Se Natália Dissesse Sim

Era uma noite de sábado de carnaval como outra qualquer, e eu estava caminhando pela rua no meio da multidão que estava cada dia mais excitada com a animação dos blocos que passavam. Foi então que a vi. Ela estava parada na beira da rua com uma amiga e com certeza não percebeu que eu tinha parado no outro lado da rua, olhando fixamente para ela.

Tudo bem que o que me atraiu nela não foi exatamente ela, mas sim o fato de que ela era exageradamente parecida com uma outra por quem eu caía de amores. Isabela era a outra. Eu a tinha conhecido alguns anos antes, mas como ela tinha se mudado para outra cidade, muito longe, no interior de Minas, nunca mais pude vê-la, mas ainda assim estava apaixonado e não conseguia pensar em outra garota que não fosse ela.

Daí a atração por aquela garota no meio da multidão. Aquela pele morena, quase negra, os olhos amendoados, o cabelo negro como a noite sem luar caindo pelos ombros nus, tudo me fazia ver na minha frente apenas Isabela, e isso me deixou em êxtase. Eu tinha que falar com aquela garota. Oxalá sua voz fosse igual à de minha amada.

Parei, pensei, respirei, tomei coragem e cruzei a rua, em direção a ela. A coragem caiu pelo meio do caminho e passei ao seu lado, tentando apenas sentir o seu cheiro, que, infelizmente, não lembrava o de Isabela.

Parei atrás dela e admirei seu belo esbelto corpo, um corpo cujas curvas pela quais eu já me acreditava apto a serpentear. Mas a coragem que tinha caído no meio do caminho foi pisoteada pela multidão e seguiu junto com o bloco que passou. Dali rumei para casa. Mesmo sendo cedo, era fim de noite pra mim.

Na noite seguinte, apesar de ter saído para me divertir, não haviam mais blocos, não mais confetes e serpentinas, apenas aquele rosto, apenas aquele fantasma vivo cuja lembrança, sabia eu, iria me atormentar o resto dos meus dias se eu não criasse a coragem e pelo menos ouvisse a sua voz.

Caminhei pelas calçadas lotadas à procura daquelas mãos lânguidas, que poderiam, cria eu, me levar pelas águas caudalosas do rio de uma nova paixão. E lá estava ela. Sentada na arquibancada, junto com uma amiga. Sentei perto delas, a coisa de uns dois metros de distância, juntando toda a coragem que eu tinha. Assim que ela levantou, para comprar sei lá o quê, me levantei e fui atrás.

Antes que ela pudesse chegar ao seu destino, me acheguei e me apresentei. Foi um diálogo curto e fulminante. Com a mesma voz que eu tanto idolatrava - até isso era igual - ela negou o convite para uma conversa com a mesma certeza com que eu nego quando me oferecem uma carreira de cocaína. E sem dó de mim, sem ter noção de como me fez mal, virou as costas e me deixou ali, completamente só no meio da multidão.

E ali o carnaval acabou. As caixas de som deixaram de fazer qualquer barulho e os chocalhos pararam de tremelicar. Viviane e o amor, columbina e pierrô, passaram por mim com suas cores reluzentes mas não conseguiram pincelar tons pastéis em minha existência que então estava cinza.

Natália matou o amor que eu tinha por Isabela, então fui pra casa chorar as mágoas e a saudade no travesseiro para de manhã mudar de vida. Então, numa segunda-feira de carnaval, ainda com ressaca das minhas próprias lágrimas, decidi abraçar o sacerdócio. Estudei muito até minha ordenação, quando então fui pregar o evangelho de Jesus em outro país. Aprendi a falar dialetos africanos e fui para o calor do deserto evangelizar nômades. O Brasil tornava-se cada dia mais uma memória distante.

Cinqüenta anos depois já nem sei mais falar minha língua mãe. Já não sei mais se as pessoas pulam o carnaval do mesmo jeito. Esqueci o significado de palavras como marchinha e conheço apenas as veredas da fé e os caminhos de Deus.

