O Pecado de Todos Nós - Capítulo Dois - Parte Dois

(capítulo dois, parte um)

Meu pai tinha uma especial devoção para com as árvores. Uma árvore contra um pôr do Sol brilhante, cor-de-laranja, era, para ele, a coisa mais bela do mundo. No verão, ele caminhava em meio às árvores, tocando suas folhas e falando-lhes como se fala com um filho querido. Talvez as árvores correspondessem, pois tínhamos as melhores de todo o município, e elas nunca morriam, nem tinham doenças, e sempre cresciam e frutificavam.

Era costume de meu pai, em fins de fevereiro, visitar os pomares e algumas de suas árvores prediletas, como o enorme bosque de olmos na colina para além das campinas do sul, os bordos à beira do jardim de mamãe, as faias brancas perto do portão e o choupo da Normandia, lá longe, depois dos trigais.

Naquele dia 25 de fevereiro ele entrou em nossa cálida cozinha de tijolos, preparado para o seu primeiro e habitual passeio aos pomares. Nos anos anteriores, desde que Edward voltara cego para casa, meu pai simplesmente entrava na cozinha e indicava com um movimento de cabeça que desejava que eu o acompanhasse e eu me levantava e o acompanhava, o mais silenciosamente possível. Mas naquela manhã, meu pai, que há algum tempo parecia particularmente cansado e abatido, disse:

- Ed... Pete... vou examinar as árvores. Venham comigo.

Minha mãe voltou-se, rapidamente, no fogão, os olhos subitamente cheios de lágrimas e Lucy, mulher de Ed, soltou uma exclamação abafada.

Era um dia bonito e límpido, iluminado por um Sol pálido, muito tranqüilo. Quando Edward virou seu rosto cego para o meu pai, um raio de luz iluminou-o e pude perceber nele uma expressão de dor.

- George - disse minha mãe, com suavidade.

Os lábios de Lucy tremeram e ela olhou para meu pai com severidade.

- Desculpe. Tinha esquecido. Venha, Pete.

Não acreditei que ele tivesse esquecido, e fiquei intrigado e aborrecido. Meu pai era o homem mais bondoso e delicado, e aquele comportamento não condizia em nada com seu temperamento. Ele saiu da cozinha com suas botas pesadas e eu o acompanhei. Olhei para Edward. Permanecia sentado, as mãos sobre a mesa, a cabeça baixa, Edward era um rapaz moreno e magro, de fala mansa e maneiras delicadas. Nós nos havíamos acostumado aos óculos foscos que ele usava, mas agora, de repente, eu os via como que pela primeira vez, sentindo-me chocado até à alma. Fechei de mansinho a porta da cozinha, cheio de compaixão por meu irmão... e por meu pai.

***


Continua...
O início

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