Crônica: Tocaiado

Eu sei que ele está por aí, em algum lugar. Ele sabe que preciso dele, que sem ele posso até mesmo perder um emprego, mas ele não liga. Permanece oculto, enquanto assiste à minha agonia.

Acho que quanto mais eu me desespero, quanto mais eu fico ansioso pela sua aparição, quanto mais eu anseio para que ele dê as caras, mais ele se diverte. Não sei como pode se divertir com isso, com o sofrimento alheio, mas é assim que a coisa funciona pra ele. Eu pago o preço do seu lazer, do seu prazer.

Tento dar uma de detetive e descobrir onde ele pode estar escondido, onde pode ser o seu canto, onde está de tocaia, saboreando cada gota do suor que escorre da minha testa, sentindo o cheiro do medo que exalo enquanto sigo em minha busca infrutífera.

Ele, e só ele, tem a informação que preciso para agarrar aquele emprego que pode dar novo rumo à minha vida, e ele sabe que dependo disso. Sim, há outro meio de conseguir esta informação tão valiosa, mas não sei se terei tempo de consegui-la através de outros meios que não ele.

Chego a lembrar da minha infância, quando eu e colegas do colégio brincávamos de pique-esconde, e eu prendia a respiração quando passavam perto de onde eu me espremia, oculto. Deve ser assim que ele está se sentindo agora: "lá vem ele, agora ele me pega, não, não, não, ufa, passou direto, ha ha ha, que Zé Ruela!".

Chego a falar sozinho, pedindo, implorando, suplicando, para que ele se revele, que me ajude, que não me deixe a ver navios. Quando não precisava dele, o dito cujo sempre passava por mim e dava bons-dias, sorridente. Volta e meia se oferecia, simpático, "quando precisar, é só falar, hein! Tamo na área!". Pura falsidade. Pura mentira.

Maldito certificado de reservista. Acho que vou ter mesmo que tirar uma segunda via, antes que seja tarde demais...

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