Não me arrependo da minha decisão nem de tudo o que já passei em nome de Deus, mas, volta e meia, sentado em meu quarto nos fundos da capela onde celebro a santa missa, pergunto ao Pai o que teria acontecido se Natália dissesse sim.

Salmo 25

Definitivamente, nada traduz melhor tudo o que se passa aqui dentro.

Os Bruzundangas - Lima Barreto

Quando comprei este livro, achei que era um romance, mas me enganei. No início do século passado, na década de 10, Lima Barreto estava muito descontente com os rumos que o Brasil estava tomando, tanto no jeito de ser das pessoas quanto na corrupção dos políticos, e começou a escrever textos sobre um país fictício - a Bruzundanga.

Escreveu várias sátiras sobre o país, que eram publicadas em jornais de grande circulação na época. Em uma sátira ele falava da religião do lugar, em outra falava das escolas, depois do lazer, e então dos políticos e por aí ia. O livro Os Bruzundangas é a compilação destes textos, aparentemente em ordem cronológica de sua publicação.

É incrível perceber como as coisas simplesmente não mudam. Não mudam mesmo. Tudo o que Lima Barreto criticava em suas sátiras acontece ainda hoje do mesmo jeito, seja no campo da cultura, com seus artistas fracos que são nomeados para a Academia Bruzundanguense de Letras sem terem publicado um livro sequer; seja na política, com seus políticos corruptos que só fazem jogo de interesses; ou então na economia, onde regiões do país são mais privilegiadas do que outras. Ele trata até mesmo da influência de pessoas ricas nas tramóias políticas.

Um dos melhores exemplos de como as coisas não mudam é o seguinte trecho: "a política não é aí uma grande cogitação de guiar os nossos destinos; porém uma vulgar especulação de cargos e propinas". Gente, isso foi há quase cem anos, e nada, absolutamente nada mudou.

Lima Barreto sacaneia de tudo quanto é jeito que pode. Quando fala dos escritores da Bruzundanga, ele os pinta como pessoas que seguem uma regra exata para a produção de textos, ou seja, não existe a liberdade de criação, mas sim um conjunto de fórmulas que devem ser seguidas para a escrita de textos e poesias. O resultado é que toda a produção literária é praticamente igual, e ai de quem inventar de fazer diferente. As duas melhores demonstrações deste pensamento são duas das "leis" que regem a criação de poesias:

"1 - Sendo a poesia o meio de transportar nosso espírito do real para o irreal, deve ela ter como principal função provocar o sono, estado sempre profícuo ao sonho.
(...)
3 - A beleza de um trabalho poético não deve ressaltar desse próprio trabalho (...); ela [a beleza] deve ser encontrada com as explicações ou comentários fornecidos pelo autor ou por seus íntimos."

Uma das poucas coisas que não mais se aplicam ao Brasil é quando ele fala de produção musical. Para a Bruzundanga, Lima Barreto não dispensou mais do que duas linhas, apenas para dizer que nenhuma música é produzida. Isso mudou bastante, todo mundo sabe.

A única coisa que às vezes atrapalha a leitura é o estilo de escrita. Apesar de as palavras terem aparentemente sido "traduzidas" para o português atual (na questão da grafia das palavras), o modo de escrever segue o estilo de antigamente, que é meio esquisito para quem não está acostumado. Mas, fora isso e algumas palavras que a gente não conhece, dá pra ler tudo com tranqüilidade.

Enfim, é um livro divertido, mas que nos faz ver como não dá pra ter muita esperança de que as coisas vão melhorar. É arriscado que daqui a cem anos alguém junte as crônicas do Arnaldo Jabor e publique um livro, só para meus netos lerem e falarem que nada mudou desde o tempo do vovô Mário. E o livro vai falar as mesmas coisas que estão em Os Bruzundangas.

