Crônica: A Vitrola, de Novo

Ah, menina, eu estou muito aporrinhada porque eu estou com esse problema na garganta e não estava nem conseguindo falar com as pessoas ontem na rua, imagine você que ontem eu estava na arquibancada vendo o desfile de sete de setembro passar, e volta e meia vinha uma pessoa falar comigo, porque tem muito tempo que eu já não moro mais aqui em Arapiraca, e então eu tentava falar que não estava podendo falar, mas não conseguia, e no final das contas eu tinha que ficar fazendo sinais para a pessoa ou então o meu marido tinha que explicar para as pessoas que eu estava com um problema sério de garganta porque no sábado anterior eu tinha assistido uma aula na pós-graduação de administração de banco de dados que tinha sido no laboratório de redes, e que lá tinha um ar condicionado que estava ligado com muita potência porque lá ficava o servidor, que é um equipamento que esquenta pra caramba, e por isso é preciso que o ambiente seja bem frio, e daí que a aula durou umas cinco horas, o que acabou me deixando com uma gripe danada que terminou causando o meu problema de garganta, até que finalmente chegou uma amiga do meu marido que é fonoaudióloga, cujo nome eu nem consigo me lembrar agora, graças ao meu problema crônico de memória, que se prontificou a me ajudar, mandando eu fazer uns exercícios, muito parecidos com aqueles que os cantores fazem antes de começar um show, para aquecer as cordas vocais, coisa e tal, e perguntou se eu conseguia fazer um exercício que a gente faz brlrlrlrlrl, que eu tentei e consegui fazer, então ela mandou eu ficar fazendo assim durante alguns minutos, e eu então fiquei lá fazendo brlrlrlrlrl, brlrlrlrlrlrl, brlrlrlrlr, até que ela me perguntou se eu conseguia fazer um outro exercício que a gente faz drrrrrrrruââââââ, que eu tentei e também consegui fazer, e ela então mandou que eu fizesse os dois exercícios alternados, o que eu fiquei lá fazendo brlrlrlrlrlr, drrrrrrrrrruâââââ, brlrlrlrl, drrrrrrrruââââââ, durante um bom tempo, em pleno desfile de sete de setembro, sem me importar com o que o pessoal perto de mim estava pensando, se eu era maluca, se eu era retardada, ou se eu era sei-lá-o-quê, porque o me importava era poder voltar a falar sem problemas e sem dor, até que finalmente o desfile acabou e nós voltamos para casa, não sem antes ouvir mais algumas recomendações da senhora fonoaudióloga explicando sobre um chá de carqueja, gengibre, própolis e canela branca, com o qual eu deveria fazer um gargarejo de duas em duas horas, o que me deixou desesperada, porque ela disse que para eu ficar boa o mais rápido possível era pra eu fazer o gargarejo inclusive de madrugada, e coisa que eu odeio é ser obrigada a acordar durante a madrugada, porque se apenas ter que sair da minha caminha quentinha e aconchegante já é irritante, imagine então tendo que fazer isso para encher a boca de um troço que mais parece fel com fígado, duas coisas que até hoje eu não sei pra que Deus as inventou, mas, enfim, fomos pra casa, eu fiz o tal do gargarejo durante toda a madrugada e durante todo o dia seguinte, para de noite eu finalmente conseguir falar como se tivesse um espremedor de frutas enfiado na boca, e é por isso que eu estou evitando ao máximo ficar falando à toa, que é outra recomendação que a Consuelo me deu. Ai, lembrei o nome dela!

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O "De Novo" no nome desta crônica é uma referência a uma das crônicas do meu primeiro livro, Trabalho em Cartório Mas Sou Escritor. Não conhece? Então que tal comprar para conhecer? O pessoal costuma elogiar...

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