Viviane e o Amor

Viviane abriu os olhos mas não quis se levantar, ficou deitada e viu que horas eram. Óbvio que ela já sabia, pois o relógio havia despertado na mesma hora de tantas outras vezes, mas olhou assim mesmo para se certificar que eram seis da manhã. Sim, eram seis da manhã, mas não foi isso que chamou a atenção dela. Os números do relógio, que eram vermelhos, estavam cinza. E não só os números estavam cinzas: assim também estava a capa do livro de filosofia que estava sobre o criado mudo, ao lado do relógio. A capa que tinha uma bela foto de um lago em um dia de sol estava, no todo, em tons de cinza.

Assustada, Viviane levantou num sobressalto e viu que seu cobertor, antes um mundo de cores e formas, estava restrito ao cinza. Correu para a janela para ver o mundo, e lá estava ele, todo em preto e branco. As árvores, o céu, os carros, as pessoas. Até ela mesma estava cinza.

"Estou sonhando" - pensou.

Correu para o banheiro, jogou água fria no rosto e teve certeza de que estava realmente acordada. Sem entender o que estava acontecendo, pensou logo em buscar ajuda de um especialista. Esperou o horário em que o cartório onde trabalha abria e ligou pra lá, dizendo que não poderia trabalhar, já que tinha acordado com um probleminha de saúde.

Dali, correu para um oculista, explicou o que tinha acontecido e passou por uma bateria de exames. Diagnóstico: nada, absolutamente nada. Não havia coisa alguma com seus olhos. Quase perdeu as estribeiras com o médico, querendo saber como é que poderia estar enxergando tudo cinza e tudo estar bem. Como o médico não lhe deu uma resposta agradável, saiu dali aos trancos.

Voltou pra casa e chorou, desesperada e amedrontada, o que, convenhamos, é mais do que compreensível. Imagine não ver mais cores? De qualquer maneira, Viviane teve que continuar com a sua vida em preto e branco. No dia seguinte voltou ao trabalho e aos estudos. No início, todo mundo estranhava o fato, mas com o tempo todos se acostumaram, inclusive ela, que em certas horas até gostava de não ter cores à sua frente.

Os meses se passaram desde aquele dia, até que, quando estava começando o terceiro ano da faculdade de Geografia, Viviane conheceu Ângelo, o rapaz de olhos azuis. Azuis? Sim, ela conseguia ver a cor dos olhos dele. Não sabia como, mas via, apesar de as roupas dele ainda serem cinzas. Estranhando o fato, Viviane não falou nada com ninguém. Poderia ser apenas um surto e ela não queria dar faltas esperanças para ninguém, muito menos para ela mesma.

O tempo foi passando e eles se tornaram amigos. Faziam os exercícios juntos e trocavam muitas informações sobre o que estudavam. Certa vez, então, quando Ângelo lhe emprestou um livro, Viviane viu as cores da capa do livro. Uma representação gráfica de um arquipélago explodindo em verde, azul e amarelo. Folheou o livro, e lá estavam elas, as cores que há tempos não faziam parte sua vida.

Numa dessas sextas feiras, após saírem da faculdade mais cedo, Ângelo convidou Viviane para tomar um chopp, convite que foi prontamente aceito. Sentados no bar, ele pediu dois copos, que chegaram à mesa com aquele dourado típico. Depois de bons minutos de conversa, saíram para caminhar. Ângelo levou Viviane até o ponto de ônibus e lá, na hora de se despedirem, trocaram um beijo. Quando entrou no ônibus, Viviane se despediu de um rapaz que vestia uma camisa verde, calça jeans azul e tênis preto. Tudo encabeçado por aqueles lindos olhos azuis. No caminho, viu as cores de algumas placas e cartazes, mas tudo foi esmaecendo e quando chegou em casa já não via mais a própria cor.

O semestre seguiu em frente e os dois começaram a ficar de vez em quando, sempre ocorrendo o mesmo fenômeno. Após o beijo vinham as cores, que iam sumindo quando se separavam.

Certo dia, depois de uma longa conversa à la filmes melosos, chegou em casa e se deitou tendo a certeza de que o amava. De manhã, quando o relógio despertou ela abriu os olhos e viu as horas: seis horas vermelhas. Tirou de cima de si mesma seu cobertor azul, vestiu suas sandálias amarelas, abriu radiante a janela branca e viu, lá fora, um mundo novamente colorido. Pessoas, carros, céu, sol, grama, árvores. Tudo vivo, com as cores mais brilhantes que já tinha visto.

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