Livre Arbítrio - Final

E se, mesmo sem o livre arbítrio, o homem soubesse que Deus existe? Teríamos nos voltado contra o nosso "Criador"?

Vamos seguir a linha de pensamento da Ana: Deus cria o mundo, cria os animais e as plantas e povoa a terra com o homem, um ser capaz de compreender o mundo à sua volta, que sabe que foi criado por um Ser superior a ele e consciente de que deve obediência cega e irrestrita a esse Ser.

Ainda assim o homem não se voltaria contra Deus, pois sem o livre arbítrio não teríamos também a noção de que haveria outra opção: o não fazer. Teríamos em nossa mente apenas a idéia, rodando em moto contínuo, de que devíamos ficar babando os ovos de Deus, cantando hosanas nas alturas. Seríamos felizes, mesmo sem termos noção disso.


A relação atual entre Deus e o homem


Chegando à conclusão de que o homem não se revoltaria contra Deus por causa da falta do livre arbítrio, resta dar uma analisada em como o homem se relaciona com Deus tendo o livre arbítrio. E vê-se que já estamos em luta contra o Criador desde muito tempo.

Começa-se pelo seguinte: no princípio dos tempos, Deus botou Eva e Adão no paraíso e falou: "façam tudo o que quiserem mas não comam o fruto proibido". Mas o casalzinho, não satisfeito em poder fornicar o tempo todo sem pecar, resolveu ir contra as ordens do Grande Pai, pensando com certeza: "que nada, malandro, vamos é comer a tal fruta pra ver no que é que dá, esse Cara não sabe de nada". Esta foi a primeira revolução que o homem fez contra a palavra de Deus.

A partir daí, a partir do crescei-vos e multiplicai-vos, o homem foi criando mais homem, e todos eles sabiam como é que Deus queria que eles agissem, mas que nada, "a gente é que sabe das coisa, vamos fazer do nosso jeito".

Deste então o homem estabeleceu o senso comum de que Deus estava errado e começou a inventar um monte de jeito diferente de dizer como Ele é e o que Ele queria da gente, a seu bel prazer. É aí que estão as raízes das guerras na Irlanda e no Oriente Médio, e também do holocausto da Segunda Guerra, além de toda a intolerância que reina nos dias de hoje. E ninguém mais sabe quem está certo. Isso sem falar em pessoas que, face grandes perdas e tragédias, praguejam contra Deus, que, coitado, é posto como réu e condenado sem direito a defesa. E também tem o grupo que simplesmente não acredita e nega a existência Dele.

Isto sim é revolta contra o Criador.

Livre Arbítrio - Parte III

Dar o livre arbítrio para o homem foi uma decisão desastrosa? Teríamos nos voltado contra o nosso "Criador" sem ela?

Quando criou o homem dando-lhe o livre arbítrio, Deus pôs nas mãos humanas a facilidade de escolher o que quisesse, o que bem lhe conviesse. Acho que a linha de pensamento da Ana é a seguinte: se não tivéssemos escolha, iríamos acabar nos revoltando por ter que seguir sempre as ordens e desejos de Deus, seríamos seus escravos, sempre presos a um trabalho provavelmente repetitivo, desmotivador e sem ganhar nenhuma recompensa por isso.

Mas eu penso diferente. Se não tivéssemos esta faculdade, seríamos nada mais nada menos do que mais um animal no meio da bicharada. Não pensaríamos (ou pensaríamos como os animais, sei lá se bicho pensa).

Não seríamos diferentes em nada dos outros animais, pois existem bichos que não têm pelos, existem bichos que andam sobre apenas duas pernas, etc e tals. Desprovidos do raciocínio lógico que nos diferencia dos animais, seguiríamos nossos instintos, como a própria Ana disse: procuraríamos comida, defenderíamos-nos de nossos predadores e arranjaríamos abrigo para nos proteger das intempéries da natureza. Não teríamos, simplesmente, a menor noção da existência um Ser criador responsável pela nossa existência e, portanto, estaríamos cagando e andando para Ele. Logo, nada de revolta contra Deus.

