O Pecado de Todos Nós - Capítulo Um - Parte Dois

(capítulo um, parte um)

Certa noite, não conseguindo dormir, ele saiu de casa silenciosamente, e ficou fumando na dura terra, escura e gelada. Uma semana antes ele observara que quase não havia nevado, e isso o deixara inquieto. Mas estava certo de que aquilo não passava de mais uma daquelas inconstâncias da natureza que costumam atormentar a vida dos fazendeiros.

Ele contou-nos que era uma noite muito calma e estrelada, pesada de silêncio. Mas não o silêncio normal de uma noite no campo. Havia nele um toque sinistro, como que uma expectativa de algo imensamente estranho. A meia-noite de uma fazenda possui seus próprios e característicos sons: um cavalo que relincha, uma vaca mugindo, um cão sonolento a ladrar, galinhas esvoaçando agitadas nos galinheiros. A vida, mesmo adormecida, ainda é vida.

Meu pai fumava, com o pesado casado xadrez abotoado até o pescoço, pés separados sobre a terra escura, à sua maneira vigorosa de sempre. Passou-se algum tempo até que ele conscientizasse o absoluto silêncio em torno dele. Era como se os estábulos estivessem vazios, os campos desabitados, os bosques abandonados. A casa por detrás dele nos guardava a todos, adormecidos, sua grande brancura reluzindo sob uma Lua tão clara que o meu pai podia distinguir a campina de leste, onde o trigo do inverno já verdejava; podia ver os bosques, os desnudos galhos negros das árvores emaranhados. Podia ver o regato, a correr como se fosse mercúrio, livre de todo o gelo, para além das cocheiras. E aqui e ali, ele podia perceber janelas de sítios, onde uma luz solitária brilhava, indicando um nascimento ou uma doença.

Já devíamos ter tido neve, a essa altura, e muita, pensou meu pai. Devíamos tê-la tido em novembro ou dezembro. Ele tornou a olhar para o céu, cheio de estrelas, e para a grande e branca Lua. Analisou tudo aquilo com uma sabedoria de homem do campo, procurando uma nuvem qualquer. Estava frio o bastante para nevar; o frio era intenso.

Ele lembrou-se de que, segundo as revistas agrícolas, a falta de chuvas e de neve começava a preocupar consideravelmente os agricultores da região. Não tinha chovido grande coisa no sul; o Texas estava secando. As grande planícies de Iowa, Idaho e Kansas se ressentiam de uma alarmante falta de qualquer tipo de umidade desde o dia primeiro de novembro. Ainda assim, pensou meu pai, isso já aconteceu várias vezes em minha vida, e sempre no momento em que a necessidade se torna mais premente, vem a chuva ou a neve e então tem-se geralmente uma boa colheita.

Mas ele continuava preocupado, pensativo, e olhando com cara feia para as estrelas secas e para a Lua seca. A fumaça de seu cachimbo enroscava-se diante de seu rosto, reta como uma vara. Ele experimentou a terra com os pés: estava dura como concreto.

Então, de repente, segundo meu pai, a Lua sumiu.

***


Continua...
O início...

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