Coisas que as pessoas confundem 3: diferente e errado

Por mais que seja algo comum, sempre me surpreendo com a confusão que as pessoas fazem entre diferente e errado.

Se você vive em uma região/família/comunidade onde as coisas são feitas de um jeito, isso não significa que fazer de outro jeito seja errado. Costumes e tradições são só isso, costumes e tradições, e não leis de conduta. Uma coisa ser feita de um jeito na maioria das vezes não quer dizer que ela seja a única opção possível, nem que as outras opções que existem sejam erradas. Concordo que podem ser esquisitas, mas só são esquisitas porque são incomuns. Não há problema em pensar algo do tipo

Caraca, a Sandra é muito doida! Vendeu a televisão que tinha e não quer comprar outra. Falou que não vai ter mais nenhuma em casa. Ah, eu não aguentaria ficar sem ver minha novelinha.

O problema é achar que isso é errado e tentar corrigir.

Sandra, pelamordeDeus! Vai comprar a porra de uma televisão nova, vai! Onde já se viu não ter televisão em casa? Como é que você vai se informar sobre o mundo?

A leitora quer outros exemplos? Há muitos. A sua sobrinha não gostar de usar brincos. Sua filha querer aprender a tocar oboé. Sua colega de trabalho ser vegetariana. Sua esposa só comer com colher. Sua mãe ler jornal do final para o início. Sua prima raspar a cabeça com máquina dois. Sua vizinha só comer salada no Spoleto. Sua professora de violão não querer ter um carro. Sua psicóloga gostar de trabalhar à noite e dormir de dia. Sua melhor amiga e o marido não quererem ter filhos. Sua irmã ter um ventilador de teto no banheiro. A lista tende ao infinito! Outro lugar onde já vi isso acontecer muito foi nos cursos de inglês. Tenho certeza de que minhas leitoras que já passaram por um cursinho já ouviram reclamações dizendo que o inglês é errado porque a ordem dos adjetivos é a contrário do português.

As pessoas veem estas atitudes incomuns e diferentes, rotulam como erradas e começam a tentar corrigir as outras. Como se fosse obrigatório mulher usar brinco, como se fosse obrigatório comer carne, como se fosse proibido cortar o cabelo do jeito que se quer. E, oras, se comer salada no Spoleto fosse proibido, porque haveria salada no cardápio?

Se a coisa parasse por aí, até que dava pra deixar passar, mesmo sendo chato ter gente regulando as escolhas dos outros. Só que o grande problema disso é que deste tipo de raciocínio é que surgem os preconceitos, sendo o melhor exemplo disso o modo com o que o homossexualismo é visto. Por muita gente, o homossexualismo é um desvio de conduta, uma doença, uma afronta aos bons costumes, o razão para o fim da humanidade como a conhecemos, quando, na verdade, não passa apenas de um jeito diferente de ser. Tudo bem se você não é homossexual e não goste de ver dois homens se beijando, eu também não gosto de ver. Pra mim, ver dois caras juntos dá o mesmo asco de ver minha esposa comendo bife de fígado, só que eu não vou querer proibir minha esposa de comer bife! Porque deveríamos taxar homossexualismo de doença ou perversão moral e proibir? Talvez seja mais "natural" ou mais comum ou mais "normal" que homem goste de mulher e vice-versa, mas o fato de existir gente que não é assim não os torna errados, os torna apenas diferentes.

E reparem bem nas aspas em natural e normal ali em cima, porque até o que é natural e normal é questionável. Muitas das coisas que você toma como naturais são na verdade construções sociais: coisa de homem, coisa de menina, regras de etiqueta, o norte ser pra cima nos mapas; muito disso surgiu porque uma pessoa fez de um jeito, o pessoal foi imitando e agora todo mundo faz igual. Ou também, talvez, você ache que as coisas são naturais e normais simplesmente porque só convive com aquele tipo de coisa, sem a mínima noção do que acontece no mundo. Como René Descartes escreveu no seu Discurso do Método,

É bom saber alguma coisa dos costumes de vários povos para julgarmos os nossos mais salutarmente, e para não pensarmos que tudo o que é contra nossos modos é ridículo e contra a razão, como costumam fazer os que nada viram.

Portanto, abra sua mente. Quando vir alguém fazendo uma escolha diferente da sua e pensar em corrigi-la, repare que, aos olhos dela, VOCÊ é diferente. Quem sabe você não descobre que vale a pena mudar?

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Outras coisas que as pessoas confundem:
Conclusão da História e Moral de História
Entender e Concordar

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