A seguir: o homem sem livre arbítrio, mas com consciência disso.

Livre Arbítrio - Parte II

O ser humano tende a ser mau?

Não sei se é correta essa coisa de falar que, dada uma escolha, nove entre dez pessoas vão fazer a errada. Isso vai depender muito da criação das pessoas, independentemente de onde estamos.

Vá na China e fale para um caixa de banco dar o troco errado para dez pessoas. Quantas vão devolver o dinheiro? Faça isso no Brasil. Faça isso na Argentina, nos Estados Unidos, na África do Sul. Será que os resultados serão os mesmos? Eu, sinceramente, não sei. Mas não creio que os números sejam tão radicais quando 9x1.

O mundo atualmente passa por um momento muito complicado, em que estamos cercados pela intolerância e a violência, mas o número de pessoas que é intolerante e violenta é bem menor do que o número de pessoas que quer ficar em paz. A maioria das pessoas realmente quer um mundo de paz, quer viver em cidades onde se possa sair para passear na praça à noite sem correr o risco de algum assaltante vir a levar sua bolsa e sua vida. A falta de paz de muitas pessoas está nas mãos das poucas que querem a violência.

O grande problema é que as boas ações não repercutem tanto quanto as más. Ninguém publica uma foto de alguém dando o braço para uma velhinha atravessar a rua, mas todo mundo quer ver a foto do vovô assassinado na praça do subúrbio. E então, essa falta de informação de que existe muita gente boa no mundo gera o pensamento de que o ser humano é mau por natureza. Portanto, não. Não acredito que nós sejamos maus por natureza.

A seguir: o homem sem livre arbítrio, mas sem consciência disso.

Livre Arbítrio

Em 17/03/2005, a leitora Ana deixou um comentário que dizia o seguinte: "Aproveitando o "gancho" da oração, da fé, da religião, etc... gostaria de levantar a seguinte questão (que talvez sirva pra você "filosofar" sobre): quando Deus decidiu criar o homem, uma característica básica que o diferenciaria dos outros animais seria a substituição do instinto pelo grandioso conceito de livre arbítrio. Você concorda que seria uma noção desastrosa, já que se oferecermos uma escolha, nove entre dez pessoas vão fazer a errada? Se não tivéssemos essa maravilhosa característica, teríamos nos voltado contra o nosso "Criador"? Me responde essa com seu ponto de vista.".

Bom, para responder às perguntas dela, antes de mais nada tenho que ter em mente que devo levar em consideração apenas a interpretação bíblica da criação. Não estou dizendo que acredito ou não, digo só que vou tentar seguir a linha de pensamento da Ana.

Aí vocês têm que levar em consideração que eu não sei muito sobre a criação sob o ponto de vista bíblico. Na verdade, eu não sei muito sobre a criação do mundo sob nenhum ponto de vista, e vamos em frente. Portanto, não venham me xingar se eu falar alguma coisa que soe herética ou que esteja errada. Falo aqui na posição de leigo, com o chutômetro ligado no máximo.

Deus acha que o livre arbítrio foi um erro?

Pois bem, estava lá Deus, em seu estado de ser incriado, existente desde não se sabe quando, desde o infinito negativo do tempo, e, cansado de estar tão só com a sua onipresença, resolveu criar um planetinha, botar uns bichos nele e se divertir um pouco com a sua criação.

Depois de alguns dias, viu que não tinha muita graça só ficar vendo os animais correndo pra lá e pra cá, comendo uns aos outros, mantendo a cadeia alimentar funcionando, e resolveu criar um bicho novo, o bicho homem. Mas esse bicho seria diferente: pra começar, ele seria capaz de bater uns papos cabeça com Deus. Mas, além disso, ele poderia escolher o que fazer da vida, poderia tomar decisões, não apenas seguir seus instintos animais. O resto da história a gente sabe, pagamos por isso até hoje, diz a Bíblia.

