bebidas mais fortes que encontrou e foi pra casa. Foi a primeira a chegar no dia seguinte e tinha olheiras de dar dó. Mas dizia estar mais tranquila, porque viu o dia amanhecer tomando um energético atrás do outro e ninguém tinha entrado no apartamento. E pegou o celular para provar.

Seu grito assustou a todas. Lá estava uma nova foto, ela de costas, enquanto tomava banho naquela mesma manhã. Nossa diretora deu o dia de folga pra ela e finalmente consegui convencer Elisa a ir pra minha casa e dormir por lá. Ela falou que ia passar em seu apartamento para pegar umas roupas e depois iria pra minha casa.

Assim que ela saiu, liguei para minha esposa para avisar. Nós já tínhamos conversado sobre o que estava acontecendo e ela tinha apoiado a ideia de receber a Elisa por uns dias. Pedi para que me ligasse quando ela chegasse por lá, pra me deixar tranquila.

Quem acabou ligando fui eu, porque não tinha como a Elisa não ter chegado lá em casa ainda... já era mais de meio-dia! Paula me falou que, realmente, nem sinal dela. Liguei pra Elisa.

Com a voz trêmula, pediu desculpas por ter mentido pra mim e disse que tinha saído da cidade. Estava com medo de estar sendo perseguida por alguém e decidiu fugir por uns dias. Disse que foi de carro até a rodoviária, comprou uma passagem para não-me-disse-onde e já estava longe. Falou que ia se trancar em um hotel pra ver se as fotos paravam.

A polícia a encontrou seis dias depois. Tinha se enforcado dentro do quarto dum hotel de beira de estrada perto de Blumenau. A seus pés, encontraram seu celular.

Nele, a foto mais recente era de seu corpo pendurado no quarto do hotel.

A Negação de Gaia

A grega Nadine era cidadã de uma sociedade que venerava Gaia, a deusa-maior.

Muito criticada por todas, negava-se a acreditar em sua existência e sua influência sobre a sua vida. Acreditava que suas alegrias e tristezas eram reflexo de suas próprias ações e decisões e, também, fruto de simples sorte ou azar. Apesar dos protestos de amigas e da família, recusava-se a reconhecer Gaia como sua grande benfeitora.

Morreu aos 96 anos, próspera e feliz, cercada pela família e por suas amigas mais próximas.