Feliz ano novo

Eis que termina 2010, um ano excelente pra minha vida. Se não consegui fazer tudo o que queria, tudo o que fiz me trouxe imensa satisfação. Se 2011 for no mesmo nível, dar-me-ei por satisfeito.

Agradeço às minhas leitoras pela audiência e desejo a todas um 2011 porreta.

Disco: The Union, de Elton John e Leon Russell

No final de novembro chegou às lojas brasileiras The Union, o novo disco de Elton John. Antes de partir para minha opinião sobre ele, cabe compartilhar com minhas leitoras sua história.



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Nos anos 60, quando Elton John ainda não era Elton John e lutava para conseguir trabalho como músico, um certo Leon Russell começava a fazer bastante sucesso. Leon Russell tocou em Woodstock e trabalhou nas bandas de Eric Clapton, George Harrison e Joe Cocker, só pra citar alguns dos grandes, além de ter uma sólida carreira solo.

Além de guitarrista talentoso, era pianista de mão cheia e sabia muito bem ganhar o público quando estava em cima do palco. Por conta disso, Leon Russell era o ídolo de Elton John. Eu, que já vi dezenas de entrevistas do Elton e li várias matérias e livros sobre ele, sempre o ouvi dizendo que seu grande ídolo era o Leon, influenciando seu jeito de tocar e de se apresentar.

Na segunda apresentação de Elton John nos Estados Unidos, no início dos anos 70, lá estava Leon Russell para assistir a promissora estrela. Pouco tempo depois, quando Elton John já era um grande sucesso, os dois chegaram a se apresentar juntos, com Elton abrindo os shows do Leon.

Pouco tempo depois os depois se afastaram, Elton John tornou-se o fenômeno que tomou conta da primeira metade dos anos 70 e Leon Russell afastou-se dos holofotes, sem fazer sucesso desde então, sendo esquecido pela mídia. Nunca mais se falaram.

Dando um salto no tempo, chegamos a 2008. Elton era o convidado especial de um programa de entrevistas encabeçado por Elvis Costello. Costello perguntou a Elton quem eram os seus ídolos, e o nome de Leon Russell veio à tona. Pouco tempo depois, o esposo do Elton John, David Furnish, sem conhecer nada de Leon Russell, comprou alguns de seus discos para ouvir.

Em novo salto no tempo, vamos para 2009. Elton e o esposo estão na África a passeio e um disco de Leon Russell começa a tocar no iPod de David. A saudade bateu forte e Elton John resolve ligar para Leon. Mas mesmo depois da ligação ele não se deu por satisfeito: Elton achou uma injustiça muito grande o fato de Leon ter sido esquecido, e que merecia um lugar no Rock’n’Roll Hall of Fame.

Ligou então para o produtor T Bone Burnett (que já produziu Brandi Carlile, B.B. King, Elvis Costello e Counting Crows), contou para ele toda a história que estou compartilhando aqui com vocês e perguntou se ele gostaria de produzir um disco feito por Elton e por Leon. Tendo sua resposta positiva, Leon recebeu uma nova ligação de Elton, com o convite para a gravação do disco.

Deu no que deu.



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Se quiser, ouça a história como contada por Elton John em pessoa:







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The Union não é um disco só de Elton John, nem só de Leon Russel, mas um disco de ambos, uma nova força musical que têm influencia dos dois e que produz algo diferente de tudo que Elton John já tenha feito. Algo como Fagner e Zeca Baleiro fizeram quando gravaram juntos.

I guess we’re not good old Yellow Brick Road anymore.

Quando minha cópia finalmente chegou, me larguei no sofá para ouvir o disco todo de cabo a rabo e, devo admitir, a primeira audição foi esquisita. Esquisita porque eu não conhecia a voz de Leon Russell, esquisita porque nunca tinha ouvido um Elton John tão gospel, esquisita porque achei que haviam poucas guitarras.

(Parêntese: tenho ouvido músicas da época em que Leon Russell fez sucesso. Lembra um pouco o rock de Raul Seixas, na voz e no estilo.)

Mas não me entendam mal. Por esquisito não quero dizer ruim. Era apenas diferente. Hoje, depois de ouvir o disco algumas dezenas de vezes, já dá pra falar sem medo que The Union pode figurar com orgulho entre os dez melhores trabalhos do Elton John, ao lado de grandes discos como Goodbye Yellow Brick Road, Songs From the West Coast e Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy.

