Rocky & Hudson

No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF. Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme Rocky & Hudson, de Otto Guerra.

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Sobre Rocky & Hudson

Tivesse visto esse filme nos anos noventa, época de minha adolescência, provavelmente teria gostado muito e nutriria por ele um carinho nostálgico. Um carinho que só os 25 anos que nos separam poderiam perdoar. Mas hoje é um filme cansativo de acompanhar. Claro representante do zeitgeist de sua época, Rocky & Hudson preenche todos os requisitos de uma peça de humor daquele tempo. Do vocabulário aos estereótipos, da escatologia à temática, está tudo lá.

A maioria das piadas que o longa entrega é vista hoje em dia como piada de quinta série ou piada de tiozão. E faz sentido. Quem ria disso na época estava na quinta série. Quem ria disso na época hoje é tiozão.

Mas não convém martirizar o longa, ou seu diretor, colando neles qualquer rótulo. Como recentemente o escritor Alex Castro escreveu, nos cegamos para a história de um período quando decidimos apontar dedos para pessoas específicas do passado, como se elas fossem as únicas culpadas pelos erros que faziam parte do seu contexto. Ao fazer isso criamos um passado imaculado habitado por alguns poucos desviantes. Quando culpamos uma única pessoa, absolvemos sua época, seu contexto, seus contemporâneos.

Logo, é importante perceber possíveis problemas ou defeitos em Rocky & Hudson não como problemas ou defeitos do longa, mas como vislumbres da época em que ele estava inserido. Programas como Casseta & Planeta e revistas como Mad são exemplos do que era o caldo cultural da época. Piadas que hoje em dia já não tem mais graça ou que são mal vistas, à época eram lugar comum e faziam sentido. Elas faziam parte do repertório humorístico, e não fazia sentido deixá-las de fora.

Pra terminar com uma nota favorável, há pontos no filme que capturaram minha atenção de forma positiva. No segundo episódio, percebi que após a visita dos personagens a uma loja de conveniência, a estampa da camisa do cavalo mudava a cada plano. Em alguns momentos fazendo piada com o espectador ("tem um corno me olhando" / "continua me olhando"), em outros fazendo referências à cultura pop da época (o Baby da Família Dinossauro), é interessante perceber o cuidado com esse tipo de detalhe. Outro ponto foi a trilha sonora, que achei muito bem feita. A música Tira Tatu, descontando a letra bobinha, é bem acabada, o que mostra que o filme não foi feito de qualquer maneira. Havia ali o interesse de fazer um produto de qualidade.

Belladonna of Sadness

No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF. Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme Belladonna of Sadness, de Eiichi Yamamoto.

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Notas Diversas, Sortidas e Variadas sobre Belladonna of Sadness

Deixemos uma coisa clara desde o início: o filme não me agradou. O último terço me deixou tão desinteressado que perdeu minha atenção. Talvez tenham sido as legendas, que me pareceram ter sido traduzidas com o uso de um sistema computadorizado, tecnologia que ainda deixa a desejar. Ou talvez a história seja confusa mesmo. Sei que no fim, quando reparei, parecia que o início do filme estava sendo reprisado. Estava mesmo? Ou as cenas são tão parecidas que não identifiquei as diferenças?

Mesmo assim, algumas coisas chamaram positivamente a minha atenção durante o filme. E meu objetivo aqui é comentar essas coisas.

A primeira delas foi ver simbologia cristã em um filme japonês. Pesquisei e descobri que o filme foi inspirado na obra de um francês do século dezenove, Jules Michelet, chamada La Sorcière.

O som do filme também chamou bastante minha atenção. De um lado sua sonoplastia, que em vários momentos me pareceu quase onomatopeica, bem cartunesca. Há também a trilha sonora, muito interessante, composta por Masahiko Sato, com muito de experimentalismo eletrônico, psicodélico até, típico dos anos 1970. Recentemente ouvi muita música japonesa dessa época, e consegui perceber que a trilha sonora do filme se encaixa bem na estética do período.

Achei interessante a mistura de estilos de arte usados ao longo do longa. Por vezes minimalista, por vezes grosseira e trêmula, por vezes suave e delicada. Não cheguei a estar atento o suficiente para relacionar estilo e objeto da arte com propriedade, mas reparei que na maior parte das vezes a animação da personagem principal tem traços suaves, sempre em contraste com os traços irritadiços do personagem masculino. As sequências com imagens puramente estáticas mas com diversas vozes atuando me lembraram muito das antigas fotonovelas.

Apesar desses pontos que despertaram meu interesse, no final o filme passou longe de me agradar. Me desinteressei do longa no último ato. Talvez tenha a tradução meio tosca usada nas legendas, que pareciam ter sido feitas por algum sistema automatizado e sem passar por revisão. Mas vai que seja tudo muito confuso mesmo. Quando dei por mim, parecia que estava assistindo uma reprise do começo do filme. Será que era reprise? Acho difícil, mas as cenas eram tão parecidas que sem atenção não dava pra perceber a diferença.

I Married a Strange Person

No primeiro semestre de 2021, fiz uma disciplina de animação no curso de cinema da UFF. Durante o curso, assistimos alguns filmes para discussão em aula, e tivemos que escrever textos sobre eles.

Este aqui é o que escrevi sobre o filme I Married a Strange Person, de Bill Plympton.

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Sobre I Married a Strange Person

Durante a disciplina Cinema e Estética, há alguns semestres, numa das aulas conversamos sobre o filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni. O que mais me marcou em relação ao filme foi sua cena final, quando a personagem observa a explosão de uma casa na colina. A cena começa de forma "tradicional", mostrando a casa explodindo a partir de vários ângulos. Mas em pouco tempo entra num frenesi de mostrar explosões de móveis individualmente, uma hora a televisão, uma hora a geladeira, depois a estante de livros, a tv de novo. Tudo acompanhado pela música do Pink Floyd.

A coisa toda dura cinco minutos, com explosões cada vez mais elaboradas, até que num corte seco, de áudio e vídeo, voltamos pro silêncio de onde a mulher estava. É como se o diretor tivesse entrado em uma onda de querer explorar as possibilidades cinematográficas das explosões, até que em algum momento alguém o tivesse despertado do transe. "Antonioni, o filme! Continua o filme!". E aí a história segue em frente.

Voltei a essa memória ao assistir I Married a Strange Person. Sua linha narrativa tão tênue e tão frágil me parece servir apenas de pretexto pra que Bill Plympton tenha a oportunidade de experimentar com sua arte do grotesco. As transformações e deformações se sucedem com tanta velocidade que fica claro que seu maior interesse é ver o quanto ele consegue manipular as formas e se afastar das leis da física, muito mais do que contar uma história coerente com início, meio e fim.

Ele se empolga, explode, distorce, desfigura, deforma, transforma, desorienta, corrompe, desordena, subverte, modifica, muda, desnatura, degenera, metamorfoseia, remodela, desarranja, até que alguém diga "Bill, o filme!", e ele volta pra história, sempre sem se agarrar muito a ela. Parece que ele volta pra história apenas para procurar um novo pretexto para reiniciar, recomeçar, renovar, retomar, refazer, repetir e insistir nas suas experiências de distorção, experimentando cada vez mais.

No final, a história parece não importar. Aqui, a forma parece prescindir do conteúdo.