Teria sido o livre arbítrio uma má idéia de Deus? A primeira resposta é não, pois afinal Deus é perfeito e alguém perfeito não pode criar algo errado. Mas não é isso que Ana quer saber de mim.

Pois bem, já por uma vez Deus não gostou dos rumos que as coisas tinham tomado, resolveu então salvar só alguns e mandar tudo por água abaixo, literalmente. Lá veio o dilúvio e começou tudo de novo, com a correção de alguns erros. Mas o livre arbítrio foi mantido. Logo, pode-se concluir que o próprio Deus não achou que a criação desta faculdade humana tinha sido um erro. Ele estava gostando disso e quis manter a brincadeira.

A seguir: considerações sobre a maldade humana.

Matando Pedreiros

Desde pequeno, Fernando sempre teve vontade de reformar a casa de seu pai. Sempre ouvira ele dizendo que, mais cedo ou mais tarde, iria fazer a tão esperada reforma e colocar laje na casa onde moravam. O tempo passou e Fernando cresceu, arranjou um emprego e estava ganhando um bom dinheiro, quando resolveu então tomar a frente dos planos e tocar a obra.

Já estavam começando a fazer plantas e juntar idéias, quando as engrenagens da vida se mexeram e ele perdeu o seu pai, vendo-se obrigado a ter que resolver tudo sozinho. As semanas passaram e ele finalmente conseguiu um pedreiro para trabalhar pra ele. Marcaram então um dia para que o homem fosse à sua casa para dar-lhe as primeiras orientações.

Mas ele não apareceu. Fernando ficou desapontado e no dia seguinte ligou para o obreiro. Tristemente ficou sabendo que ele tinha sofrido um acidente na obra em que estava trabalhando: caíra do terceiro andar, partira o pescoço e escafedera-se para o outro lado da vida.

Partiu então à procura de outro pedreiro, e depois de um par de semanas finalmente teve a indicação de alguém que seria um bom sujeito para realizar seus planos. Entrou em contato com o cara e marcaram uma visita à sua casa para darem uma olhada e fazerem os primeiros planos para a obra.

Mas, tramóias do destino ou coincidência, o homem não compareceu, deixando Fernando ainda mais insatisfeito. Praguejou a noite toda até conseguir ir dormir. No dia seguinte, logo pela manhã, deu um jeito de descobrir o endereço do pedreiro e foi até a casa dele. Foi até lá e deu de cara com um velório: o cara tinha sofrido um acidente e morrera na noite anterior.

Um pouco assustado com a trágica coincidência, foi embora e começou a pensar em como conseguir mais um pedreiro para fazer a tão sonhada obra.

Entrou em contato com alguns amigos e conseguiu um novo candidato a trabalhador braçal. Ligou, conversou, marcou uma visita e esperou. Como o pedreiro não apareceu, já ligou com medo e suas idéias tornaram-se realidade. Um atropelamento ceifara a vida de mais um.

E assim foi com o quarto e quinto pedreiros com quem ele marcou: agendavam uma visita e o homem morria, sempre em condições trágicas. Foi tanta coincidência que a coisa caiu na boca do povo, e mais ninguém queria pegar o serviço da casa de Fernando. Todos conheciam-no como o assassino de pedreiros. Ninguém nem mesmo queria ouvir a história dele, simplesmente diziam que estavam ocupados com outras obras e não podiam pegar a dele para fazer.

Desgostoso e assustado, desistiu da reforma. Arranjou um comprador, vendeu, e com o dinheiro que conseguiu, mais as economias que tinha para fazer a obra, comprou uma casa nova em outra cidade, para evitar quaisquer problemas.

Mas não estava a salvo. A casa nova, logo depois de alguns meses, mostrou-se uma furada, pois estava cheia de problemas. Mesmo com medo do que poderia acontecer, conversou com um pedreiro para fazer os consertos, e nem marcou dia para irem à sua casa: foram na hora mesmo. Pegou o carro, enfiou o pedreiro dentro e foram para sua casa. Passando perto de uma favela, uma bala perdida atingiu o carona, que morreu ali mesmo, dentro do carro de Fernando.