Em todas as entrevistas que deu para falar do disco, Elton John sempre falou de Leon Russell com a reverência e o respeito característicos de fã, e isso também fica visível no disco: a primeira faixa - If It Wasn’t For Bad - fica por conta de Leon Russell, assim como a última - In the Hands of Angels.

A maior parte das músicas foi escrita a oito mãos por Elton John, Leon Russell, T Bone Burnett e Bernie Taupin (o parceiro musical de Elton John desde o início de sua carreira). Uma exceção especial à regra é a última música do disco, a já citada In the Hands of Angels, escrita e composta apenas por Leon Russell como um agradecimento a Elton John. Nos vocais, Elton e Leon trocam versos em várias músicas. Só em algumas faixas apenas um dos dois fica à frente o tempo todo. Como convidados do disco, aparecem Neil Young em Gone to Shiloh e Brian Wilson em When Love is Dying.

The Union traz grandes baladas, excelentes rocks e outras músicas que têm um quê de gospel, de jazz, de country. A última vez em que um disco de Elton John tinha vocalistas como as que trabalharam em The Union foi há mais de uma década, em The Big Picture.

Recentemente, em uma entrevista, Elton John falou que já não tem mais como competir no mundo da música pop, e seu principal interesse agora é fazer a música que gosta, sem se preocupar com paradas de sucesso. Se for para fazer mais discos como The Union, que assim o faça, porque o resultado foi fantástico.

Lá fora o disco foi lançado em quatro versões diferentes: cd normal com 14 músicas, box de cd com 16 músicas + dvd com making of, vinil e download. Comprei o box de cd + dvd e é aqui que tenho algo a reclamar do disco: primeiro pela nojenta e frágil embalagem de papelão. Custa botar tudo numa caixa de acrílico?!

Segundo porque o dvd é uma piada, com seus seis minutos de duração. Sim, isso mesmo, querida leitora, SEIS minutos. Tudo bem que ano que vem eles vão lançar a edição completa e que queriam dar só um gostinho para quem comprasse o disco, mas pera-lá, né? No site do Elton John eles disponibilizaram uma dúzia de entrevistas com o Elton e com o Leon sobre o disco nos últimos meses. Não poderiam ter incluído pelo menos estas entrevistas em alta qualidade no dvd?

(Um alerta: as lojas online nacionais anunciam o disco nacional com 16 músicas, mas ele tem só 14. Não se enganem.)

Um ponto interessante do cd, e acho que TODO cd devia ter isso por lei, é ele ter um longo texto de apresentação - 4 páginas - escrito pelo Elton John, contando a história do disco. Muito bacana mesmo, e que dá mais valor ao objeto em si. Além disso, colocando o cd computador é possível acessar um site exclusivo onde se pode baixar mais vídeos mostrando mais dos bastidores do disco (são os mesmos que eu falei que poderiam ser incluídos no dvd).

Depois de tantas audições, as minhas favoritas já estão aparecendo: If it Wasn’t for Bad, Hey Ahab, Gone to Shiloh, Hearts Have Turned to Stone, The Best Part of the Day, A Dream Come True e I Should have Sent Roses.

Se há algo a reclamar das músicas, eu acho que algumas se estendem demais no final sem muitas variações. Acho que em alguns momentos uns riffs de piano ou de guitarra soariam muito bem.

No fim das contas, The Union foi escolhido pela Rolling Stone como o terceiro melhor disco do ano e chegou ao terceiro lugar na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos (ficando entre os dez mais durante um mês). Nada mau para quem disse que não tinha mais chances de chegar às paradas de sucesso.

Pra colocar a cereja no bolo, Leon Russell acabou de ser indicado para entrar no Rock’n’Roll Hall of Fame. Missão cumprida.


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Micro-Conto

Viciado em aliterações, entrou para o exército só para poder dizer "sou soldado".

Faz-me Rir, Google V

Vejam só algumas das pesquisas esquisitas que trouxeram visitantes ao Sarcófago recentemente.

Primeiro, algumas maneiras diferentes de escrever nomes de gente famosa. Será que vocês conseguem adivinhar? weltondon, jhon lenny e mayrylyn mour.

