O Primeiro de Abril da Record

Ao longo dos anos 1960, a televisão atraía cada vez mais audiência no Brasil, com Tupi, Excelsior e Record disputando a atenção dos telespectadores.  Nessa disputa, os programas musicais estavam entre os que mais atraíam a audiência.  Entre festivais de empebê aqui, um O Fino da Bossa ali e um Jovem Guarda acolá, atrações internacionais tinham um grande apelo.  Ray Charles, por exemplo, desembarcou na Excelsior em setembro de 1963.

Eis que durante o mês de março de 1963, a Record começa a anunciar em São Paulo que receberia em seus estúdios um grande cantor internacional que há anos era esperado no Brasil.  A especulação correu solta, e próximo da data marcada três nomes eram os mais cotados:  o ítalo-francês Yves Montand e os estadunidenses Dean Martin e Frank Sinatra.  Os três eram grandes nomes do cinema e da música.

De acordo com o jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, no dia marcado pra apresentação a rede começou a veicular chamadas pro programa mostrando uma silhueta que lembrava muito Frank Sinatra. Jornalistas ficaram em polvorosa querendo conseguir mais informações.  Amigos brasileiros do Frank Sinatra foram procurados pra tentar desvendar o mistério.  O mesmo Última Hora noticiou que o cantor teria sido visto de relance na sacada da casa de Paulo Machado de Carvalho, o diretor da Record.  Algumas horas antes da apresentação, um carro saiu em fuga da casa do diretor em direção aos estúdios da emissora.  O jornal Correio da Manhã fala dessa fuga, e Zuza Homem de Melo conta em A Era dos Festivais os bastidores do corre-corre:  ele era o motorista.

Conforme conta o Correio Paulistano do dia seguinte, a transmissão começou às dez e meia da noite do dia 31 de março, mas nada do cantor aparecer.  A emissora ficou enrolando por uma hora e meia, quando finalmente o show começou.  De acordo com a revista Manchete, quando o vídeo mostrou a silhueta de um homem vestindo um chapéu tirolês, capa, trazendo numa das mãos um cigarro acesso e na outra, um copo de uísque, o auditório lotado foi sacudido por uma onda de entusiasmo:  era Frank Sinatra.  Entretanto, quando as luzes se acenderam veio o choque:  a figura esguia e elegante era Duke Hazlett, sósia de Frank Sinatra.  Já passava de meia noite, já era o dia primeiro de abril.
 

Frank e Duke. Você sabe dizer quem é quem?

 
Ao que parece, as brincadeiras de primeiro de abril eram algo comum.  O jornal Correio da Manhã, ao contar a história do Frank Sinatra falso da Record, relembra que em ano anterior houve uma transmissão falsa de um jogo do São Paulo na Itália.  De qualquer maneira, a brincadeira não foi muito bem recebida.  O que não faltou foi nota nos jornais destacando a insatisfação dos paulistas com a brincadeira.

Frank Sinatra só foi pisar em terras tupiniquins em 1980, pra apresentações no Rio de Janeiro, incluindo uma noite histórica no Maracanã pra mais de 170 mil pessoas.  Hoje, aliás, essa apresentação faz 41 anos.

Sobre Mangas e Hipóteses

Imagine que você fale que vai chupar uma manga e uma pessoa comece a rir de você, questionando sua sanidade mental. 

Como assim chupar uma manga?! Vai ficar lambendo a camisa, vai? Prefere algodão ou cetim? ha ha ha ha

Se fosse um estrangeiro que não tenha um vocabulário muito bom de português, vá lá, dá pra entender a confusão. Você ensina que manga tem dois significados e tudo bem. Mas e se fosse um brasileiro? Com boa vontade, dá pra entender a confusão ou a vontade de fazer piada de tiozão do pavê. Mas a partir do momento em que você explica que quando fala de manga você está falando da fruta, não tem mais sentido a pessoa ficar rindo de você. 

Continuar falando que você é uma pessoa doida, que quer comer pano, e se negar a aceitar o sentido que você está usando, é, no mínimo, demonstração de má vontade e também de uma boa dose de mau-caratismo. 

Concordamos com isso? Beleza. 

Se a gente fosse ficar puxando exemplos de outros palavras, podíamos ficar aqui até amanhã de manhã. Pinto, verão, caixa, bala. A carteira, sentada na carteira com a carteira no bolso. 

Mas o objetivo aqui é chegamos a um acordo de que é mau caratismo a pessoa forçar o uso de um significado quando é outro que está sendo empregado. 

Se chegamos a um acordo, vamos falar de outra palavra, então. 

Teoria. 

Teoria é uma palavra que tem dois sentidos bem distintos. 

O primeiro deles é sinônimo de hipótese. Acontece um acidente, um avião cai, mas ninguém sabe o motivo. Surgem diversas hipóteses: falta de combustível, falha no motor, o piloto passou mal. Várias hipóteses, várias teorias. 

Mas há o segundo sentido pra palavra teoria, que é o sentido de corpo de conhecimento sobre um determinado assunto. Um exemplo fácil é quando falamos em teoria musical. Quando falamos em teoria musical, não estamos falando que música é uma hipótese, que pode ou não ser verdade, que pode ou não ser comprovada, mas sim de todo o conhecimento que temos sobre música. Escalas, notas, intervalos, partitura, contagem de tempo, formação de acordes. 

