Usando Crase

Quando meu livro estava passando pelo processo de revisão antes da primeira edição ser lançada, meu editor me elogiou por saber usar crase. Em todo o livro, ele encontrou apenas um erro. Como eu tenho meu jeito de saber se devo usar crase ou não nas situações em que surgem dúvidas, resolvi compartilhar com minhas leitoras meus macetes.

Claro que as minhas leitoras são espertas o suficiente para saber o básico sobre artigos e jamais escreveriam atrocidades como à casa é verde, à eleição é em outubro ou à minha mãe é linda. Mas há casos em que rola dúvida sim. Então vejamos.

Quando a dúvida é em relação à crase no singular, como esta aí que acabei de usar, a primeira coisa a ter em mente é: quando NÃO usar. Aí é simples: não se usa crase no singular antes de nomes masculinos. Tudo isso aí embaixo está errado:

Agradeço à Deus.
Entreguei à meu pai.
De terça à domingo.
Falou à todo mundo.

Lembrem-se: a crase tem, subentendida, o artigo “a”, usado para referenciar coisas femininas. Logo, se não faz sentido dizer a meu pai tem olhos azuis, a domingo é um dia de descanso, não é certo meter uma crase antes deles.

Segunda coisa: não se usa crase no singular antes de nomes femininos no plural. Exemplos de erros:

Agradeço à minhas primas.
Falou à pessoas carentes.

A explicação aqui é a mesma: se não faz sentido dizer a minhas primas moram em Brasília, a pessoas são mal-educadas, também não é certo meter uma crase antes.

Mas e se a palavra que vem depois do “a” for feminina no singular? Como faço para saber se devo usar crase ou não? Simples: eu troco a palavra feminina por uma masculina e vejo como deveria ficar o “a”. Se sou obrigado a usar “ao”, então preciso usar “à”. Se não sou obrigado a usar “ao”, então não preciso usar crase. Vejamos alguns exemplos:

Vou a escola todos os dias. Na dúvida, troco escola por curso, e fica assim: vou ao curso todos os dias. Se preciso usar ao, então preciso usar à. A frase certa é: Vou à escola todos os dias.

Gabriel entendeu a razão da briga. Na dúvida, troco razão por motivo, e fica assim: Gabriel entendeu o motivo da briga. Se não preciso usar ao, então não preciso usar à. A frase já está certa.

A noite, sempre tomo vinho. Na dúvida, troco noite por fim do dia, e fica assim: Ao fim do dia, sempre tomo vinho. Se preciso usar ao, então preciso à. A frase certa é: À noite, sempre tomo vinho.

Uso os mesmos raciocínios para o caso de crase no plural:

Chamei as minhas amigas para passear. Na dúvida, troco minhas amigas por meus amigos e fica assim: Chamei os meus amigos para passear. Se não preciso usar aos, então não preciso usar às. A frase já está certa.

Contei as minhas amigas tudo o que aconteceu. Na dúvida, novamente troco minhas amigas por meus amigos e fica assim: Contei aos meus amigos tudo o que aconteceu. Se preciso usar aos, então preciso usar às. A frase certa é: Contei às minhas amigas tudo o que aconteceu.

Há um caso em que é permitido, sim, usar crase no singular antes de um nome masculino: bacalhau à Gomes de Sá. Isso acontece porque há, subentendido entre o à e o Gomes, a palavra “moda”. Por isso a crase. Mas é um caso raro.

Eis aí então os meus macetes. Se eu lembrar de mais algum, complemento o post. Alguém mais tem dúvida?



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