E tem também as buscas inusitadas:

oque o cara do sarcofago ten nas mãos
Livros para vender! Comprem, pelamor de Deus!

como se escreve tira copia cheroques
Sempre me surpreendo com os jeitos inusitados que as pessoas arranjam para escrever certas palavras. É com X, mané!

gleatest hets disco de elton jones
Que tipo de música teria num disco destes?

kero houvir musicas de helton dion
Compra um disco, então! Começa com uma coletânea que você vai se divertir. Ou então um gleatest hets, sei lá.

a musica que jhon lenny fez para a princesa Dayane
Imagine a cena: Diana morre e o pessoal do castelo manda buscar o Chico Xavier aqui no Brasil para poder psicografar uma letra ditada pelo John Lennon. Seria o primeiro funeral espírita mundialmente famoso. Não foi o John Lennon não, mané. Foi o Elton John.

usando cráse
Sobre crase, eu escrevi este artigo que dá algumas dicas. Mas acho melhor você aprender sobre o acento agudo primeiro.

o que que dizer a letra a no teclado
Quer dizer que você é um Animal Analfabeto. Sério, não sei que tipo de estado mental leva uma pessoa a ter esse tipo de dúvida.

regra de degitaçáo
Primeira regra: lembre-se sempre da boa ortografia. Depois, leia este meu artigo.

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Leia outros Faz-me Rir, Google: parte I, parte II, parte III, parte IV.

Alfinetes



Os alfinetes descansam enquanto a costureira não trabalha. Tem outras lá no flickr.

Músicos Clássicos

Estou escrevendo um artigo sobre grandes nomes da música clássica onde comento sua cronologia e influência nas obras uns nos outros. Os nomes presentes na lista até o momento são os seguintes: Pachelbel, Vivaldi, Bach, Mozart, Beethoven, Rossini, Schubert, Mendelssohn, Chopin, Schumann, Wagner, Brahms, Tchaikovsky, Mahler, Ravel, Villa-Lobos e Strauss.

As minhas leitoras têm interesse em incluir algum nome na lista?

Disco: Jô Soares e o Sexteto

Um dos discos mais antigos da minha coleção é o primeiro que o Jô Soares gravou com o seu Sexteto, lançado no fim da década de 90.

Recheado de canções de jazz e blues, o disco é uma delícia de se ouvir, seja pela competência dos músicos, seja pelo excelente repertório escolhido para a apresentação, seja pelo bom humor do Jô e suas explicações para as músicas.

Recentemente, na minha busca pela desaceleração da vida, acabei redescobrindo-o e cada vez que o ouço descubro mais um detalhe interessante que o torna ainda mais agradável para os meus ouvidos.

Instigado por tantos comentários do Jô sobre as versões originais das músicas, a maioria delas vindas lá dos anos 20 e 30, parti para o YouTube em busca de vídeos da época. Com o resultado das buscas, montei então uma playlist com as músicas que fazem parte do disco, a maioria delas são as versões citadas pelo Jô. As faixas são as seguintes:

Summertime, versão lírica original
Summertime, versão jazz na voz espetacular de Ella Fritzgerald
Sudwest Funk, na voz de Donald Byrd
Night in Tunisia, com Dizzy Gillespie
Let’s Get Lost, com Chet Baker
Blues Walk, com Lou Donaldson
Stormy Monday, com T-Bone Walker
On the Sunny Side of the Street, com Tommy Dorsey
St. James Infirmary, com Louis Armstrong
Makin’ Whoopee, com Eddie Cantor
Caravan, com Duke Ellington
You Ought to Be in Pictures, com Guy Lombardo
One Meat Ball, a versão original de Um Croquete, com Josh White

De bônus, incluí também Don’t Be That Way, com Benny Goodman. Esta não faz parte do disco, mas é citada pelo Jô como a música que estava sendo tocada no primeiro show de jazz feito no Carnegie Hall, exatamente no momento em que ele, o Jô, nascia.

Se a leitora não quer ver todos os vídeos, recomendo fortemente a segunda versão de Summertime, porque Ella Fritzgerald tem uma voz ímpar; Stormy Monday, porque T-Bone Walker faz a guitarra falar; e Caravan, porque o estilo dos músicos é impagável.

Evolução das Espécies II

Cabeça Dinossauro, dos Titãs. Vinil, CD, iPod.

Poço do Samambaia



O Poço do Samambaia fica no bairro da Boa Vista, perto do Centro de Cachoeiras de Macacu/RJ.

