Crônica: O Namoro da Minha Melhor Amiga

Ainda não estava chovendo quando Cíntia saiu de casa. A chuva caiu mesmo quando ela estava chegando no ponto de ônibus. E quando digo que caiu estou sendo simpática com a chuva, porque na verdade ela desabou. Parecia até chuva de verão, daquelas de fim de tarde, tipo águas de março, mas eram sete da manhã. Ela sentou ao lado do sujeito que lá estava, e ficou olhando as folhas serem levadas pelas águas.

- Como chove, não?
- Sim. Está lindo.

Lindo? Que raio de homem diz que uma tempestade daquelas é linda?! O tipo de homem ideal para a Cíntia, claro. Até hoje só conheci duas pessoas que achavam linda uma tempestade ensurdecedora que cai de manhã quando se está a caminho do serviço: Cíntia e Jorge.

Ele falou que era lindo e Cíntia, como não podia deixar de ser, se empolgou. Nunca vi alguém se empolgar tão rápido com as pessoas. Cíntia é louca. Ela é fã da Amy Whinehouse e se alguém citar o nome da mulher, ela já se esbalda. Se alguém falar do Paulo Coelho, então, puta que pariu, Cíntia começa a despejar todas as suas teorias que criou depois de ler os livros do cara dez vezes cada um. Aí deu nisso, bastou o cara dizer que a chuva é linda que ela abriu um sorriso de orelha a orelha, se arreganhando toda pro sujeito que ela nem conhece.

- Melhor que isso só se fosse à noite.
- É mesmo, nada como a chuva refletindo a luz dos postes.

Pronto, o cara cita uma imagem que parece cena de filme e Cíntia se derreteu de vez. Ela também adora filme, é rata de locadora. Conhece a capa e o nome de tudo que é filme, o nome dos artistas, a trilha sonora, mas não lembra das histórias. Pode um negócio desse? Só pra você ter noção, ela já alugou O Sexto Sentido três vezes e nas três se espantou quando descobriu que o Bruce já estava morto desde o começo. Bom, xá pra lá. Aí o cara fala em chuva refletindo a luz dos postes e danou-se tudo.

- Ó só, eu posso chegar um pouco mais tarde no serviço, quer tomar algo?
- Sim, claro. Essa padaria aqui serve um chá de fazer inveja aos ingleses.

E como se não bastasse achar a chuva linda e falar nos postes, o cara ainda gosta de chá! Ai, tem hora que eu acho que o destino é um sádico. Não tinha como criar um casalzinho menos água-com-açúcar, não? Chega a dar nojo. E tinha uma padaria perto, do lado do ponto, com chazinho, e lá foram eles. Do ponto de ônibus pro chá, do chá pro beijo. Rapidinhos, não?

Mas pra Cíntia hoje a chuva já não é mais tão bonita. É que o romance não durou muito. Acho que a Cíntia não é tão boa de cama assim e ele arranjou outra. Sabe como é, ela endeusou, mitificou aquele encontro do ponto de ônibus e quando descobriu que estava sendo traída, ih, o caldo engrossou e foi tudo por água abaixo.

E eu é que tenho que ficar ouvindo o chororô. Vou te falar, acho que já tô cansada de ser a melhor amiga dela. Nossa infância já passou. Hoje tô querendo é passar mais tempo com o Jorge.

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