Autodidatismo

Esta semana recebi um email de um leitor do Vovó Viu a Rede, meu blog onde escrevo sobre as coisas que aprendo de redes de computadores.

"Olá Mário, admiro muito essa capacidade que poucas pessoas têm de conseguir assimilar coisas complexas "sozinhas" ou seja baseando-se em materiais de estudo, sem necessidade de ir à escola ou algum curso. Ultimamente venho lutando contra a minha preguiça e tento pouco a pouco conseguir desenvolver essa capacidade de ser autodidata, estou desanimado para fazer uma faculdade, pois as instituições pagas são verdadeiras fábricas de dinheiro que oferecem um serviço caro e sem qualidade, e nas instituições públicas além de ter que estudar muitas coisas das quais não gosto para poder entrar, também já ouvi dizer que para sobreviver dentro de uma vc tem de ser praticamente um autodidata. gostaria de saber que tipo de sentimento, estima própria devemos ter para desenvolver a capacidade de ser autodidata? quem sabe vc pode me dar umas dicas para quebrar conceitos e principalmente a preguiça, pois sinto enorme vontade de estudar mas quando começo, logo durmo ou me desconcentro com o pessoal lá em casa. e parabéns pelo blog da vovó venho estudando redes por conta própria desde maio desse ano, e foi aí que me empolguei com esse negócio de autodidata pois sabia menos que nada do assunto se é que isso é possível e hoje já estou brincando com roteadores e programas de simulação de redes em tempo real e acredito que seu blog ou alguma opinião sua possa me ajudar a quebrar alguns daqueles conceitos que atrasam a vida"

Antes de entrar no assunto autodidatismo, devo lembrar ao meu leitor que ele não deve desanimar de fazer uma faculdade, pois esta é uma experiência muito importante para sua vida profissional e educacional. Sim, eu sei que há instituições mercenárias e outras que deixam o aluno à deriva, mas a quantidade de coisas com as quais se tem contato lá dentro são de extremo valor, tanto em relação a disciplinas quanto em relação a pessoas que você conhece. Não desista.

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As Palavras-Chave


Quanto a como ser um autodidata, seria fácil pra mim apenas enumerar uma série de palavras-chave sobre o assunto: disciplina, força de vontade, método, organização, planejamento, compromisso, etc., etc., mas creio que vale a pena entrar em detalhes.

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Disciplina


O ponto chave de tudo é a disciplina. Não adianta nada você encasquetar que vai estudar redes, ou culinária, ou história, ou mágica, se não tem disciplina. Ainda mais quando você resolve estudar por conta própria, sem ninguém para ficar te cobrando. Quando você está fazendo um curso de espanhol no CCAA, você tem obrigação de estudar para a prova, você tem aquele livro enorme cheio de exercícios em branco esperando para serem feitos antes da próxima aula, senão o professor pode chamar a sua atenção e, pior, você pode ser reprovado e jogar fora todo o dinheiro que gastou naquele semestre. Nestas condições é claro que você vai estudar. Pelo contrário, ser autodidata requer que você pense como professor. Você tem que se dividir em dois, aluno e mentor, e se sujeitar a prazos auto-impostos.

E, não vou enganar ninguém, isso é extremamente difícil de se fazer. Não pense você que eu sou assim com facilidade, não. Eu tenho que exigir muito de mim para não me distrair com sites de piadas ou programas de TV. E muitas vezes perco a luta. O exemplo do espanhol aí de cima não é à toa não.

Eu já cursei espanhol no CCAA e me formei no final de 2003, mas desde então eu nunca mais tive oportunidade de praticar ou estudar mais, o que, claro, fez com que meu domínio sobre a língua fosse definhando. No início deste ano eu me propus a estudar mais e até ensaiei um ânimo: baixei vários arquivos MP3 com áudio em espanhol feitos especialmente para quem está aprendendo e consegui um jeito de ganhar livros em espanhol de graça. Em nove meses só ouvi dois arquivos e li um livro. É bonito isso? Claro que não.

Por que eu não ouvi os arquivos MP3 se eu sempre estou andando com o meu MP3 player nos ouvidos pra cima e pra baixo, sentado no ônibus? Por que eu não li o livro em espanhol que ganhei ao invés de passar horas lendo blogs bobos e sem conteúdo? Porque não tive disciplina. Porque não estabeleci para mim mesmo regras e um método de estudo.