Quando eu era criança, parecia muito distante e era uma aventura ir lá. Hoje, com a degradação do rio Boa Vista, é comum termos que ir até ele para poder usufruir de água limpa.

Veja esta foto também.

Declaração de Culpa

Eu digo que não sou racista, mas, em uma rua escura, quanto mais escura for a pele de quem vem em sentido contrário, maior o meu receio.

Eu digo que não sou homofóbico, mas se pudesse evitar que minha filha nascesse lésbica, evitaria.

Digo que não tenho vários preconceitos, mas pratico vários deles em detalhes do que faço todos os dias.

Tratar bem as pessoas negras ou homossexuais que conheço não é prova de não ter preconceito. A prova é dada quando lidamos com as pessoas que não conhecemos. E é aí que o preconceito aflora com pressão.

Sei que tem gente pior que eu, mas isso não é razão para me sentir limpo dos meus pecados.

Eu também sou culpado. Eu sou parte do problema.

E não quero mais ser!

Livro: Por Um Fio, de Dráuzio Varella

Um dos melhores livros que li este ano foi Por Um Fio, do Dr. Dráuzio Varella, e recomendo fortemente sua leitura a todas as minhas leitoras. Nele estão reunidas algumas dezenas de histórias de pacientes e parentes de pacientes à beira da morte. São histórias de cura ou não, com finais felizes ou tristes. Não necessariamente respectivamente, diga-se de passagem.

Uma coisa que reparei durante a leitura é que ao final das histórias, o Sr. Varella não dá nenhuma lição de moral. Terminando a história com a morte ou a cura do paciente, ele simplesmente segue para a próxima, sem desperdiçar tempo.

A moral de todas as histórias só chega mesmo no final do livro, e é uma conclusão à qual eu já tinha chegado na metade da leitura. É neste ponto que o livro mostra realmente a que veio e a leitura se torna ainda mais recomendável.

Se a leitora ainda não teve o prazer de lê-lo, vá e faça isso antes de continuar lendo este artigo, porque os comentários aí embaixo são pra compartilhar minha opinião com quem já leu, e entregam algumas das surpresas do livro.

A moral da história é mais uma questão filosófica. A proximidade da morte leva todos a um estado de espírito completamente diferente de tudo o que já vivenciaram. Para muitas pessoas, as doentes ou as que as acompanham, este é um momento de redescoberta da própria vida, onde os valores são revistos.

Aí entra a grande questão: será que é possível, através de um esforço consciente, alcançarmos este estado de espírito e revisão radical de valores sem que seja preciso passar por momentos de dor e privação?

Pode parecer que sim, mas a rotina acaba por nos deixar acomodados e manter este estado de espírito torna-se um exercício hercúleo. É difícil parar para prestar atenção aos detalhes da vida quando tudo à nossa volta exige agilidade e respostas imediatas.
Não é tarefa fácil fazer disso um hábito, mas cabe a nós mesmo exercitar esta atitude ao longo da vida.

Ou você prefere cair doente para começar a pensar assim?

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Evolução das Espécies

Money for Nothing, do Dire Straits. Vinil, CD, iPod.

Poço do Samambaia



O Poço do Samambaia fica no bairro da Boa Vista, perto do Centro de Cachoeiras de Macacu/RJ.

Quando eu era criança, parecia muito distante e era uma aventura ir lá. Hoje, com a degradação do rio Boa Vista, é comum termos que ir até ele para poder usufruir de água limpa.

Veja esta foto também.

Planos para 4 Anos - Continuação

No início de outubro, logo depois das eleições, eu publiquei uma lista de coisas que eu gostaria de ver sendo feitas pelos políticos eleitos. Tive algumas reações adversas e este post bota a conversa para rodar.

Sobre a legalização das drogas, uma leitora anônima perguntou:

Legalização das drogas com base na liberação de cigarro e álcool, não seria o caso de proibir essas duas também?

Faço outra pergunta: porque proibir o cigarro e o álcool? Primeiro que isso só iria criar mais dois mercados gigantescos de contrabando, porque proibição legal não é impedimento para que as pessoas consumam. O alto número de usuários das drogas ilegais é prova disso.

