O Pecado de Todos Nós - Capítulo Três - Parte Quatro

(capítulo três, parte três)

A princípio alguns dos homens na sala sorriram, sem jeito, diante das palavras de meu pai, mas logo os sorrisos desapareceram e eles passaram a lhe dar toda a atenção. Ele parecia grande e poderoso, ali de pé com sua fisionomia séria e melancólica iluminada pelo Sol da primavera.

- Sim, condenados à morte - disse ele, com autoridade. - Porque todos os homens do mundo são pecadores uns contra os outros, e todos contra Deus. Não se trata apenas das guerras que tivemos neste século. Nós nos esquecemos de Deus.

Meu pai ajustou o cinco e passou a mão pelo queixo barbado. Seus olhos azuis estavam vívidos - vívidos e condenadores - ao passearem lentamente por todos os rostos da sala.

- Não sou político. Sou fazendeiro, assim como vocês. Quando éramos pequeninos, levávamos a sério as palavras do pároco quando ele nos dizia que tínhamos um dever para com o nosso semelhante, e que as coisas do espírito são mais importantes do que as coisas do corpo. Todas as igrejas diziam isso a seus fiéis; todas as igrejas continuam a dizê-lo, embora os pastores se dirijam atualmente a bancos vazios. Não ouvimos mais essas coisas com nossos ouvidos. Por quê? Porque cada um de nós passou a crer que as coisas do corpo são as únicas coisas valiosas, e lutamos por elas passando por cima dos direitos de todos os outros homens. Nós nos tornamos por demais materialistas, por demais ateus. Olhem, não sou um orador. Vocês sabem a que estou-me referindo.

- E agora sacudimos as nossas bombas atômicas e de hidrogênio na cara da Rússia e ela sacode as dela na nossa cara, e ambos as fazemos explodir sobre a Terra, destruindo-a. Mas a guerra é uma coisa lucrativa. É isso que faz as cidades crescerem e prosperarem.

Os olhos de meu pai cintilavam sobre os rostos dos homens que o escutavam.

- Nos tempos de meu pai as pessoas eram felizes nos campos. Os homens cultivavam os alimentos, não fábricas de armas para assassinato. Certo, nós não tínhamos carros nas cocheiras, nem aparelhinhos em nossas casas, mas um lampião de querosene serve tão bem quanto uma lâmpada elétrica e um livro é melhor do que muita coisa que se vê na televisão.

- De que nos adiantou todo esse progresso? Trouxe-nos a paz, a segurança e o amor e a satisfação? Não. Só nos ensinou a guerra. Ensinou-nos a ter inveja de nossos irmãos. Ensinou-nos a querer possuir mais do que os nossos irmãos. Isso é materialismo; isso é ódio. Não há lugar na terra de Deus para o materialismo e o ódio e o ateísmo e a guerra. Foi por isso que fomos condenados à morte.

Ele ergueu uma de suas mãos imensas, lenta e solenemente.

- A terra há de viver. Ela não permitirá que a destruamos com as nossas bombas. Vai apenas livrar-se dos monstros que poderão, um dia muito breve, lançá-la, sem ar e sem frutos, pelo espaço afora, ou explodi-la em pedacinhos. A Terra conhece Deus e Deus está com a Terra. Ela já suportou as nossas irresponsabilidades por muito tempo; sofreu, e foi bondosa. Agora vamos morrer, pois fomos longe demais em nosso ódio e ganância.

Ele ergueu a cabeça e exclamou:

- Deus tenha piedade de nossas almas!

***


Continua...
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