A Ganha-Pão


No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF.  Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme A Ganha-Pão, de Nora Twomey.

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Sobre os Círculos no filme A Ganha-Pão

Como cheguei a comentar em aula, uma coisa que chamou bastante minha atenção no filme foi a presença de imagens circulares, especialmente durante as sequências de história-dentro-da-história.  Revi o filme para poder contar quantas vezes esse tipo de imagem aparece:  são quinze vezes na narrativa normal e vinte vezes na narrativa interna.  Inclusive, a primeira imagem do filme, já na abertura, é uma imagem circular, que se repete mais tarde no decorrer do filme.  Na parte narrativa normal, além disso, mais da metade das vezes essa circularidade está relacionada à alimentação:  ou é a panela, ou é o prato, ou é o poço.

Fiquei imaginando se haveria alguma relação dessas formas com a arte afegã, islâmica ou do oriente médio, ou se haveria alguma relação de sentido com o que elas representam dentro do filme.  E por isso fui pesquisar.

No artigo Geometria - A Linguagem da Simetria na Arte Islâmica, Richard Henry afirma que "na arte islâmica, o círculo representa o símbolo primordial de unidade e a fonte de toda a diversidade da criação".  E segue descrevendo e dando exemplos de como, a partir de círculos sobrepostos, designers islâmicos são capazes de criar padronagens geométricas complexas.

Já em um artigo no site Digital Arts, onde Neil Bennett escreve sobre uma entrevista que fez com a diretora Nora Twomey, ele me entrega a resposta que eu procurava:  "certos motifs aparecem nas sequências místicas, especialmente redemoinhos. (...) Eram uma metáfora visual para as fases da lua, ciclos de guerra e paz no país, e as emoções e experiências das personagens femininas."

Apesar dela citar os redemoinhos, não vejo razão para não estender essa significação metafórica também para os círculos. Até mesmo a primeira imagem do filme, que citei no início, lembra muito a imagem de um feto no útero, o que remete claramente às experiências das personagens femininas destacadas pela diretora.