Depois, por que é que o Estado deve se intrometer na liberdade da pessoa em escolher o que ela come-fuma-cheira-injeta? Sim, eu sei que as drogas fazem mal e causam dependência, levando a crises e crimes, e é por isso que eu não uso. Eu nunca usei drogas porque sei que fazem mal, não porque o Estado mandou. Se por um acaso o governo proibisse a cerveja, nunca que eu iria deixar de beber uma Heineken de vez em quando.

O Thiago Verde comentou que a liberação “potencializa a punição pra quem sair da linha por estar drogado”, coisa com a qual concordo. Dirigir embriagado ou chapado teriam a mesma punição.

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Sobre a instituição da pena de morte, a leitora anônima perguntou:

Você acha que o nosso sistema jurídico é capaz dessa responsabilidade sem matar só pobre e até inocentes deixando livres os endinheirados?

Não, não acho, mas é claro que a coisa não sai de um dia pro outro né? Não basta apenas falar que, “olha só, de hoje em diante, estuprou, morreu”. Claro que é preciso criar toda uma estrutura jurídica para evitar que inocentes sejam punidos. Mas que é urgente termos punições mais exemplares, ah, isso é.

Já o Thiago Verde comentou:

Tem muito crimezinho que podia ser aliviado... um furto por exemplo... coisa pequena, tem pena alternativa q resolve.

Dependendo do crime, pode até ser. Ao invés de ficar trancafiado em uma cela com outras 74 pessoas, o sujeito poderia ir trabalhar pro governo.

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Sobre o fim de gratuidades obrigatórias, a leitora anônima falou:

Gratuidades são justificadas e as empresas de ônibus são compensadas enquanto os aposentados não são compensados de uma vida de trabalho com aposentadoria de salário irrisório. E estudantes, você diria que pais pobres mandariam o filho pra escola se tivessem que pagar transporte?

Tenho que confessar que falei um pouco sem saber como a coisa realmente funciona. Não sei se as empresas de ônibus recebem algum retorno do governo por conta das gratuidades que são obrigadas a carregar. Mas se não receberem, é uma grande sacanagem.

Quando eu trabalhava no cartório (e o Thiago Verde tá aí pra confirmar isso), a gente era obrigado a fazer alguns serviços de graça sem receber nenhum benefício disso. O cartório gastava tempo, material e pessoal para obedecer ordens do Defensor Público e não recebia nada em troca.

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Sobre a legalização do aborto, disse a leitora anônima:

Legalizar o aborto devido a estupros apenas (sem falar da pílula do dia seguinte) seria liberar um procedimento arriscado que adolescentes usariam sem medida e teriam a saúde prejudicada. Você acha certo liberar a matança de fetos por escolha pra todo mundo porque existe o estupro?

Aqui você exagerou, mocinha. Talvez eu tenha me expressado mal, mas é claro que não estou propondo um libera-geral. Como o Thiago Verde comentou, “até uma certa fase da gravidez, não vejo problema”. O problema aqui é estabelecer esta certa fase.

Já falei sobre isso aqui no Sarcófago e, relendo o texto, vi que minha opinião ainda não está formada. Claro que um aborto aos sete meses de gravidez é assassinato, mas acho que no primeiro mês não é. O problema é o meio do caminho, que ainda permanece envolto em uma bruma acinzentada e espessa.

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Sobre a flexibilização das leis trabalhistas, o Thiago Verde disse que

acho complicado... patrão ia montar.. afinal, se um não quiser ganhar SÓ X, outro vai querer...

Já a leitora anônima disse que

Flexibilizar leis trabalhistas com base nos bons acordos feitos entre as partes ferraria com todos os que tem maus patrões. O patrão pode tudo, ele que paga, ou nem isso se as leis forem flexíveis demais. Que tal a volta dos turnos de 16 horas? O empregado teria outra escolha? Seria demitido e entra alguém que aceite.

Nos dois casos, os dois argumentos caem no caso de atrapalhar a vida de quem anda direito para poder botar na linha um ou outro baderneiro. É como agia (age?) a Corregedoria do Rio de Janeiro ao criar controles absurdos do trabalho nos cartório só porque alguns tabeliães não prestavam conta direito e roubavam. É velho caso de os inocentes cumprirem a pena.

Não dar liberdade para que empresas e empregados discutam certos pontos de suas relações porque haverão empresas que vão explorar funcionários é o mesmo que aumentar o condomínio por causa dos inadimplentes. De novo: é o justo pagando pelo pecado do safado.