Convencido de que carregava consigo alguma maldição que o impediria de contratar o serviço de qualquer pedreiro, resolveu aprender a fazer obras. Nos finais de semana servia de servente de pedreiro em várias obras espalhadas pela cidade. Aprendeu como virar massa, a colocar um tijolo, que materiais comprar, descobriu os segredos de uma boa laje e depois de alguns meses se julgou apto a consertar a sua casa.

Fez alguns planos, projetos, calculou custos, comprou material e ferramentas e então, quando foi dar a primeira marretada para quebrar uma parede, a escada escorregou, ele caiu no chão, tendo tempo apenas de ver a marreta caindo em direção seu rosto.

O feitiço virara contra o feiticeiro.

Esta crônica foi baseada em fatos reais. Ando às voltas com preparações para início das obras de minha casa e, apesar de nenhum pedreiro ter morrido, o primeiro teve problemas de saúde e o segundo sofreu um acidente de trabalho. Felizmente, o ferimento deste sarou em pouco tempo e já estamos começando os primeiros cuidados para a obra finalmente começar. Só espero que eu não sofra um acidente quando a coisa começar.

Onze Minutos - Paulo Coelho - Parte Final

Será que eu consigo terminar de falar do livro? Não disse que o livro era bom? É bom encontrar livros como esse, que fazem você avaliar um pouco o seu jeito de ser. Não precisa ser um livro que mude o seu modo de agir. Basta apenas que ele te permita avaliar o seu modo. Nem que seja pra no final das contas você falar para si mesmo que realmente estava com a razão desde o princípio e que o livro tá querendo ensinar uma grande besteira, e coitado de quem aprender com ele ao invés de aprender com você como é que se vive, porque é você quem sabe das coisas.

Mas, enfim, Maria vence o medo, põe a cara e a coragem na mala e parte pra Suíça, pra quebrar a cara e se foder de vez. Literalmente.

Não sei se a decisão da Maria é a parte real da história, mas parece. A gente sabe que tem muita puta que é o que é porque não tem outra opção de vida, porque já se ferrou muito e tem que arranjar um dinheiro para poder se virar e voltar para casa.

(Isso me lembra a piada da menina do interior que depois de morar alguns anos na cidade grande entrou no ônibus de volta para Mambarés do Sertão, sentou do lado de um rapaz e falou, "enfim juntos". O rapaz se espantou e disse que nem a conhecia. Aí ela explicou que estava falando de seus joelhos...)

Nunca entrei num puteiro nem nunca conversei com uma prostituta, mas tomar uma decisão destas deve ser algo humilhante. É fácil falar que não, que é mole, que elas são é safadas mesmo, mas isso é quando a gente não tem alguém conhecido ou alguma parenta fazendo isso. Não estou dizendo que eu tenha alguma conhecida, já disse que não conheço nenhuma puta, mas não consigo deixar de pensar em como iria reagir se um dia minha prima Vanessa entrasse aqui em casa e dissesse pra gente que ia ser profissional do sexo. É complicado.

Diz Maria que pra ela isso foi humilhante só no começo, que depois ela acaba se desligando e o trabalho vira rotina, onde ela desempenha papéis para homens que às vezes nem querem sexo, querem apenas um ombro para chorar ou um ouvido para ouvir as suas mazelas e esquecer tudo depois. Será que funciona assim mesmo? Será que não se sente humilhada uma garota que sonhava em ter uma boa família, em ter seus filhos, e vê seus sonhos se desmoronarem quando ela é obrigada a dar por dinheiro? Acho que não. Claro que devem haver algumas muitas que estão lá porque gostam mesmo, porque são loucas, sei lá, mas também devem haver muitas que cada dia seja mais uma humilhação.