Outro exemplo de estudo que faço na base do autodidatismo e que não tenho tido disciplina é o de teclado. Comprei meu teclado em 2001 e hoje estou no mesmo patamar de cinco anos atrás. Tudo bem que houve o problema das obras da minha casa, o que fez com que eu tivesse que guardar o teclado e esquecer quase tudo do que tinha aprendido, mas, como diz o ditado, desculpa de aleijado é muleta. Recentemente consegui uma maneira de colocá-lo novamente para funcionar, relembrei uma música, mas estou novamente caindo no desânimo. Tudo por falta de disciplina.

Entramos então em uma questão fundamental, que transcende o fato de ser autodidata e se aplica a toda e qualquer situação de nossa vida: como fazer para ter disciplina? O blog Vovó Viu a Rede foi o modo que encontrei para manter o foco nos estudos de rede. Desde o início eu sabia que se eu apenas pegasse o livro para ler talvez eu não fosse muito longe com ele. Fiz então o blog como forma de ter um compromisso: eram ele e suas leitoras que iriam me cobrar de pegar novamente no livro, ler, entender e então escrever um artigo sobre o assunto.

Você precisa, então, encontrar o seu jeito de ser disciplinado. Talvez você deva começar reservando meia hora por dia, e ir aumentando este tempo um pouco a cada semana ou a cada mês. Talvez você deva criar um blog para falar do assunto. Ou então você deva estabelecer metas: vou ouvir um arquivo MP3 toda terça feira; vou ler meia hora por dia daquele livro que está encostado na estante; até o fim do mês eu bordo uma toalha com o nome do meu marido. Melhor ainda, anuncie estas metas para as pessoas e peça para que elas te cobrem. Sabendo que alguém vai te fiscalizar, talvez você realmente estude o que tem que estudar.

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Estabelecer Metas


Este conceito de definir metas já rende pano pra manga para um artigo inteiro, mas vou dedicar dois parágrafos a ele: é extremamente importante que você defina metas realistas, possíveis, e que tenham um certo quê de desafio para você. Metas impossíveis te fazem desistir: dizer que vai ler um livro por semana quando você mal tem tempo para ler a primeira página do jornal vai te fazer desistir no primeiro dia. Ao contrário, metas muito fáceis te deixam preguiçoso e desleixado: dizer que aprenderá uma música nova a cada seis meses vai te dar aquela sensação de "deixa pra depois que eu tenho tempo de sobra", e no final o tempo acaba e você não fez nada. Repito: estabeleça metas possíveis e levemente desafiadoras, e comemore quando atingi-las. Dê a si mesmo uma gratificação por ter chegado lá, e talvez uma penalidade por não ter conseguido.

Outra coisa importante a se fazer ao definir metas é criá-las de forma que seja possível medir o seu andamento, pois assim você consegue medir o seu desempenho. Se você atingiu a meta e foi além, será que a meta estava frouxa demais? Ou será que você se esforçou de verdade? Se não atingiu a meta, quanto faltou? Por que você não chegou lá? Será que a meta estava além da sua capacidade? Talvez seja o caso de você, no início, estabelecer metas simples, apenas para criar o hábito e impor a disciplina. Com o tempo e seu próprio desenvolvimento estas metas podem se tornar mais ambiciosas. Por fim, aproveito para compartilhar um ditado que sempre me faz lembrar que é preciso ter metas na vida: para um barco que não tem destino, todo vento é a favor.

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Força de Vontade


De mãos dadas com a disciplina anda a força de vontade. Se você não tem vontade de estudar, nem adianta começar. Por que eu comecei a estudar redes? Porque eu prestei alguns concursos e me ferrei feio nas questões de rede, então eu passei a ter vontade de me dar bem nos concursos. Por que eu comecei a estudar teclado? Porque eu sempre achei o som de piano um som bonito e porque eu quero ser capaz de tocar uma centésima parte do que o Elton John toca, então eu passei a ter vontade de saber tocar teclado tão bem quanto eu digito. E, claro, não basta apenas ter a vontade, é preciso que haja uma força interior que seja capaz de mantê-la viva.

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Sentimentos, Família e Sono


Quanto a sentimentos, sim, há sentimentos que ajudam a manter o ritmo, que ajudam a seguir a disciplina. Um deles é o orgulho. Orgulho de ser capaz de dizer que, sim, é possível aprender alguma coisa quando não se tem tempo ou dinheiro para freqüentar um curso ou uma faculdade. Quando você almeja este orgulho de poder dizer que é capaz de realizar alguma coisa, o caminho até lá fica mais fácil.