Gente, é claro que deveria haver fiscalização e limites para evitar que empregadores escravizem seu empregados, mas a flexibilização é justa e necessária.

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No restante dos assuntos, a leitora desconhecida e o Thiago Verde concordaram comigo. Um comentário interessante ficou por conta do Thiago:

Aulas o dia inteiro: seria ótimo, mesclar o ensino convencional, com aulas profissionalizantes, cultura, esportes, aulas de caráter doméstico, tanto pra homem quanto pra mulher, ensinar a cozinhar, a entender uma rede elétrica.

São coisas tão importantes de serem aprendidas quanto senos, reações químicas e a história do Brasil.

E vocês, o que pensam?

Crônica: Pastores Podem Casar

A crônica abaixo faz parte do meu livro Trabalho em Cartório Mas Sou Escritor. O que você está esperando para presentar uma amiga com literatura independente?


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Com dois meses de vida eu fui batizada. Em meados de 1964 a pequena Michele, euzinha, passou a ser filha de Deus, deixando de ser criatura. Passei minha infância dentro da igreja. Minha mãe, que Deus a tenha, era muito religiosa, e me levava todos os domingos à missa da manhã. Ela também ia à igreja durante a semana, algumas vezes, mas não me levava junto.

Lá com os meus dez ou onze anos comecei a ter aulas de catecismo para fazer a primeira comunhão, mas achei tudo tão chato e enfadonho que pedi para sair. Brincar era muito mais divertido do que decorar orações longuíssimas. Minha mãe ficou muito triste mas não me forçou a nada. "Um dia você é que vai correr atrás de Deus", foi o que ela disse.

O tempo passou e eu cresci. Quando já estava na casa dos vinte anos, minha mãe morreu e eu voltei à igreja, buscando algum conforto. Santa profecia, Moisés!

Neste meu retorno, frequentei a igreja durante um ano até que tive vontade de voltar a fazer o catecismo para, finalmente, fazer a primeira comunhão. Foi aí que chegou à nossa paróquia o padre Chkristóhphens, vulgo Cristóvão. Vinha de algum canto da Europa e era um padre maravilhoso.

Com maravilhoso eu me refiro aos seus cabelos loiros e sedosos, aos seus olhos azuis da cor de um céu de primavera, aos seus dentes alinhados, branquíssimos como uma nuvem. Maravilhoso era seu um metro e noventa de altura, e aqueles braços fortes, longos, lânguidos. Aquele andar de quem parece não pisar no chão. E aquela voz... ah, aquela voz!

Quando ele vinha falar com a gente do amor de Deus, da mensagem de Jesus, do Sagrado Coração de Maria, tudo o que eu ouvia era o meu amor, a mensagem que eu queria lhe dar e o meu coração palpitando cada vez mais rápido. Certa vez eu quase fiz a besteira de beijá-lo. Sei lá o que me impediu.

Com muito custo, fui dissimulando essa minha paixão juvenil e terminei a catequese. No dia da primeira comunhão, tive que confessar pela primeira vez. E logo com ele! Eu me sentia a pior das pecadoras, mas não podia ajoelhar no confessionário, pedir a bênção e contar ao padre que eu estava apaixonada justo por ele. Ah, isso não, ou eu seria condenada à lapidação em praça pública.

Então lá fui eu, ajoelhei, pedi a bênção e confessei que comia demais, que só pensava em dinheiro, que adorava sexo, que desejava os namorados das minhas amigas. Só não confessei que estava louca para beijá-lo ali mesmo, na sacristia.

Cumprido o ritual, tomei a minha primeira comunhão. Amargurada, chorei baldes. Todo mundo achou lindo, pensando que eu estava emocionada, mas a verdade é que eu estava arrependida de estar ali. Sabendo que não poderia continuar assim, e com a absoluta certeza de que jamais teria minha paixão saciada, resolvi me afastar daquela igreja.

Saía da minha cidade todo domingo e ia à missa em outro município! Mas cometi a heresia de me apaixonar pelo padre de lá também. Meu caso era irremediável. Então saí de vez da igreja católica.

Hoje sou evangélica. Não fui para a Assembleia de Deus porque deixei de amar Nossa Senhora ou por deixar de ser devota de São Leopoldo mas, sabe como é, pastores podem casar.


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