O Pecado de Todos Nós - Capítulo Um - Parte Três

(capítulo um, parte dois)

Ele olhou para cima, atentamente, satisfeito e expectante. O céu devia estar ficando nublado.

Mas não havia nuvens. As estrelas passaram a brilhar com mais intensidade, agora que o luar desaparecera, e suas sombras projetavam-se sobre a terra gelada. O meu pai esperou: observava o reaparecimento da Lua.

Mas a Lua não reapareceu. No lugar em que ela estivera havia agora uma forma redonda pequena e negra no céu púrpura da meia-noite. Era quase imperceptível, e se não tivesse havido uma Lua alguns minutos atrás, meu pai nem a teria notado. Provavelmente é uma nuvem, do tamanho da superfície da Lua, pensou ele, e tornou a esperar. Mas a nuvem, se era nuvem, não se afastou e as estrelas brilhavam mais febrilmente sobre a terra.

Agora o silêncio se tornara em uma espécie de terror. Era como se a Terra tivesse tomado uma grande inspiração, e, com ela, tivesse absorvido todos os ruídos. Meu pai permanecia num vácuo absoluto sob as estrelas. Não podia mais suportá-lo: bateu com os pés na terra e o ruído voltou, raso e sem vida. Era ainda pior do que o silêncio.

Amedrontado, com o rosto voltado para cima, observava o céu. Deve ter ficado olhando, disse ele mais tarde, durante, pelo menos, meia hora. Então ele viu um traço fino e curvo, cor de laranja, no buraco onde estivera a Lua. Ah, a nuvem estava passando. Mas por que aquele traço de cor assustadora? Agora ele tornava-se rubro, como uma lâmina recurva recém-saída de um fogo de têmpera. Com terrível lentidão ele foi-se engrossando, tornou-se um crescente, depois metade, e finalmente uma Lua cheia. Era maior do que antes, e vermelha como sangue. As estrelas retiraram-se numa palidez difusa.

"... e a Lua não dará a sua luz", pensou meu pai, lembrando-se da Bíblia. A Lua, embora cor de sangue, e luminosa, e maior ainda do que uma Lua cheia do outono, não fornecia luz alguma. A terra estava escura.

Era um eclipse, pensou meu pai, num desespero inexplicável. Ficou observando mais um pouco, até que olhar se tornou insuportável. Ele voltou para casa e foi só quando percebeu o calor de dentro que ele se deu conta de que sentia muito frio, o maior frio que jamais sentira em toda a sua vida. Suas mãos estavam tão duras que ele teve de tatear por uns momentos antes de poder acender uma lâmpada na sala. Os dedos estavam rígidos e dormentes. Então ele começou a tremer incontrolavelmente, enfiado em seu pesado paletó, junto à mesa em que guardava suas revistas agrícolas. Os dedos enregelados mal conseguiam virar as páginas.

Não havia nenhum eclipse da Lua previsto para aquela época do ano, naquela latitude.

A revista caiu-lhe do colo e meu pai ficou ali sentado em uma velha poltrona de couro. Ouvia o velho relógio tiquetaqueando no hall. O silêncio que baixara sobre a terra envolvia a sala e de repente ele não conseguiu mais ouvir o relógio. Esperou e o suor porejava em sua testa. Olhou para as janelas. Um clarão de fogo reluzia através das persianas, qual o reflexo de uma casa em chamas.

Os estábulos, pensou meu pai, confuso. Mas sabia que não eram os estábulos. Afundado em sua poltrona, ficou olhando para as janelas. Depois levantou-se com um esforço tremendo e foi ao hall, acendendo a luz. Olhou para o velho relógio de novo que pertencera a seu avô. O pêndulo não se movia. Os ponteiros estavam parados, o carrilhão calado.

- Eu não conseguia mover-me, estou-lhes dizendo - contou-nos meu pai, meses depois. - Queria chamar um de vocês, meninos, mas não consegui. Fiquei ali sentado nos degraus, olhando para o relógio. Pelo menos, dali eu não podia ver a Lua.

Ele nunca soube ao certo quanto tempo permaneceu sentado, encolhido nos degraus, olhando para o relógio. Talvez meia hora, talvez uma hora. Mas, de repente, ele percebeu que o relógio estava novamente funcionando, a princípio débil e vacilante, depois forte e vigorosamente. O carrilhão bateu a meia hora de uma e meia: então, sem qualquer pausa, bateu duas horas. Os ponteiros do relógio se haviam movido para aquela hora, como se movidos por uma invisível mão.

***


Continua...
O início...

8 comentários:

Anônimo disse...

olá Mário, sou fã da taylor caldwell e achei genial a idéia de colocar esse livro pouco a pouco na web. já copiei todas as partes e anseio pelas proximas. não deixe de escreve-las.
abraço

Mário Marinato disse...

Olá, anônimo.

Que bom que gostou da idéia. Volte sempre que aos poucos o livro estará todo aqui.

Se quiser convidar as amigas para ler também, fique à vontade.

Abraço.

Anônimo disse...

olá Mário, que bom que acescentou mais uma parte do livro em sua página. Já copiei, obviamente, e anseio pelas próximas. abraço

Mário Marinato disse...

Pode deixar, Anônimo, que logo logo as outras partes virão.

Anônimo disse...

olá Mario,como está? estou anciosa para saber o que houve naquele dia em que a lua ficou vermelha... A propósito, já leu "prólogo de amor" da Taylor Caldwell? é maravilhoso! Abraço

Mário Marinato disse...

Anônimo, a quarta parte já foi ao ar. Veja que neste texto aqui tem um link no final, em "Continua...".

Não li este livro aí não. O único que li da Taylor é O Pecado de Todos Nós.

Anônimo disse...

olá mario, tudo bem? copiei e colei todas as partes do livro até agora. obrigada. se "prologo de amor" não fosse tão grande, escreveria e colocaria na web, mas é imenso. mas taylor caldwell é maravilhosa, passa a emoção do personagem com intensidade. sempre choro quando leio esse livro. veja e consegue, vale a pena. abraço

Mário Marinato disse...

Olá, anônima.

Esta semana saiu a quinta parte, já copiou esta também?