Pena não poder ir mais adiante, porque senão eu estragaria o final do livro, então termino aqui recomendando veementemente a leitura, nem que seja pelo menos para que vocês entendam o que significam os onze minutos.

Onze Minutos - Paulo Coelho

Maria. Tudo em Onze Minutos gira em torno de Maria. O livro é a história dela. Garota do interior, cidadezinha da roça mesmo, Maria resolve ver a cidade grande, ver a vida "lá fora" e vai pro Rio de Janeiro. Admirando a beleza do mar conhece um estrangeiro que promete a ela trabalho na Europa, como atriz. Decidida a aproveitar a vida ao máximo, ela aceita a proposta e embarca rumo à Suíça.

Um dia basta para ver que o sonho não era o que parecia ser, e ela se vê dançando em uma boate. Resolve sair de lá e, para poder ganhar dinheiro e voltar para o Brasil, acaba se rendendo à prostituição, vida em que promete a si mesma durar só um ano.

Depois do final livro, meio que como um making of, Paulo Coelho explica que o livro foi baseado em fatos reais, na história de uma verdadeira Maria, mas que enfiou na narrativa muitas outras histórias e detalhes que não fazem parte do original.

Verdade ou não, Onze Minutos é uma ótima viagem e um desafio ao que pensamos de nós mesmos.

Logo nas primeiras páginas somos postos defronte o inoxidável drama de sempre desejar passar por uma porta, e quando ela finalmente se abre, a gente se borra de medo, vira as costas, sai correndo, e passa o resto da vida lamentando a besteira. Quem nunca passou por isso? Lembro de quantas vezes eu morria de vontade de falar com alguma garota e então, quando finalmente tinha a oportunidade, a timidez vencia, eu enfiava o rabo entre as pernas e saía de fininho. Tanto é que até hoje tenho certeza de que se eu tivesse beijado Josiane naquela noite ela teria retribuído. Mas pelo menos eu aprendi, e da última vez rolou um interesse não perdi tempo e comecei a namorar a Sueli em pouco tempo.

Voltando ao livro, Maria nos leva a outro drama: enfrentar o mundo ou ficar em casa? Enfrentar ou se entregar? Aceitar ou questionar? Eu admito que tenho medo. Tenho dificuldades em me ver fora de Cachoeiras, longe da minha terra, das ruas que conheço tão bem. Não me vejo fazendo as malas e indo morar longe, em outra cidade, uma cidade grande, uma Niterói, um Rio de Janeiro. Pra alguns pode parecer simples, mas pra mim é um ato de coragem, uma coragem que não sei se tenho. Não vou ficar entregando demais o livro, mas não posso deixar de comentar que a Maria foi corajosa em dobro: primeiro quando saiu de casa e foi para o Rio de Janeiro, depois quando largou o Rio de Janeiro e foi para a Suíça.

Meu amigo Jonathan fez isso. Ele e a namorada arrumaram as trouxas e foram pros Estados Unidos há quatro anos. Já voltaram, ficaram por lá só um ano, mas é muita coragem. Vai dizer que não tem que ter coragem. Muita!

Bem, mas eu não sou muito sensato. Mesmo sem coragem, acho que faria algumas loucuras assim. Enquanto digito estas linhas, dizendo que tenho medo de arriscar, a pequena voz que me fala na cabeça sem parar está me lembrando que eu sou porra louca, e que teria sim o ânimo de viajar. Lembro então de Thiago, que falou que tinha vontade de ir morar fora, morar sozinho, morar em república, o diabo a quatro, pra aprender a viver. Tá certo ele.

Ah, quer saber, eu teria coragem, sim. Acho que o medo que tenho vem da vergonha de quebrar a cara, que eu sei que quebraria. Não digo quebrar no sentido de não realizar os sonhos e ter que voltar de mãos abanando, mas é que eu não tenho muito molejo pras coisas do dia a dia, isso de cuidar de casa, de dar um jeito nas coisas. Eu sou meio estabanado, sabiam? Pois é, aí que eu já fico com vergonha das merdas que vou aprontar mesmo antes de aprontá-las. Mas vamos botar um ponto final nisso: se me chamassem para partir numa viagem tresloucada eu iria sim. Pediria um tempo para me preparar, tomar um fôlego, mas mergulharia de cabeça, porque, meu povo, a vida é uma só, a vida é minha, e quero fazer dela o melhor que eu puder.