E quanto à família que me distrai? - você pergunta. Sim, há este empecilho, com o qual eu também às vezes sofro. E não é só família: é o telefone, é o vizinho, o cachorro, a obra. Certas coisas não dá pra controlar e é preciso acostumar-se com elas, mas com a família é possível haver diálogo. Basta você deixar claro que aquilo ali é realmente importante e que você não pode e não quer ser interrompido. E é preciso mostrar que você realmente está falando sério: mandar todo mundo ficar quieto enquanto você estuda para quinze minutos depois começar a jogar video game não é uma boa.

Por fim, meu leitor cita também que logo que começa a estudar bate aquele sono. Como combater isso? Enfim, temos algo fácil de se resolver. Como já deve ter ficado claro, estudar por conta própria não significa estudar de forma desleixada. É preciso criar um ambiente de estudo. Nada de pegar o livro e deitar na cama para ler. Arrume a mesa, deixe lápis, caneta e papéis de rascunho à mão e leia o seu material de estudo com atenção, sem parar a toda hora para beliscar alguma coisa. Se você vai estudar pela manhã, não acorde, tome café e vá direto para os livros. Antes, tome um banho e se arrume do mesmo modo que se arrumaria se fosse para um curso. Eu faço isso, e ao fazê-lo tem-se uma maior sensação de compromisso. Isso também mostra aos outros que você realmente está envolvido com alguma coisa importante e que não deve ser interrompido por bobagem. Se não te incomodar, uma música tocando também é permitida. Eu só desaconselho televisões e dvds ligados.

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Conclusão


O importante é você saber que, no instante em que decidir começar a estudar por conta própria, você vai começar uma batalha difícil contra seus piores inimigos: os seus próprios defeitos. Mas eles podem ser vencidos: basta querer.


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6 comentários:

Anônimo disse...

PARABÉNS!!!!

MARAVILHOSAS PALAVRAS!! OBRIGADÃO PELO ESTÍMULO...

Abraços...

:D

Mário Marinato disse...

Opa, obrigado. Espero que te ajude a estudar com mais afinco.

Depois volta pra contar se deu certo.

Anônimo disse...

Olá, Mário.

Ótimo artigo. Parabéns!

Gostei de você ter destacado o fato de que estudar por conta própria não é nada fácil, afinal, estamso lutando contra o pior dos adversários: nós mesmos.

As vezes, quando alguém fala que aprendeu um assunto por conta própria, isso pode assustar aqueles que não são autodidatas ainda, por não conseguirem fazer o mesmo. Mas lembrando a eles que o processo é difícil pra todos, ou pelo menos para a maioria, você dá a confiança de que é possível sim, ainda que não seja fácil.

Lendo seu artigo, eu percebi outra coincidência entre nós: ambos iniciamos por conta própria o estudo de um instrumento musical. Só que no meu caso foi a guitarra, e não o teclado.

Eu a comprei, se não me engano, em 2004, e durante uns meses eu pratiquei um pouco com ela. Só que eu não evoluia muito, em parte por não ter disciplina, e em maior parte, acredito eu, por simplesmente não ter talento algum pra coisa.

Só que eu não pretendo voltar a estudá-la. Mesmo ainda gostando bastante do som da guitarra, quando tocada por músicos de verdade, eu teria que dedicar uma quantidade de tempo muito grande para chegar em um nível que me satisfaria, e como eu tenho paixões maiores(a computação), o meu foco no momento é outro, portanto, aposentei a minha guitarra em 2005.

A propósito, isso é outra coisa que eu considero importante: reconhecer quando se é bom ou não em alguma coisa. Eu não sou bom em tocar guitarra, não nasci para isso, e se quisesse melhorar teria que me dedicar durante muito tempo a isso, talvez até de forma exclusiva. E como a guitarra não é o meu maior interesse, não foi uma decisão difícil abandonar o seu estudo em prol da computação.

Ou seja, é importante reconhecer no que se é bom(talento), e o que é realmente importante(paixão). Por sorte, quando fazemos isso, muitas vezes descobrimos que as duas coisas se aproximam mais facilmente.

Abraços.

Paula disse...

Parabéns para nós, os autodidatas!!
Aprendi 3 idiomas dessa maneira e estou aprendendo o quarto.
Em dois deles, fui mais além e fiz duas faculdades para aprimorar o que já sabia e também para ter uma carreira.
Hoje em dia, sou tradutora e faço minha pós-graduação defendendo, em minha tese, justamente o universo dos autodidatas.

Bjs!!

Mário Marinato disse...

Puxa vida, Paula, que história legal! Quais são os quatro idiomas? Boa sorte na tese.

simone disse...

Oi, Gente, eu quero fazer meu TCC em autodidatismo (self learning) por favor, me adicionem no msn, simonegiovanetti_63@hotmail.com

Abração

Simone