Lembro muito da época da escola, quando nas aulas de educação física a gente ficou em sala de aula durante uma hora e meia estudando as regras do vôlei. No final a turma já estava indócil, perguntando ao professor quando é que a gente ia sair da teoria e ir pra prática. Ou seja, quando que a gente iria parar de estudar os conceitos e regras do vôlei e iríamos pra quadra efetivamente jogar o jogo. 

Tudo certo até aqui? Ok. Pois bem, tudo isso até aqui foi uma enorme introdução pra falarmos de teoria da evolução. 

Muita gente desdenha e desfaz da evolução das espécies por conta de se falar em teoria da evolução, alegando que "ah, é só uma teoria, não vou acreditar nisso", como se teoria, aqui, tivesse o sentido de hipótese. 

Mas não. 

Quando se fala em teoria da evolução, a acepção da palavra aqui é a de corpo de conhecimento. Ou seja, não é "hipótese da evolução", mas sim "tudo e que já sabemos, o corpo de conhecimento que temos sobre a evolução". 

Portanto, se você concordou comigo lá em cima que é mau caratismo insistir num sentido de uma palavra depois de saber que o que está sendo usado é outro sentido, e se você é daqueles que fala que evolução "é só uma teoria", já sabe que precisa mudar seus argumentos.

Canção da Inspiração que Não Vem

Em 27 de março de 1965 estreava na TV Excelsior o I Festival da Música Popular Brasileira, iniciando a febre dos festivais que deram origem à empebê e que duraram até o início dos anos 80. Alguns dias depois, na revista Uh, do jornal Última Hora, Stanislaw Ponte Preta usou sua coluna para criticar a atração. Curioso ver que um de seus destaques negativos acabou levando o primeiro lugar no festival: Elis Regina com Arrastão.

Taí o texto da coluna, que foi publicada com o título Canção da Inspiração que Não Vem.

Como eu quase entrei nessa fria de pertencer ao júri que está selecionando as canções para o "I Festival da Música Popular Brasileira", andei me interessando pelo concurso que se iniciou em Guarujá, prosseguiu em São Paulo, continuou no Quitandinha e terminará no Teatro Excelsior (ex-Cine Astória), casa que Tia Zulmira apelidou de Universidade da Sandice.

Guerreiros, eu vi... Fiquei sentado numa poltrona cômoda, tomando refresco de maracujá para não ter um troço e fui ouvindo as músicas selecionadas para concorrer a um prêmio de 10 milhões de cabrais - o maior prêmio que se conferiu até hoje a uma canção, neste País - num concurso pomposo e cheio de lantejoulas.

Dizem que os nossos melhores compositores populares se inscreveram (anonimamente, como manda o regulamento) para apanhar essa erva e se isso é verdade, o caso é mais lamentável ainda. Faz muito tempo que eu não vejo tanta musiquinha ruim desfilando no vídeo lá de casa. E não se diga que estavam sendo mal interpretadas. De jeito nenhum. Embora a orquestra sob a direção de Sílvio Mazzuca chateie um pouco a gente pela pomposidade vã das orquestrações, os cantores eram o fino dos intérpretes nacionais. Tirante Dona Elis Regina, que imita o Lennie Dale e fica só berrando e mexendo com os braços, os outros cantores fizeram misérias para safar a onça com aquelas canções que lhes deram para cantar. Alaíde Costa, por exemplo, cantou maravilhosamente uma dessas canções de "avant garde" da bobagem, cuja letra não quer dizer nada e a melodia é uma introdução longa. Dessas que quando a gente pensa que vai entrar na melodia, a coisa acabou. Aliás, 99% das canções do concurso são assim. Mas - eu dizia - Alaíde cantou maravilhosamente. Elisete também, Marisa idem e vários outros (Altemar Dutra, Hugo Santana, Márcia, etc.) fizeram força para classificar os números sob sua interpretação, mas era muito difícil, para a maioria. O júri, coitadinho, cumpriu o seu dever e escolheu as menos ruins, mas tenho certeza de que todos os jurados que entraram nessa fria devem estar achando chatíssimo ter que aguentar a xaropada até o fim. O cantor Hugo Santana chegou a encher as bochechas e exclamar "Uf" quando acabou de cantar o que (salvo engano) é uma das menos inspiradas composições de um dos nossos melhores compositores populares: Joubert de Carvalho.

Enfim, o I Festival da Música Popular Brasileira parece ter sofrido influência do Festival da Besteira que assola o País.

P.S. - Dorival Caimi ouviu comigo e também achou o fim.

Brandi Carlile, A Rooster Says

No Record Store Day de 2020, Brandi Carlile lançou o compacto A Rooster Says, que traz as faixas Black Hole Sun e Searching with My Good Eye Closed, duas músicas do Soundgarden.  Contando com a participação de Kim Thayil, Matt Cameron e Ben Shepherd, também do Soundgarden, ela nunca soou tão pesada.

Eis que no primeiro dia 2021 o disco chega às plataformas digitais.  Imperdível.