Amanhã... mais comentários sobre o livro: arrependimento e vida de puta

Pra Galera da Estácio

De acordo com as informações do contador de visitas, a média de page views do Sarcófago caiu de volta para a média de 80 por dia, o que significa que o pessoal da Estácio não está vindo mais pegar as matérias que estou colocando, o que significa que as provas finais já acabaram, o que significa que eu posso tirar os arquivos do servidor, o que significa que acabou a mamata.

E quando digo que acabou, é que acabou mesmo. No semestre que vem eu não vou mais colocar as matérias aqui no site. Talvez até ponha uma ou outra coisa que eu venha a escrever, mas não posso mais perder meu tempo com isso.

Não quero que ninguém fique pensando que estou querendo fazer alguma sacanagem, mas sei que um ou outro vai aparecer para me cobrar. Vai ser a mesma coisa de quando um site da internet começa a cobrar pelos serviços. "Pô, que sacanagem, antes eles davam de graça agora querem cobrar pra fuder com a gente, viciaram pra depois explorar". Mas tem que ser assim, tenho que parar com isso.

Pois é, eu gostava de ajudar sim, mas minha vida mudou muito este ano. Logo no início do semestre, bem ali em março, aconteceram uns rolos que me fizeram rever muitas coisas, tanto que quase parei de colocar os arquivos naquela época mesmo. Mas como achei que seria muita sacanagem com a galera, resolvi fazer um esforço extra e continuar até o final do semestre.

Portanto, fiquem avisados, semestre que vem não tem mamata no Sarcófago. Nem mesmo pros professores que deixavam de copiar tabelas no quadro e deixavam eu fotografar os livros.

Assassinatos na Academia Brasileira de Letras - Jô Soares

Quando comecei a ler o novo livro do Jô achei que toparia com algo parecido com O Homem que Matou Getúlio Vargas, mas me enganei. Apesar de também misturar verdade com ficção de um jeito que você fica sem saber ao certo onde uma começa e a outra termina, Assassinatos não tem o humor do outro livro.

Mas não é ruim, deixemos isso claro desde já. É uma história bem muito bem contada, que é divertida, mas não engraçada, e cheia de mistérios e reviravoltas.

Ambientado na década de 20, o livro narra as aventuras e desventuras do detetive Machado Machado na investigação dos Crimes do Penacho, como ficam conhecidos os tais assassinatos na Academia. Tudo começa quando um certo marmanjo escreve um livro chamado Assassinatos na Academia Brasileira de Letras e, graças a ele, consegue uma posição entre os imortais.

Aclamado pelo público e pela crítica, no dia da posse, na hora do discurso, ele cai morto. Um par de dias depois, durante o seu enterro, outro imortal morre. Dias depois outro. Então, Machado Machado, que não acredita em coincidências, resolve investigar o caso, onde todos são suspeitos: uma marquesa que trai o marido, um marido traído, um político corrupto, um padre e até mesmo um alfaiate anão, entre muitos outros.

No desenrolar da história, com a ajuda de um amigo, Machado Machado acaba descobrindo que o que está matando os imortais é um tipo de veneno, que eles não sabem qual é e tampouco como é ministrado às vítimas. E daí até a solução do mistério, páginas correm deliciosamente.

Uma coisa que não gostei no livro é que Jô escreve frases em francês, inglês, espanhol, italiano, latim... e muitas vezes a gente fica boiando no sentido das coisas, porque ele não se dá o trabalho de traduzir tudo.

De qualquer maneira, é um livro assaz legal, que dá pra divertir bem com todas as suas tramóias.